SBPC 2010 discute pesquisas sobre etanol de segunda geração. Pesquisador do CTBE fala sobre pré-tratamento da biomassa
Assessoria de Comunicação, em 03/08/2010
O ministro da Ciência e Tecnologia Sergio Rezende comentou na última semana, durante a 62a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em Natal-RN, que a produção de etanol combustível é um dos quatro setores de sucesso científico e tecnológico do Brasil ao lado do agronegócio, petróleo e aeroespacial. Entretanto, dentre os mais de 150 eventos da programação científica da SBPC, apenas uma mesa-redonda tratava do assunto. “Etanol de Segunda Geração” era o titulo da apresentação.
Etanol celulósico ou de segunda geração é o nome do processo que converte em combustível os dois terços da biomassa da cana (bagaço e palha) atualmente não utilizados pela indústria para este fim. Cálculos do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) mostram que a implantação deste processo industrial nas usinas deve ampliar em 50% a produção atual de etanol sem expandir a área de cana plantada. Este número nos mostra porque o tema se tornou uma tendência em certas áreas científicas, integrando a pauta de um número cada vez maior de pesquisadores e jornalistas que cobrem a área.
Tão instigantes quanto os benefícios oriundos da tecnologia de etanol de segunda geração são os desafios para torná-la viável economicamente. Os diversos gargalos industriais do processo foram o assunto principal debatido na mesa-redonda da SBPC.
Durante o evento, Prof. Dr. George Jackson de Moraes Rocha, do CTBE, comentou explanou sobre as técnicas de pré-tratamento da biomassa de cana estudados pelo Laboratório localizado em Campinas-SP. Primeira etapa da produção de etanol de segunda geração, o pré-tratamento separa os compostos da biomassa que podem ser posteriormente convertidos em etanol.
Rocha mostrou que existe uma série de possibilidades de pré-tratamento. É possível despejar ácidos sobre o bagaço de cana, utilizar vapor d’água sob alta pressão, moer a partir de técnicas diversas, entre outras. Segundo estudo desenvolvido por Rocha, quanto mais lignina e hemicelulose forem separadas da celulose presente na cana, maior é a taxa de conversão desta última em glicose. A glicose é o combustível principal das leveduras que transformam açúcares em etanol.
Dois assuntos ligados ao pré-tratamento merecem mais estudos na visão de Rocha. Um deles é a cristalinidade da celulose de cana. Parte das fibras de celulose possui uma estrutura amorfa (emaranhada) enquanto a outra parte é cristalina (bem estruturada). A região cristalina é mais difícil de ter sua estrutura degradada pelo pré-tratamento e posterior ação enzimática. Um estudo atualmente desenvolvido no CTBE utiliza a fonte de Luz Síncrotron do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) para mensurar a proporção de celulose cristalina presente na cana, com baixa taxa de erro.
O segundo tema diz respeito as características ideais do material pré-tratado para a eficiência do processo de produção de etanol celulósico como um todo. A especialista em enzimas Prof. Dra. Elba Bon, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirmou que um pré-tratamento eficiente é aquele que não gera resíduos e ainda mantém a estrutura orgânica dos compostos de celulose, hemicelulose e lignina. Segundo ela, quando você altera a composição destes materiais é possível que o rendimento nas etapas seguintes de hidrólise e fermentação seja diminuído.
Dentro da rota biológica de produção de etanol de segunda geração, após o pré-tratamento da biomassa ocorre a hidrólise do material lignocelulósico. Compostos enzimáticos interagem com as fibras de celulose no intuito de quebrar cuidadosamente tal cadeia, liberando açúcares simples que serão depois fermentados em etanol. Bon lembra que essa área é o “filé mignon” do mercado de etanol de segunda geração, pois é onde o custo atual se encontra mais elevado.
Grandes multinacionais já se atentaram para esse fato. A Novozymes, uma das principais desenvolvedoras mundiais de enzimas industriais, anunciou no mês passado um acordo de cooperação com a desenvolvedora de equipamentos para a indústria sucroalcooleira Dedini, “visando um desenvolvimento contínuo de um caminho tecnológico para a produção de etanol de celulose no Brasil”.
O último palestrante da mesa-redonda sobre etanol de segunda geração da SBPC, Prof. Dr. Boris Ugarte Stambuk, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), abordou o tema fermentação. Ele lembrou da dificuldade das leveduras industriais em fermentar um parcela dos açúcares liberados na hidrólise, as chamadas pentoses (cinco carbonos). “Das cerca de 850 espécies de leveduras conhecidas, apenas 14, ou seja, 2% fermentam pentoses”, explica Stambuck.
O professor da UFSC fez também um estudo sobre as leveduras industriais mais utilizadas no Brasil. Ele quis descobrir porque estas espécies prevalecem sobre outras, eliminando-as muitas vezes durante processos ocorridos nas destilarias. Segundo ele, isso pode ocorrer devido à presença de genes que biossintetizam as vitaminas B1 e B6. Moléculas presentes nestas vitaminas aumentam a resistência das leveduras contra diversos inibidores.
A fala dos especialistas deixa claro que o desafio de converter bagaço e palha de cana em etanol a um custo industrialmente viável é grande. Mas o Brasil tem feito a sua parte. Neste mês de agosto, por exemplo, estarão finalizadas as obras de engenharia civil da Planta Piloto para Desenvolvimento de Processos (PPDP) do CTBE. Por meio dela, pesquisadores do Brasil e do exterior poderão testar experimentos ligados ao etanol de segunda geração em escala semi-industrial. Isto representa um importante avanço na tentativa de tornar viável tal tecnologia em âmbito industrial. A PPDP deve estar operacional até o final de 2010.