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Obtida de matéria-prima renovável abundante no Brasil, a celulose fibrilada já vem sendo desenvolvida no País e pode gerar tecnologias tanto de baixo custo como de alto valor agregado
A jornada rumo a um planeta sustentável segue em curso. Pesquisadores se debruçam sobre materiais de origem renovável capazes de apresentar soluções econômicas para substituição de derivados do petróleo como os plásticos. A ideia por trás dessas pesquisas, em linhas gerais, é obter novos “blocos de construção” de origem renovável e que a partir desses blocos seja possível fabricar novos produtos funcionalmente atrativos, economicamente viáveis e ambientalmente corretos. É nesse contexto que entra em jogo o biopolímero conhecido como celulose fibrilada ou nanofibrilas.
Na sessão que reúne artigos que apontam tendências de futuro, a revista Nature reuniu pesquisadores da América do Norte, Europa, Japão e do Brasil – representado pelo Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), organização social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) – para discutir o papel da celulose fibrilada como uma das soluções para o desenvolvimento de novos biomateriais sustentáveis. Principal constituinte de árvores, resíduos agrícolas e outros tipos de biomassa vegetal, a celulose é abundante, tem baixo custo e apresenta propriedades mecânicas, ópticas, térmicas e fluídicas ajustáveis para o desenvolvimento de uma nova classe de materiais sustentáveis.
“Entendemos a celulose fibrilada como um bloco de construção, uma peça de Lego. A celulose fibrilada pode ser obtida com diversas características e pode ser usada como plataforma para novos materiais. Suas propriedades são atrativas e podem ser ajustadas para cada aplicação”, aponta Carlos Driemeier, pesquisador do CNPEM e um dos autores do artigo.
Driemeier explica que a síntese da celulose é feita pela própria natureza. “As plantas sintetizam as fibrilas de celulose para construir sua própria estrutura: troncos, galhos, folhas e demais partes da planta. O desafio está no processamento industrial dessa biomassa para isolar as fibrilas de celulose, ajustar suas propriedades e reordenar a estrutura do material para a aplicação e a funcionalidade desejadas”, avalia ao apontar um dos desafios da adoção da celulose fibrilada.
Superando desafios do desenvolvimento sustentável
Por se tratar de um artigo de perspectivas que aponta caminhos para futuras pesquisas, o trabalho discute os próximos desafios para essa classe de biomateriais. O texto destaca a importância de se considerar os indicadores de sustentabilidade do processo industrial face ao consumo de insumos químicos, água e energia. Melhorias nesses indicadores geram ganhos ambientais e econômicos, reduzindo custos e abrindo o caminho para novos mercados e aplicações.
No CNPEM, avaliações de sustentabilidade de biomassa para a geração de produtos de valor agregado são conduzidas por grupos de pesquisa dedicados a análises de ciclo de vida e de viabilidade econômica. Esses grupos investigam todas as etapas que compõem a cadeia produtiva e oferecem análises detalhadas para mensurar a viabilidade de tecnologias disruptivas, como as reportadas no artigo da Nature.
A agenda do Centro inclui ainda pesquisa e desenvolvimento de novos biocatalisadores, que vão desde hidrolases até enzimas oxidativas, combinando métodos computacionais avançados e aceleradores como o Sirius. Recentemente, o CNPEM depositou patente sobre um biocatalisador enzimático que favorece a reciclagem de plásticos. Foram depositadas também outras duas patentes de uma plataforma microbiana que produz principalmente glucanases, xilanases e enzimas oxidativas. A plataforma facilita a nanofibrilação da celulose reduzindo etapas mecânicas do processo e resultam em uma celulose fibrilada mais uniforme, sustentável e com propriedades físico-químicas otimizadas.
Investigações em nível nanométrico
Explorar a grande versatilidade da celulose em escala nanométrica também é um dos desafios encarados pelo CNPEM. Nos últimos anos, o Centro tem obtido importantes avanços no desenvolvimento de metodologias para o condicionamento da biomassa e extração de materiais de interesse, como por exemplo, celulose fibrilada extraída de bagaço de cana-de-açúcar, que é o principal resíduo agrícola no Brasil.
Além do isolamento das fibrilas a partir de diferentes biomassas, as pesquisadoras responsáveis por essas pesquisas já depositaram algumas patentes de materiais que combinam e funcionalizam as nanofibrilas com outros componentes, formando compósitos e híbridos, adesivos, emulsões e dispositivos flexíveis.
