Folha UOL em 22/08/2016
Viver em Marte não é um desafio tão grande, afinal -pelo menos se você for um micróbio duro na queda. Essa foi a principal descoberta de um inovador experimento astrobiológico brasileiro.
Em maio, pesquisadores liderados por Douglas Galante, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas, e Fábio Rodrigues, do Instituto de Química da USP, em São Paulo, levaram diversos micro-organismos para um longo passeio.
Elas foram lançadas numa sonda acoplada a um balão meteorológico, para tomar um banho de sol a 30 km da superfície, onde a maior parte da atmosfera terrestre já ficou para trás.
Lá, as condições não são muito diferentes das encontradas na superfície de Marte -frio intenso, ar extremamente rarefeito, baixíssima umidade e quantidades cavalares de radiação ultravioleta solar.
A pergunta a ser respondida era: pode algum micróbio terrestre não só sobreviver mas também proliferar nessas condições alienígenas?
A missão “quase espacial” ganhou o nome de Garatéa I, nome tupi-guarani cuja tradução seria algo como “busca vidas” -bem apropriado, considerando-se o objetivo de investigar as chances que a vida teria em ambientes hostis fora da Terra.
PROCEDIMENTO
Os pesquisadores prepararam amostras de diversos micro-organismos em dois pacotes iguais -um voaria a bordo do balão, lançado com o apoio do grupo Zenith, da Escola de Engenharia da USP de São Carlos (SP), e o outro ficaria em terra, como controle.
Depois de um voo livre de pouco menos de duas horas pelos arredores de São Carlos, realizado em 14 de maio, a sonda foi resgatada no solo. Os cientistas passaram então a comparar os micróbios que voaram e os que ficaram.
A análise quantitativa ficou prejudicada por uma falha técnica no sistema da sonda que colhia as informações ambientais. Ainda assim, o experimento produziu bons resultados qualitativos, pois contrastou amostras de criaturas e moléculas biológicas que fizeram jornadas bastante distintas.
Pelo ineditismo da proposta e o sucesso de sua execução, a missão ganhou segundo lugar num concurso internacional de experimentos científicos em balões, o Global Space Balloon Challenge. “Mostramos que o conceito de usar a estratosfera como ambiente análogo marciano funciona muito bem”, disse Galante. “Esperamos explorar cada vez mais essa possibilidade, já que é uma maneira relativamente barata e muito completa de testar a resposta de micro-organismos.”
Diversas espécies de micro-organismos foram levadas lá para cima, dentre elas o famoso extremófilo Deinococcus radiodurans -uma bactéria notória por sua alta resistência a doses agressivas de radiação de alta intensidade, como raios X e gama.
Os cientistas esperavam que ela fosse se mostrar a grande campeã de sobrevivência, como testes em laboratório sugeriam, mas na prática a teoria foi outra.
“Ela perdeu comparada com algumas leveduras que isolamos de um vulcão dos Andes, na borda do deserto do Atacama”, conta Galante. “A D. radiodurans perde quando temos UVB e A, a faixa do ultravioleta dita ambiental. Nesse caso, as leveduras mostraram uma sobrevivência mais alta. Com esse resultado, mostramos que um ambiente real pode mudar nossa interpretação de quem são os melhores modelos de vida na superfície de Marte ou outros ambientes irradiados por luz estelar.”
Como toda boa pesquisa, ela sempre traz novas perguntas a serem respondidas. No caso, a maior delas é: por que as leveduras se mostraram mais resistentes num ambiente natural? No momento, os cientistas não têm ideia.
Em paralelo, a ideia é realizar novos voos de balão, aprimorando ainda mais a plataforma de experimentos, que poderá ser usada também por outros grupos de pesquisa em colaborações com o pessoal do Zenith.
No lado tecnológico, esses experimentos são vistos como precursores de futuras missões espaciais, lançadas em cubesats -satélites miniaturizados de baixo custo, que devem se valer das tecnologias desenvolvidas para a sonda estratosférica.