Agência FAPESP, 5/abril 2018
Claudia Izique | Agência FAPESP – Sirius, a nova fonte de luz síncrotron, em construção em Campinas (SP), deverá iniciar operação em 2019. A partir de então, a ciência brasileira poderá contar com um poderoso equipamento de pesquisa, mundialmente competitivo, que promete mudar o patamar de investigação em áreas como saúde, energia, alimentos, meio ambiente, entre outras.
Mas, antes mesmo de concluído, Sirius já modificou o perfil tecnológico de empresas nacionais que se credenciaram como fornecedores de componentes. “Até o momento, 86% dos recursos do projeto foram investidos no país”, disse Antonio José Roque da Silva, diretor do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e diretor do projeto. Esses componentes não são exatamente “produtos de prateleira”, sublinha o diretor do LNLS.
Sirius é formado por um acelerador de elétrons com energia de 3 GeV (giga elétrons-volt) em formato de um anel, com circunferência de 518,4 metros, dentro do qual circulam elétrons em velocidade relativística, e em cujo redor estarão dispostas até 40 linhas de luz “iluminando” estações de pesquisa (saiba mais em www.lnls.cnpem.staging.wpengine.com).
A complexidade dessa máquina envolve um conjunto de tecnologias que exigem, na grande maioria das vezes, que os fornecedores desenvolvam componentes dentro de rígidos parâmetros especificados pela equipe de projeto do LNLS.
A WEG, em Jaraguá do Sul, Santa Catarina, por exemplo, já entregou metade dos mais de mil ímãs – dipolos, quadrupolos e sextupolos – que comporão a rede magnética de Sirius.
“Criamos uma equipe especial dedicada ao projeto que trabalha junto com pesquisadores do LNLS para validar esses componentes. Temos, inclusive, uma máquina de medição de coordenadas igual à do LNLS, calibrada na mesma temperatura”, disse Luis Tiefensee, diretor superintendente da WEG Motores.
De acordo com Tiefensee, a empresa aceitou o desafio levando em conta a oportunidade de “validar a sua robustez tecnológica e científica e de qualificar a equipe”.
“Toda máquina elétrica que fabricamos tem um núcleo magnético. Mas produzir componentes para Sirius exige ainda mais precisão: a tolerância é menor do que 2 micrômetros. Além disso, por conta das propriedades elétricas e magnéticas dos ímãs, não dá para utilizar usinagem. Tivemos que fazer com chapa estampada”, disse.
A WEG foi das primeiras a se credenciar, antes mesmo de o LNLS acatar recomendação do seu Machine Advisory Committee (MAC) – formado por especialistas de renome mundial – e rever os parâmetros da máquina e a configuração da rede magnética para reduzir a emitância natural de 1,7 para 0,24 nm.rad (nanômetro radiano, medida da focalização do feixe de elétrons), lembra José Roque. Essas mudanças, aliás, posicionaram Sirius entre os síncrotrons de maior brilho em todo o mundo em sua faixa de energia.
Redefinido o projeto, teve início, em 2013, o processo de seleção de fornecedores para outros componentes de Sirius. A equipe do LNLS, responsável pelo projeto, estruturou uma agenda dos desafios tecnológicos e identificou um conjunto de empresas brasileiras de pequeno, médio e grande portes habilitadas a participar do processo de seleção.
As empresas interessadas deveriam apresentar protótipos para 13 desafios que envolviam desde a fabricação de câmaras de ultra-alto vácuo (UHV) até o desenvolvimento de sensores capazes de detectar variações de nível e inclinação em relação à vertical dentro de intervalos determinados. “Os protótipos têm que ser validados pela equipe do LNLS antes da contratação”, sublinha o diretor do LNLS.
Editais PIPE/PAPPE
Para apoiar o desenvolvimento industrial dos componentes elencados pelo LNLS por empresas do Estado de São Paulo, a FAPESP e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) lançaram duas chamadas de propostas para Sirius, em 2014 e em 2015, no âmbito do Programa PIPE/PAPPE Subvenção, cada uma delas no valor de R$ 20 milhões. Foram selecionados, no âmbito das duas chamadas, 23 projetos apresentados por 18 empresas.
“Com os editais FAPESP-Finep-Sirius foi possível estimular pequenas empresas de base tecnológica em São Paulo para desenvolverem tecnologias avançadas de classe mundial. A receptividade da liderança do projeto Sirius a essa ideia apresentada pela FAPESP foi excelente, demonstrando como um grande projeto científico e tecnológico nacional pode ter também a função de impulsionar a criação local de tecnologias necessárias a seu próprio desenvolvimento”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP.
