O Estado de S. Paulo em 10/01/2017
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), principal agência de fomento à pesquisa no país, começou 2017 com um orçamento reduzido e sem saber de onde (ou quando) virão os recursos necessários para o pagamento de suas bolsas.
Segundo a Lei Orçamentária Anual (LOA) aprovada em 15 de dezembro pelo Congresso Nacional, o orçamento total do CNPq para este ano é de R$ 1,67 bilhão, comparado a R$ 1,91 bilhão em 2016 — uma redução de 12% em valores absolutos, sem contar a inflação acumulada no ano, que foi da ordem de 7%. Descontados os gastos com pessoal e reserva de contingência, há um pequeno aumento de 2,6% (abaixo da inflação), segundo números fornecidos à reportagem pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
O orçamento apertado já era esperado pelos cientistas. A surpresa foi ver, após a aprovação da LOA, que R$ 1,1 bilhão dos recursos destinados ao pagamento de bolsas da agência foi colocado na chamada Fonte 900, o que significa que esses recursos não têm origem definida — são “recursos condicionados” à disponibilidade de verbas adicionais futuras; diferentemente da Fonte 100, que é vinculada ao Tesouro Nacional e tem alocação garantida. Ou seja, a princípio, não se sabe de onde virá esse dinheiro nem quando ele será liberado. Por enquanto, é um compromisso sem lastro financeiro — apenas político.
Isso representa 65% do orçamento total do CNPq e 88% do orçamento de bolsas (de R$ 1,25 bilhão) da agência. “É trágico; esse valor simboliza o fechamento do CNPq”, lamentou a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader.
“Foi uma surpresa, mas já sabemos que a fonte pode ser remanejada e que podemos contar com esses recursos”, disse ontem ao Estado o presidente do CNPq, Mario Neto Borges. “De qualquer forma, ainda aguardamos mais orientações sobre a execução dessa fonte para poder traçar estratégias.”
Perguntado sobre a redução orçamentária da agência para este ano, Borges preferiu ressaltar o esforço que foi feito para executar o orçamento de 2016 na íntegra e ainda quitar todos os restos a pagar de anos anteriores — o que resultou numa execução orçamentária de 137%. “Podemos esperar para 2017 os mesmos esforços e a mesma força de articulação junto ao MCTIC para a recomposição orçamentária do CNPq, como aconteceu no final de 2016.”
O ministro Gilberto Kassab disse também ontem ao Estado que “discordou veementemente” quando soube da mudança de fonte no orçamento, mas que já conversou com a equipe econômica do governo e que isso já é uma “questão superada”. “O Executivo tem um margem de remanejamento e o orçamento vai ser cumprido na íntegra. Estamos muito tranquilos com relação a isso”, afirmou o ministro, sem esclarecer de onde sairá o dinheiro.
ORGANIZAÇÕES SOCIAIS
As organizações sociais (OS) vinculadas ao MCTIC estão em situação semelhante à do CNPq. Quase 90% do orçamento destinado a elas foi colocado na Fonte 900: R$ 317 milhões, de um total de R$ 350 milhões.
As OS são entidades privadas, sem fins lucrativos, que são financiadas pelo poder público para prestar serviços de interesse da sociedade. O MCTIC possui contratos com seis delas, incluindo a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), responsável pela infraestrutura de internet que conecta as universidades e institutos de pesquisa públicos do país, e o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, que abriga os laboratórios nacionais de Luz Síncrotron (LNLS), Biociências (LNBio), Bioetanol (CTBE) e Nanotecnologia (LNNano).
“Não acreditamos que seja possível que essa medida não será revertida”, disse ao Estado o assessor de relações institucionais do CNPEM, Rui Albuquerque. A não disponibilização desses recursos, segundo ele, inviabilizaria completamente a operação dos quatro laboratórios nacionais, que têm mais de 500 funcionários e atendem a milhares de cientistas do Brasil e do exterior. Todo o orçamento operacional do centro, incluindo salários, vem do MCTIC. “Não trabalhamos com a hipótese de essa fonte não ser alterada”, frisou Albuquerque. “O ministério está bastante sensível a essa questão.”
Dois grandes projetos do CNPEM foram mantidos na Fonte 100: a construção da nova fonte nacional de luz síncrotron (Projeto Sirius, R$ 326 milhões) e a expansão das instalações do LNNano (R$ 15 milhões).
“OPERAÇÃO VERGONHOSA”
O orçamento do MCTIC disponível para investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação aumentou de R$ 4,8 bilhões em 2016 para R$ 6 bilhões neste ano, segundo os dados fornecidos à reportagem pela própria pasta — um aumento da ordem de 25%.
Desse total, cerca de R$ 1,7 bilhão (28%) foi colocado na Fonte 900. A mudança foi introduzida de última hora pelo Congresso, na votação do projeto orçamentário enviado ao parlamento pelo Executivo. A comunidade científica não foi consultada nem avisada, e demorou alguns dias para perceber a manobra. Em uma nota de protesto, publicada no dia 30 de dezembro, entidades ligadas à área de CTI classificaram o ato como uma “operação vergonhosa”, ressaltando que a Fonte 900 “poderá ser uma mera ficção”.
“Apesar do que afirma o governo, a transferência de recursos da pesquisa para a fonte 900 gerará impactos dramáticos no sistema educacional já em 2017, caso não seja imediatamente revertida, prejudicando milhares de pesquisadores em todo o país”, diz a nota, assinada pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e outras oito entidades da área acadêmica, governamental e empresarial (SBPC, Abipti, Anprotec, Anpei, Confies, Confap, Consecti e Fortec).
“Foi uma supresa para nós. É algo que não estava previsto e ninguém imaginava que poderia acontecer”, disse ao Estado o presidente da ABC, o físico Luiz Davidovich. “Não vamos aceitar isso, de jeito nenhum”, afirmou Nader, da SBPC.
“O governo pode dizer o que quiser, mas não há garantia de que esse dinheiro vai existir”, disse, na semana passada, o vice-presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento de Empresas Inovadoras (Anpei), Luiz Mello. Ele disse que ficou “incrédulo” ao ver a mudança de fonte, e que a sensação que fica é que falar em inovação no Brasil virou “propagando enganosa”. “O Brasil não vai parar, mas vai andar para trás”, concluiu, ressaltando que a inovação está na base do crescimento das empresas e dos países.
“No jogo político, o sequestro das verbas aprovado pelo Congresso Nacional nos parece uma forma não ortodoxa para garantir a aprovação da controversa Lei de Repatriação de Recursos (PL 2.617/2015), de onde supostamente viria a verba capaz de voltar a garantir o pagamento efetivo dos recursos colocados na fonte 900”, diz a nota das entidades.
Perguntado pela reportagem se esses recursos da Fonte 900 estariam mesmo atrelados ao projeto de repatriação, Kassab não respondeu. “O compromisso é que o orçamento será executado”, reiterou o ministro.
Algumas unidades do MCTIC tiveram aumento expressivo de orçamento, como a Agência Espacial Brasileira (AEB) e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).
No caso do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), foi concretizado um empréstimo de US$ 1,5 bilhão do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), para reforçar o caixa da Finep, voltado à inovação. Mais informações aqui, em reportagem de Giovana Girardi: Ciência começa ano com empréstimo de US$ 1,5 bi, mas orçamento condicionado.
Repercussão: Correio do Povo