24 a 30/08/2009 – Jornal da Unicamp
Tese de doutorado defendida no Instituto de Biologia valida estudos anteriores
Em que pese o fato de os avanços das últimas décadas permitirem melhorias significativas no diagnóstico do câncer, alguns dos seus tipos ainda são refratários ao tratamento. A progressiva disponibilidade de ferramentas biológicas, químicas e físicas tem aberto novas possibilidades para seu melhor entendimento, para seu diagnóstico mais preciso e para a avaliação molecular da eficácia de seu tratamento. Particularmente, a detecção e identificação de novos marcadores moleculares constituem elementos de suma importância para o diagnóstico, acompanhamento e predição do prognóstico. Além disso, a determinação da estrutura desses marcadores protéicos torna possível o desenvolvimento de drogas que atuem sobre eles de maneira anti-tumorigênica.
Em pesquisa desenvolvida no Centro de Biologia Molecular Estrutural (Cebime) e no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o biólogo Daniel Maragno Trindade fez estudos estruturais e funcionais inéditos da proteína stanniocalcina-1 (STC1), um novo marcador de microambiente de leucemia linfóide aguda infantil e realizou análises estruturais e funcionais dessa proteína que vem sendo cada vez mais associada ao câncer. Algumas proteínas podem ser usadas para prognóstico do câncer, pois, se produzidas em quantidades significativamente maiores que o normal, podem ser utilizadas como marcador molecular tumoral.
Orientado pelo professor Jörg Kobarg, o trabalho deu origem à tese apresentada ao Instituto de Biologia (IB) da Unicamp para a obtenção de titulo de doutor em biologia funcional e molecular. A pesquisa, que partiu de alguns resultados prévios obtidos pelo seu co-orientador, professor José Andrés Yunes, do Centro Infantil Boldrini, levou ao primeiro estudo estrutural e funcional da STC1 que, como já se sabia, possui forte expressão, ou seja, se revela em maior abundância em casos de leucemia e quadros de isquemia e cardiovasculares quando comparada com as condições encontradas em pacientes sadios.
A detecção e identificação de novos marcadores moleculares são de suma importância para o acompanhamento e predição do diagnóstico do câncer, além de tornar possível o desenvolvimento de novas drogas que atuem sobre eles.
Trindade diz que os estudos existentes mostram que a STC1 aparece em maior quantidade nos contextos leucêmicos, mas não se sabe o papel exercido por ela. O objetivo do trabalho a que se propôs foi o de verificar a importância dessa proteína na manifestação do câncer, pois os indícios são de que ela tenha forte implicação no exercício desse papel.
O pesquisador diz que o trabalho teve como escopos, primeiro, validar estudos prévios do professor Yunes, mostrando que a alteração de expressão é verdadeira e, depois, entre as proteínas estudadas, selecionar uma de que não se tinha informação estrutural porque, com base na estrutural tridimensional, existe a possibilidade de se prever e em seguida determinar a sua função. O pesquisador explica que as proteínas podem ser entendidas como polímeros de aminoácidos, dos quais se originam várias formas estruturais que definem seu comportamento e função no organismo.
Em vista da falta de informações funcionais sobre a STC1, o pesquisador se propôs a encontrar algumas proteínas que interagem com ela e a realizar sua caracterização estrutural. As proteínas encontradas se apresentam em vários compartimentos celulares nos quais a STC1 já se sabia presente.
Os estudos, realizados em colaboração com o grupo da professora Íris Concepcion Linares de Torriani (Unicamp/LNLS), forneceram informações sobre a forma geral da proteína em solução, até então desconhecida. Com base na estrutura de uma proteína, explica ele, é possível inferir sobre sua função, a qual é posteriormente comprovada através de outros ensaios.
