Jornal da Unicamp, 11 de março de 2016 a 20 de março de 2016
Proteínas do sangue podem indicar o melhor caminho para a eficácia de drogas
O professor Daniel Martins de Souza, do Departamento de Biologia, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, é responsável pelo Laboratório de Neuroproteômica, em que se estudam doenças neuropsiquiátricas como a depressão e a esquizofrenia. O proteoma é o conjunto de proteínas produzidas pelo organismo. As linhas de pesquisas desenvolvidas no laboratório estão orientadas, então, para o estudo das ações das proteínas relacionadas às funções cerebrais. Elas decorrem das experiências de seis anos do pesquisador no Instituto Max Planck de Psiquiatria, em Munique, na Alemanha, no Instituto de Biotecnologia da Universidade de Cambridge, na Inglaterra e, finalmente na Universidade de Munique, onde iniciou um grupo de pesquisa como investigador júnior.
O grupo de pesquisa coordenado pelo docente dedica-se basicamente ao desvendamento de duas das principais doenças neuropsiquiátricas, a depressão e a esquizofrenia, e tem dois objetivos primordiais: 1) compreender o funcionamento dessas doenças a nível molecular, ou seja, descobrir as proteínas que lhe estão associadas e seus mecanismos de atuação; 2) localizar biomarcadores, que são moléculas produzidas pelo organismo e que possam estar relacionados com os estados físicos identificados como depressão ou esquizofrenia.
Atualmente para esses dois males não se conhecem ainda biomarcadores, ou seja, proteína ou grupos de proteínas que possam estar associados de alguma forma a essas anormalidades. Explicando melhor, não há possibilidade de, com um exame de sangue, determinar que indivíduos apresentem quadros de depressão ou esquizofrenia, porque não se conhecem ainda proteínas que permitam identificar essas doenças. Bem diferente do exame do PSA, um dos marcadores mais usados na medicina, que sinaliza para a possibilidade de câncer na próstata.
Em vista disso, o diagnóstico tanto para a depressão como para a esquizofrenia é realizado exclusivamente pelo psiquiatra, através de entrevistas e testes baseados em pontuação, o que sugere um razoável grau de subjetividade. Mesmo diante dessa subjetividade esses profissionais conseguem lidar bem com os diagnósticos. O problema vem depois: como tratar esses pacientes? Como fazer a escolha da medicação mais apropriada, na dosagem mais adequada?
A depressão está relacionada ao humor e se manifesta, em geral, através da tristeza, da supressão da vontade. A esquizofrenia leva a comportamentos psicóticos, como enxergar e ouvir coisas sem existência real. Em nenhum dos dois casos o psiquiatra dispõe de apoio molecular para indicar o melhor medicamento e a dose em que deve ser aplicado, e se vale de suas vivências e experiências profissionais, que envolvem tentativas e erros. Este quadro dá uma ideia da importância das pesquisas realizadas no Laboratório de Neuroproteômica do IB.
A depressão
A depressão afeta cerca de 10% da população mundial. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima, para 2020, que quase metade das pessoas que se aposentarem por invalidez o farão devido a ela. Além do aspecto humano, passa a preocupar as consequências econômicas, pois o tratamento é caro e os indivíduos, enquanto em estado de depressão, tornam-se totalmente improdutivos.
Mas há questões mais imediatas a serem resolvidas, segundo o pesquisador. Diagnosticada a doença e prescrito o tratamento o paciente retorna depois de cerca de seis semanas para ser avaliado pelo psiquiatra. Se o medicamento não surtiu o efeito desejado, o médico aumenta a dose ou muda a medicação. A reavaliação é feita então depois de mais algumas semanas. Essa situação pode se prologar até que o paciente acuse resposta ao tratamento. E aí ocorre um grande risco, pois cerca de 40% dos suicídios em escala mundial decorrem de estados depressivos. Então, enquanto a pessoa não responde à medicação, a chance dela cometer suicídio aumenta. Por isso, diz ele, “é imperativo que se descubram biomarcadores que, não só permitam um diagnóstico mais efetivo da doença, mas, principalmente, apontem quais são os medicamentos mais indicados para cada paciente e em que doses devem ser ministrados”.
Dentro desse foco, o estudo realizado no laboratório se detém na avaliação das proteínas que estão no sangue dos pacientes diagnosticados com depressão, antes do tratamento e seis semanas depois de ter sido iniciado. O sangue dos pacientes analisados pelo Laboratório de Neuroproteômica foi coletado nas clínicas psiquiátricas das Universidades de Magdeburg e Munique e no hospital psiquiátrico do Instituto Max Planck na Alemanha, grupos com os quais o laboratório mantém parceria.
Com base nas avaliações dos psiquiatras, depois de seis semanas do medicamento ministrado, os pesquisadores separam os pacientes em dois grupos: o dos que responderam à medicação e os dos resistentes a ela. Isso permite que, com base nas amostras coletadas antes da medicação, possam ser identificadas as proteínas presentes no sangue de quem não respondeu à medicação e ausentes no outro grupo, ou vice-versa.
