Por Uol Notícias em 27/03/2020
Gabriel Francisco Ribeiro | Muito antes do primeiro caso oficial de coronavírus surgir no Brasil, cientistas do país já buscavam uma cura ou tratamento para a doença. Desde o fim de janeiro, pesquisadores brasileiros do Cnpem (Centro Nacional de Pesquisas em Energias e Materiais), em Campinas (SP), investigam medicamentos que podem ajudar quem adoeceu de Covid-19.
A investigação começou com mais de 2 mil candidatos a tratamentos. Menos de dois meses depois do início dos testes, restaram cinco considerados como os mais promissores. Eles entram agora em uma nova fase de testes.
O Cnpem, onde a maior parte da pesquisa é feita, é um centro independente de pesquisas, mas supervisionado pelo MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações). Ele conta com laboratórios nacionais de nanotecnologia, biociências, biorrenováveis e de luz síncrontron, sendo este último o responsável por um dos mais avançados aceleradores de partículas do mundo.
De 2.000 para cinco candidatos
A busca por um medicamento envolve o “reposicionamento de fármacos”. O que é isso? Eles selecionam medicamentos que já estão nas prateleiras das farmácias -portanto, já aprovados para uso humano.
Dos 2.000 iniciais -eram analgésicos, anti-hipertensivos, antibióticos e diuréticos, entre outros- o número caiu para 16 e, posteriormente, para cinco medicamentos.
A intenção dos pesquisadores era ver se algum dos dois mil fármacos selecionados poderia interagir com a protease [um tipo de enzima] do coronavírus para evitar sua replicação no corpo humano. Nesta fase da pesquisa, foram feitas análises e simulações computacionais com inteligência artificial para entender quais medicamentos poderiam inibir a enzima e funcionar como um antiviral.
“Esse encaixe não ocorre de maneira fácil. É como buscar uma chave [medicamento] em um chaveiro cheio delas [muitos compostos]. Essa chave deve se encaixar perfeitamente na fechadura do vírus [locais específicos das proteínas dos vírus capazes de bloquear sua atividade]”, diz Daniela Trivella, coordenadora científica do LNBio (Laboratório Nacional de Biociências) do Cnpem.
“Estas regiões específicas das proteínas virais são importantes para realizar reações químicas, infectar células humanas e propagar o material genético viral -fases fundamentais de uma infecção. Por isso, são estas fechaduras que miramos”, aponta Trivella.
Com os cinco compostos selecionados, a pesquisa entra em uma nova fase de analise in vitro – em cultura de célula com contato direto com o vírus. A intenção é ver, na prática, como os compostos e medicamentos selecionados interagem com o coronavírus.
Cloroquina é “ótima notícia”
Ainda não há uma previsão de finalização dos testes por tudo estar em uma fase inicial. Mas, o pesquisador do Cnpem Rafael Elias Marques destaca já termos muito a comemorar na luta contra o coronavírus.
“O fato de a gente ter encontrado um medicamento como a cloroquina e a hidroxicloroquina que, quando combinados com a azitromicina, aparentemente têm um efeito protetor, é uma ótima notícia. Significa que, por mais que o coronavírus seja um organismo altamente infeccioso, o tratamento é possível. Uma primeira vitória como essa é motivadora”, aponta.
No estudo brasileiro, a cloroquina será colocada como um “controle positivo” nos experimentos após dois estudos internacionais apontarem que ela é capaz de reduzir a replicação do coronavírus in vitro. Ainda assim, Marques critica a busca de consumidores pela cloroquina em farmácias após ela ser citada pelo presidente norte-americano Donald Trump.
“Essa história da cloroquina não pode levar à falta de informação e pânico porque esse medicamento seria usado por pacientes em hospitais. Não havia a menor necessidade das pessoas saírem comprando, esvaziando as farmácias desse medicamento. Nem tampouco das pessoas declararem que a cura tinha sido encontrada. Tem um caminho muito longo ainda”, explica.
