29/12/2014, Infoenergia
Um gargalo nas pesquisas brasileiras para a produção de etanol a partir do bagaço de cana-de-açúcar (etanol de segunda geração) é o alto custo das enzimas, necessárias para decompor em açúcares este e outros materiais lignocelulósicos abundantes no país. Neste processo chamado de hidrólise enzimática são usadas enzimas que “quebram” o bagaço para acessar e se alimentar do açúcar. Estas enzimas são produzidas por microrganismos, neste caso, o Trichoderma harzianum, fungo selvagem isolado na Amazônia pela Embrapa Instrumentação (São Carlos), que possui um convênio de desenvolvimento tecnológico com o CTBE (Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol).
O Trichoderma harzianum é o foco da dissertação de mestrado de Lucas Gelain, orientada pela professora Aline Carvalho da Costa, na Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, e coorientada pelo pesquisador doutor José Geraldo da Cruz Pradella, no CTBE. Aline Costa explica que o trabalho do aluno consiste na modelagem matemática para descrever o processo de produção de enzimas por este fungo. “O Trichoderma harzianum se alimenta de material lignocelulósico da natureza, que contém celulose, e por isso damos a ele bagaço de cana como fonte de carbono para que produza enzimas celulolíticas. E nós usamos essas enzimas para hidrolisar o bagaço e produzir açúcar, mas para outra finalidade, que é o bioetanol.”
De acordo com Lucas Gelain, a modelagem matemática e as simulações são importantes ferramentas para avaliar o processo de fermentação e elaborar estratégias para a sua otimização. “Queríamos relacionar a produção de enzimas com o crescimento celular e o consumo do bagaço. O maior problema neste trabalho foi obter os dados experimentais a partir de um material que é insolúvel e que no processo de fermentação submerso dificulta a estimação, por exemplo, da concentração de células. Tivemos que buscar alguns métodos indiretos para estabelecer essas estimativas. A parte experimental foi desenvolvida no CTBE.”
A professora da FEQ esclarece que na fermentação são utilizados um microrganismo (no caso, o fungo) e um substrato geralmente solúvel, como por exemplo, o caldo de cana da produção de etanol de primeira geração. “Nesse substrato é fácil determinar a concentração de células: uma amostra é centrifugada, secada até a massa constante e o que sobra é célula; já no segundo caso, não sobram apenas células, mas também bagaço, e não sabemos em quais proporções. Esta foi a parte mais difícil da pesquisa e que ainda não está completamente resolvida. Temos uma estimativa, que julgamos satisfatória, mas o aluno vai aprofundar a investigação em seu doutorado.”
O autor da dissertação também realizou testes com uma sonda de capacitância para estimação online da concentração de células. O equipamento adquirido pelo CTBE mostrou-se uma alternativa interessante em meio solúvel, mas sofreu interferências na associação com o bagaço de cana, o que impediu seu uso para uma análise quantitativa.
Lucas Gelain sugere que sejam realizadas alterações nos modelos e novos ensaios com concentrações diferentes de substrato para melhorar o ajuste e aumentar a confiabilidade dos modelos. “Para estimar os parâmetros e descrevermos bem o sistema, fizemos experimentos variando a concentração inicial do bagaço e acompanhando a cinética do processo. Os modelos descreveram satisfatoriamente o processo, mas é claro que ainda falta melhorar alguns aspectos. Eles também permitem comparar microrganismos para escolher aquele de maior potencial.”
O objetivo do aluno no doutorado, traçado juntamente com seus orientadores, é desenvolver um controle ótimo de alimentação, adotando a chamada batelada alimentada, ao invés de adicionar todos os nutrientes de uma vez no reator, como se fez nesta dissertação de mestrado. Aline Costa observa que, embora o fungo precise do bagaço para produzir as enzimas, o excesso do nutriente pode inibi-lo por um mecanismo chamado de repressão catabólica. “Na batelada alimentada, o fungo vai consumindo o substrato aos poucos e se desenvolve muito melhor e rapidamente. A pergunta difícil de responder é em que velocidade alimentá-lo. Por isso, precisamos de um modelo que permita fazer esse cálculo matematicamente.
Otimizando a produção
Segundo a professora da FEQ, obtidos os modelos, a proposta de doutorado é que o aluno encontre uma forma de otimizar a produção de enzimas barateando seu custo a partir da mesma quantidade de bagaço. “Para produzir etanol celulósico ainda dependemos de empresas estrangeiras que vendem as enzimas a um preço ainda mais caro. Um objetivo do CTBE é alcançar a chamada produção ‘on-site’, dentro da própria usina de etanol de segunda geração – e é aí que se encaixa a tese do aluno.”
Em sua linha de pesquisa, Aline Costa trabalha com todas as fases do processo de etanol de segunda geração: produção de enzimas, pré-tratamento, hidrólise e fermentação. “O bagaço de cana é constituído basicamente de celulose, hemiceluloses e lignina. Quando hidrolisamos a glicose para transformá-la em etanol, ela é consumida pela Saccharomyces cerevisiae, uma levedura usada em todas as usinas – este processo é mais fácil. Também estou começando a trabalhar com as pentoses (açúcares de cinco carbonos separados das hemiceluloses), um processo menos conhecido.”
A docente informa que seu trabalho é bastante próximo ao do CTBE, onde é pesquisadora associada, assim como muitos da Unicamp e de outras instituições. “Temos um contrato de oito horas (um dia por semana), via Universidade, que me repassa parte do valor da consultoria. O CTBE é um lugar bem interessante para fazer pesquisa, pois os alunos têm estreito contato com a indústria e lidam com problemas reais, experiência essencial na engenharia química. Contamos com equipamentos e plantas pilotos em escala mini-industrial, em espaços que não possuímos na Unicamp.”
Conforme Lucas Gelain, é possível fazer uma simulação de toda a planta da produção de etanol de segunda geração, havendo blocos de pré-tratamento, hidrólise, fermentação e separação. “O objetivo do CTBE é justamente maximizar a produção de bioetanol e diminuir os custos e também o consumo de energia. Com nosso modelo implementado no bloco de produção de enzimas, tornamos a simulação na planta ainda mais real.”
Aline Costa explica que se trata da chamada biorrefinaria virtual, onde são usados todos os modelos desenvolvidos e também testadas novas rotas. “A produção de etanol de segunda geração é complicada porque tudo deve estar integrado: alguém estudando a produção de enzimas só teria a visão do próprio processo, sem ver o que vem antes e que vai influenciar no seu trabalho, nem o que vem depois. Isso só se consegue colocando todos os modelos juntos na biorrefinaria virtual.