A Engecer, em São Carlos, foi uma delas. A empresa fabrica cerâmicas especiais de alto conteúdo tecnológico (alumina e zircônia) e polidores para superfícies duras (óxido de cério e alumínio) para clientes industriais.
“O desafio foi desenvolver cerâmicas covalentes, a partir de nitreto de boro e nitreto de alumínio, e por prensagem a quente, tecnologia que não estava no portfólio da empresa”, disse Marcos Gonçalves, diretor da Engecer. As cerâmicas covalentes serão utilizadas nos sensores de posicionamento de órbita dos elétrons, denominados BPM (Beam Position Monitor).
A tecnologia foi desenvolvida pela equipe interna de pesquisa e desenvolvimento da Engecer em parceria com pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Os protótipos estão no LNLS para teste térmico e mecânico.
“Estamos agora discutindo com o LNLS a fabricação de componentes cerâmicos utilizando técnica de manufatura aditiva com uso de laser para utilização em cerâmica térmica. É pesquisa e desenvolvimento de fronteira”, disse Gonçalves.
A fabricação de bancada de testes automáticos para os BPMs está a cargo da Atmos, em São Paulo. “Temos um contrato com o LNLS para testar centenas de placas e módulos do BPM e montar 22 gabinetes onde estarão distribuídos esses equipamentos”, contou Fábio Haruo Fukuda, diretor da Atmos.
Empresa de eletrônica especializada em radares, a Atmos viu nos desafios Sirius uma oportunidade para desenvolver tecnologia com múltiplas aplicações. “Essas bancadas poderão ser utilizadas em muitos outros tipos de equipamento, incluindo radiofrequência”, disse Fukuda.
Outra empresa selecionada pelo edital PIPE/PAPPE para o desenvolvimento de Sirius foi a FCA Brasil, em Campinas, que fornecerá componentes para os sistemas de ultra-alto vácuo. “Já fornecíamos câmara de vácuo para o LNLS. Com Sirius, fomos motivados a entregar câmaras de ultra-alto vácuo em inox, prontas para uso, o que, para a empresa, significou um salto tecnológico grande”, disse Fernando Arroyo, sócio da FCA.
Com recursos do PIPE/PAPPE a FCA adquiriu equipamentos, implantou laboratório de tecnologia de vácuo e contratou físicos e engenheiros. “Antes, tudo o que fazíamos era baseado na prática; agora passou a ser teórico”, resumiu Arroyo. A empresa já entregou 200 câmaras e outras 200 estão em produção.
Selo Sirius
Mais do que um negócio, o fornecimento de componentes para Sirius é um investimento para o futuro, já que abre novas perspectivas de mercado para essas empresas. “Foi um ganho inesperado: Sirius se tornou um selo de qualidade”, disse o diretor do LNLS.
Tiefensee, da WEG, ressalta que “se houver outros projetos, em qualquer parte do mundo, somos candidatos. Quando a empresa se capacita e tem competência para fazer um projeto como esse, abre portas na indústria de alta tecnologia como a de petróleo ou a de papel”.
Para a Atmos, a capacitação conferida pelo fornecimento a Sirius trará oportunidade de negócios na área de equipamento de teste para sistemas de anéis síncrotron. “Dois engenheiros que participaram do projeto Sirius estão atualmente na Suécia, num programa de absorção de tecnologia para o desenvolvimento de bancadas de testes automáticas para itens de radiofrequência para o futuro avião de caça brasileiro”, disse Fukuda.
Sirius é, atualmente, o único cliente da FCA. “Não dá para atender outros. Temos demanda até 2019. Mas há grandes chances de disputarmos fornecimento ao MAX IV, o novo síncrotron sueco. Neste ano vamos investir nessa aproximação”, disse Arroyo. Ele aposta ainda em novas oportunidades no mercado nacional. “A indústria de pneus, por exemplo, tem vários sistemas acionados por vácuo.”
O domínio da tecnologia de produção de componentes em alumínio e zircônio colocou a Engecer no mercado norte-americano. “Há um protótipo em fase de teste que poderá ser continuado. Somos os únicos fabricantes de cerâmica à base de zircônio e seremos os únicos fabricantes de cerâmicas covalentes”, disse Gonçalves. Os clientes potenciais estão na indústria de petróleo e espacial. “A concorrência é global”, disse.
Repercussão: São Paulo SP;