De posse de informações sobre como uma molécula se comporta ao exercer determinadas funções é possível, por exemplo, desenhar uma droga que atue sobre ela. O professor Kobarg esclarece que “ainda não é possível dizer o que a STC1 faz, mas já temos indícios de que ela tenha um papel importante no câncer; contudo, ainda não temos condições de saber de que modo ela efetivamente atua”. Trindade lembra que um desses indícios é a ocorrência do aumento da sua expressão em situações de angiogênese (promoção da vascularização da região afetada pelo tumor e que permite seu crescimento).
Para desenhar a droga que poderá atuar sobre a STC1 é necessário detalhar a sua estrutura tridimencional, chegando ao nível de detalhamento da distribuição atômica da molécula. Deste modo, na próxima etapa da análise, o pesquisador se proporá ao detalhamento atômico, porque o trabalho até agora desenvolvido permitiu chegar a uma ideia geral da forma da molécula caracterizando seu contorno.
Faz parte ainda do projeto do grupo do professor Kobarg descobrir e determinar a função de outras proteínas com as quais a STC1 interage. Este é o caminho, diz o professor, embora entenda que os resultados até aqui realizados sejam preliminares, pois a descoberta da STC1 é relativamente recente e existem no mundo poucos grupos que trabalham com ela, sendo dois deles no Brasil. Apesar da implicação da STC1 em muitos processos celulares, existe uma enorme lacuna no que diz respeito a estudos aprofundados de suas propriedades moleculares e estrutura tridimensional.
Os pesquisadores esclarecem que na pesquisa básica procura-se fornecer o conhecimento de como um sistema funciona, a partir do qual é possível alterar ou corrigir o que se julgar interessante ou necessário, possibilitando intervenções diversas.
O desenvolvimento do câncer
O número de células em um organismo adulto é mais ou menos constante e se mantém estável devido a processos de divisão e morte celular. A vida média dos diferentes tipos de células do corpo humano varia de alguns dias (como no caso de células do sangue) até anos (como as células do sistema nervoso central). O câncer é causado por defeitos no material genético que afetam a expressão (a quantidade) ou o funcionamento de genes envolvidos na regularização do crescimento e diferenciação celular.
As células cancerígenas apresentam três diferenças em relação às normais: não têm limitação no crescimento e divisão celular, não se diferenciam de acordo com os padrões de normalidade e não se comportam segundo um programa de morte celular. Certas células que acumulam mutações podem ter o crescimento acelerado e fora de controle. De outra forma, os genes supressores de tumor podem causar a perda das funções celulares e contribuir para o progressivo desenvolvimento tumoral.
Quando comparadas com as células normais, as cancerosas apresentam genes ou proteínas com expressão ou função alteradas, constituindo o que se denomina marcadores moleculares. Estes marcadores são detectados por biópsia seguida de análise do tecido tumoral ou localizados através de exames de fluidos biológicos como, por exemplo, no sangue.
Ademais, a seleção de marcadores específicos para um dado tipo de câncer pode permitir a classificação de pacientes em diferentes grupos de risco, de acordo com o grau de progressão da doença, permitindo a adequação, antes do início do tratamento, do nível de agressividade do regime terapêutico a ser adotado.
A leucemia
Leucemia é um termo que abrange um amplo espectro de doenças que se incluem entre as chamadas neoplasias hematológicas. Oriundo do grego leukos, branco, e aima, sangue, o termo é usado para nomear o câncer do sangue ou da medula óssea, que se caracterizam por uma proliferação anormal de células sanguíneas, geralmente leucócitos, que são as células brancas do sangue.
As stanniocalcinas constituem uma pequena família de hormônios encontrados em todos os vertebrados. A stanniocalcina-1 (STC1), o primeiro membro identificado, foi originalmente descoberta em peixes e posteriormente em humanos, nos quais, ao que parece, exerce papel na carcinogênese e na angiogênese. Do mesmo modo que em tumores sólidos, as células leucêmicas apresentam dependência da vascularização, tornando a angiogênese essencial para a progressão do câncer.
* Esta matéria foi publicada também no site:
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