Este é o caso, por exemplo, de uma espuma para absorção de óleos e solventes em ambientes aquáticos. O processo desenvolvido no Laboratório chama atenção ao combinar fibrilas de celulose com látex de borracha natural e utilizar água como solvente, sem a necessidade de incluir outros produtos derivados do petróleo. Outro exemplo é o uso de nanofibrilas de bagaço de cana-de-açúcar para aumentar a viscosidade de formulações à base de água, como cosméticos. As nanofibrilas conseguem conferir alta viscosidade em baixa concentração, comparada com as utilizadas em formulações com derivados de petróleo.
Exemplos como esses demonstram algumas das possibilidades da valorização de matérias-primas abundantes no Brasil, gerando novas tecnologias tanto de baixo custo como de alto valor agregado.
Novas oportunidades com o Sirius
As pesquisas em celulose fibrilada no País em breve ganharão um grande aliado: o Sirius. Algumas técnicas experimentais disponíveis na nova fonte de luz síncrotron brasileira serão especialmente importantes para investigação desses materiais em multiescala, ou seja, desde alguns milímetros até a escala de poucos nanômetros. “Isso é um diferencial, já que o material que estudamos é multiescala por natureza, tanto a biomassa bruta quanto os novos materiais produzidos a partir das fibrilas de celulose”, destaca Driemeier.
O Sirius pode ajudar nos estudos desde a fase de obtenção das nanofibras até a sua reconstrução em materiais funcionais. Na estação de pesquisa Mogno será possível produzir imagens por tomografia dos tecidos vegetais e acompanhar processos que ocorrem em frações de segundo, como explica Nathaly Archilha, pesquisadora do CNPEM que coordena a construção da linha Mogno: “É possível também criar um ambiente especial de amostra para submetê-la a condições desejadas de temperatura, pressão ou corrente elétrica, por exemplo”.
Para a pesquisa de Juliana Bernardes, por exemplo, será possível fazer tomografia em escala nanométrica para acompanhar o processo de retirada da lignina. “Até hoje pudemos observar com tomografia até 500 nanômetros, mas gostaríamos de ir pra uma escala menor e ver essas diferenças”, explica Juliana. A Mogno permitirá observar estruturas até cinco vezes menores, de 100 nanômetros. Uma das possibilidades nessa nova escala é localizar, por exemplo, a água nessas estruturas, a fim de otimizar processos de retirada ou de reutilização de água.
Ainda para investigações em nanocelulose fibrilada, será possível usar o feixe de luz nanométrico, disponível nas estações de pesquisa Carnaúba e Cateretê, para verificar a orientação e agregação das fibrilas, buscando a produção de um material mais robusto ou com propriedades desejadas. “Usando o nanofeixe da linha Carnaúba, é possível fazer tanto difração quanto fluorescência de raio-X, que podem ser complementares no estudo deste material, em escala nanométrica”, destaca Douglas Galante, pesquisador do CNPEM e líder do grupo Carnaúba.
Sobre o CNPEM
O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) é uma organização social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Localizado em Campinas-SP, gerencia quatro Laboratórios Nacionais – referências mundiais e abertos às comunidades científica e empresarial. O Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) está, nesse momento, finalizando a montagem do Sirius, o novo acelerador de elétrons brasileiro; o Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) atua na área de biotecnologia com foco na descoberta e desenvolvimento de novos fármacos; o Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR) pesquisa soluções biotecnológicas para o desenvolvimento sustentável de biocombustíveis avançados, bioquímicos e biomateriais, empregando a biomassa e a biodiversidade brasileira; e o Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) realiza pesquisas científicas e desenvolvimentos tecnológicos em busca de soluções baseadas em nanotecnologia. Os quatro Laboratórios têm, ainda, projetos próprios de pesquisa e participam da agenda transversal de investigação coordenada pelo CNPEM, que articula instalações e competências científicas em torno de temas estratégicos.
Sobre o Sirius
Sirius é um grande equipamento científico, desenvolvido no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), organização social do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Sirius é composto por três aceleradores de elétrons, que têm como função gerar um tipo especial de luz: a luz síncrotron. Essa luz de altíssimo brilho é capaz de revelar estruturas, em alta resolução, dos mais variados materiais orgânicos e inorgânicos, como proteínas, vírus, rochas, plantas, ligas metálicas e outros. Esta luz, emitida em um feixe extremamente brilhante e concentrado, permite a realização de pesquisas científicas nas mais variadas áreas do conhecimento, com aplicações em campos, como saúde e medicamentos, exploração de petróleo, bioquímica, energia, nanotecnologia, agricultura, paleontologia, entre muitos outros.
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