Nanolei, em 14/12/2015
O Brasil é o maior produtor e exportador mundial de suco de laranja. Segundo o Ministério da Agricultura, o país é responsável por 30% da safra anual da fruta e por 60% da produção mundial de suco, da qual mais de 90% é exportada. Para avaliar a qualidade deste suco, um dos parâmetros é a concentração da substância chamada ácido ascórbico. Popularmente conhecido como Vitamina C, o ácido ascórbico está presente naturalmente numa enorme variedade de alimentos e ainda é usado amplamente como conservante em diversas aplicações industriais.
Assim, pesquisadores do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano), do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), e dos Institutos de Química da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCC) desenvolveram um método simples e rápido para a medição do conteúdo de ácido ascórbico em determinadas amostras por meio de um sensor feito a partir da deposição de nanopartículas de prata sobre um papel cromatográfico.
Vitamina C
O ácido ascórbico exerce um papel importante no metabolismo de animais e plantas e é produzido naturalmente pela grande maioria deles. No entanto, algumas espécies de peixes, morcegos e primatas – incluindo os seres humanos – não são capazes de produzi-lo e precisam adquirir essa vitamina a partir da alimentação.
Nos mamíferos, o ácido ascórbico é um componente importante para produção do colágeno, a principal proteína constituinte do tecido conjuntivo. A falta de ácido ascórbico leva à má formação desta proteína, o que provoca a doença chamada escorbuto, cujos sintomas incluem hemorragias nas gengivas, dores nas articulações e dificuldades de cicatrização.
Apesar de muito comum no passado, deficiências de vitamina C são cada vez mais raras, tanto pela maior disponibilidade de alimentos ricos nessa vitamina, quanto pela adição de ácido ascórbico como conservante em alimentos industrializados.
Além da indústria alimentícia, o ácido ascórbico também é usado como conservante nas indústrias farmacêutica, química e cosmética devido a suas propriedades antioxidantes. A determinação da concentração do ácido ascórbico é, assim, importante para o controle de qualidade destes produtos. No entanto, métodos comuns de aferição da quantidade de ácido ascórbico exigem sofisticado aparato experimental e ambiente laboratorial, grandes quantidades de reagentes e tempo para a execução dos experimentos, o que, muitas vezes, não é conveniente para as aplicações industriais.
Nanopartículas de Prata
Com foco na portabilidade e na redução de custos, os cientistas desenvolveram seu método a partir de um item bastante comum em laboratórios: o papel cromatográfico. Normalmente usado na separação de compostos químicos, aqui o papel é usado como suporte para um reagente colorimétrico, formando um sensor que muda de cor em contato com diferentes concentrações de uma substância.
Como reagente colorimétrico, os pesquisadores utilizaram nanopartículas de prata, obtidas a partir de nitrato de prata (AgNO3), e depositadas sobre uma região preparada no papel cromatográfico. A seguir, este sensor baseado em papel foi colocado em contato com soluções de diferentes concentrações de ácido ascórbico. Verificou-se que, ao entrar em contato com o ácido, a região contendo as nanopartículas não só muda de cor, como a mudança depende da concentração de ácido ascórbico nas soluções.
Figura: Resposta colorimétrica do sensor baseado em papel cromatográfico com nanopartículas de prata para concentração de ácido ascórbico variando entre 0 e 5 mmol.L-1 (milimols por litro). Quando maior a concentração de vitamina C, maior a mudança de cor no sensor.
Através da técnica de espalhamento de raios-x a baixos ângulos (SAXS) da linha de luz SAXS1 do LNLS, os pesquisadores puderam investigar o tamanho médio e a distribuição das nanopartículas, antes e depois da exposição ao ácido ascórbico. Verificou-se um aumento no tamanho médio das nanopartículas, o que indica que, ao entrar em contato com soluções contendo ácido ascórbico, as nanopartículas agiram como núcleos para a transformação dos íons de prata em prata metálica devido às propriedades antioxidantes do ácido. O aumento do tamanho das nanopartículas é o que modifica a cor do papel cromatográfico e o que permite desenvolver uma escala colorimétrica para a concentração de ácido ascórbico.
Segundo uma das autoras da pesquisa, Gabriela Furlan Giordano, a vantagem deste método começa na rapidez com que as análises são executadas: ”em trinta minutos nós conseguimos ter as respostas de oito amostras no colorímetro, que é um instrumento portátil e de baixo custo”, além de gerar menos resíduos devido ao menor uso de reagentes.
Por fim, os pesquisadores argumentam que o sensor baseado em papel é sensível e preciso para aplicações em amostras não-biológicas. Ainda, a portabilidade e manutenção da qualidade de medição por semanas, sob refrigeração e na ausência de luz, demonstra seu grande potencial para a aplicação em sensores comerciais.
A pesquisa foi desenvolvida com suporte da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Fonte: D.C.M. Ferreira, G.F. Giordano, C.C.S.P. Soares, J.F.A. de Oliveira, R.K. Mendes, M.H. Piazzetta, A.L. Gobbi, M.B. Cardoso, Optical paper-based sensor for ascorbic acid quantification using silver nanoparticles, Talanta 141 (2015) 188-194, doi:10.1016/j.talanta.2015.03.067.