“Mas como tem uma movimentação nacional e internacional muito grande, é provável que nós encontraremos alguma coisa que pelo menos diminua esse sofrimento que o vírus causa. ”
Rafael Elias Marques, pesquisador do CNPEM
O estudo brasileiro começou com quatro pessoas, passou para seis e agora são 11 no projeto. Em tempos de isolamento, apenas pesquisadores ligados ao coronavírus estão seguindo o trabalho direto no Cnpem, enquanto outros ficam de home office. Aliás, o distanciamento social é um dos desafios para descobrir o medicamento correto.
“O isolamento é um problema, mas é necessário para frearmos o espalhamento. As universidades e CNPEM estão funcionando com quadro mínimo. Isso de certa maneira dificulta, a pesquisa começa a correr em um ritmo mais lento porque somos um número menor de pessoas trabalhando rotineiramente. O maior problema é que eventualmente teremos uma limitação em insumos para a pesquisa, justamente pela dificuldade e demanda a nível mundial por reagentes que vamos utilizar também”, diz.
Equipamento milionário pode ajudar
Estudar um vírus, principalmente algo novo como o Sars-Cov-2, não tem só uma etapa. De acordo com Murilo de Carvalho, pesquisador do Cnpem, organismos desse tipo precisam ser estudados de vários pontos chamados na comunidade científica de “omics” -ou “ômicas” em português.
“A primeira coisa é sempre tentar entender a lógica por trás da biologia. […] Então passo pela parte da genômica [código genético do vírus], proteômica [proteínas], metabolômica [como proteínas agem]…”, explica.
Na pesquisa, Rafael Elias Marques avalia contar com ajuda da criomicroscopia eletrônica, técnica recente da química que ganhou o prêmio Nobel em 2017. O Cnpem conta com um equipamento do tipo no LNNano (Laboratório Nacional de Nanotecnologia). Esse microscópio enorme é avaliado em milhões de dólares fora do Brasil.
A técnica de criomicroscopia eletrônica permite investigar organismos e substâncias a partir da interação delas com elétrons. O equipamento mais avançado do Cnpem permite colocar estruturas a uma temperatura de nitrogênio para registrar imagens e entender o que ocorre dentro dos organismos e quais interações podem acontecer.
“Hoje os grandes grupos de biologia estrutural têm usado esse equipamento. Pega o coronavírus. Em menos de um mês, um dos grupos que estava trabalhando na área conseguiu produzir estruturas ligadas ao coronavírus. Isso poderia nem ser factível no passado”, afirma Rodrigo Portugal, pesquisador do Cnpem.
Ciência brasileira contra o vírus
A pesquisa do Cnpem é apenas uma entre várias que ocorrem pelo Brasil. Em testes de medicamento, hospitais de São Paulo disseram que iniciariam pesquisa com a hidroxicloroquina – no caso, são testes clínicos e diferentes dos realizados em Campinas.
Fora do Brasil, a OMS (Organização Mundial da Saúde) também organiza uma corrida para encontrar uma cura para a doença, com participação de ao menos dez países. Esse estudo também será clínico, com testes diretos em pacientes.
Outras frentes também tentam atacar o coronavírus no Brasil. Existem pesquisadores trabalhando na formulação de melhores diagnósticos para a doença, assim como outros que procuram por vacinas contra a Covid-19.
Neste momento, cientistas têm se unido e contado com trocas de informações. Rafael Elias Marques destaca alguns momentos-chave, como o primeiro isolamento do vírus no Brasil, feito pelo professor da USP Edson Durigon e compartilhado com outros pesquisadores. Atualmente, os pesquisadores do Cnpem usam instalações da Unicamp para os testes in vitro, já que elas possuem o nível de biossegurança necessário.
O MCTIC ainda criou recentemente a Rede Vírus, que engloba várias universidades e instituições que investigam a doença, com trocas de informações entre as equipes.