“Em nossos estudos descobrimos que os pacientes que respondem mal à medicação têm na circulação maior quantidade de uma proteína chamada fibrinogênio. Os componentes dos dois grupos a têm, mas as pessoas resistentes à medicação a apresentem em maior quantidade”, diz Daniel. Ele explica que seguiu esse viés na pesquisa com base em um estudo, realizado na Noruega, em um universo de mais de 70 mil pessoas, que levou a associar altos níveis de fibrinogênio à depressão.
Geneticamente ficou constatado, então, que os portadores de depressão normalmente têm níveis mais elevados de fibrinogênio. Ele considera que o seu grupo de pesquisa conseguiu dar um passo a mais, mostrando na verdade que, quem responde mal à medicação tem mais fibrinogênio na circulação de quem responde bem. Essa constatação decorreu da análise de amostras colhidas em mais de cem pacientes.
Sobre a presença do fibrinogênio, o pesquisador destaca duas constatações. A primeira é a de que as pessoas com depressão têm um sistema inflamatório mais ativo, coerente com o fato de o fibrinogênio participar ativamente dos quadros inflamatórios. A segunda é que, nas pessoas com problemas circulatórios, a que é administrada aspirina, ocorre diminuição das quantidades das proteínas relacionadas à coagulação sanguínea, incluindo o fibrinogênio. Em decorrência, diz ele, “a hipótese com que estamos trabalhando é a de que, nos pacientes com depressão que respondem mal à medicação, se lhes for administrada aspirina, que aparentemente segrega o fibrinogênio, o problema possa ser resolvido. Teríamos então uma solução muito simples para a falta de resposta às medicações”. Trata-se de somente uma hipótese, ainda não testada clinicamente.
Na verdade, Daniel postula que o antidepressivo deve, de alguma forma, se ligar ao fibrinogênio, impedindo que a droga chegue ao cérebro ou o faça em quantidade insuficiente. Essa hipótese está sendo testada pelas alunas de pós-graduação Aline Santana, Verônica Saia-Cereda e Sheila Garcia. Se confirmada, o fibrinogênio poderia vir a ser então um marcador que aponta a eficácia da medicação. Ele explica que o emprego da aspirina seria uma forma de lidar com a quantidade alta de fibrinogênio por promover a retirada dessa proteína da circulação, permitindo a disponibilidade da medicação na corrente sanguínea. Portanto, o problema da atuação da droga pode estar na circulação, e não sua atuação no cérebro, onde teria sua chegada impedida ou diminuída. Esses estudos não têm ainda caráter clínico mas, por enquanto, estão sendo conduzidos através de modelos computacionais, que permitem especular sobre as possiblidades das interações moleculares aventadas, com a ajuda do pesquisador do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) Paulo Sérgio Lopes de Oliveira e seu aluno José Geraldo de Carvalho.
O docente esclarece que ainda se sabe muito pouco sobre os mecanismos que levam à depressão. Essa vertente também está sendo investigada no laboratório com base em uma coleção de amostras cerebrais coletadas pós-morte. No caso, são determinadas as proteínas presentes nesses cérebros comparando-as com as de pessoas sadias, procurando inferir daí o papel delas no metabolismo cerebral que pode levar à depressão.
Esquizofrenia
Em relação a ela as pesquisas do laboratório são bastante parecidas. São coletadas amostras de sangue dos pacientes para caracterização das proteínas antes da medicação e seis semanas depois de ministrada. Sabe-se que 66% dos indivíduos com esquizofrenia não responde à primeira rodada da droga utilizada. Daí a importância de descobrir um marcador que permita determinar com antecedência os pacientes resistentes ao tratamento.
As primeiras evidências dos estudos desse projeto mostram, através das análises de proteínas presentes na circulação, que os pacientes que respondem bem à medicação têm alterações nas quantidades de cerca de 15 proteínas responsáveis pela metabolização de outras proteínas. Pacientes que respondem mal, também têm alterações nestas mesmas proteínas, mas no sentido inverso. O objetivo da pesquisa é o de descobrir porque isso ocorre e a resposta pode levar à identificação de biomarcadores. Cabe agora quantificar se este sentido inverso na produção de proteínas já existia antes da medicação, o que será feito por sua aluna de doutorado, Sheila Garcia. Se isso se confirmar, o grupo terá em mãos um painel de biomarcadores que poderia identificar que pacientes vão responder bem às drogas psicotrópicas antes do tratamento começar.
Estabelecido o painel de biomarcadores, diz ele, ”partiremos para verificar sua especificidade para cada uma das três drogas que consideramos no estudo, o que nos permitirá definir qual delas deve ser ministrada em cada caso. É o que tentaremos descobrir. Estamos à procura do que chamamos de assinatura molecular, ou seja, da validação de que a presença de determinadas proteínas permite indicar o melhor remédio para cada pessoa”. Seguindo tendência atual, é o que se chama de medicina personalizada, pois hoje se sabe que as respostas às medicações são específicas para cada indivíduo.
Daniel lembra que a esquizofrenia pode atingir hoje cerca de 1% da população mundial, o que equivale a mais de 500 milhões de pessoas no mundo. Os trabalhos desenvolvidos no laboratório envolvem de 50 a 100 pessoas, um universo restrito e que constitui um fator limitante. “O nosso papel é mostrar dados e elementos, que conjuntamente com outros, possam vir a ser usados em trabalhos posteriores, que uma vez publicados sirvam de base para a elaboração de novos medicamentos”, diz ele.
Repercussão: Jornal Brasil