Jornal da Ciência, em 17/09/2014
Grupo interdisciplinar do LNNano utiliza nanomembranas para criar elementos para armazenagem de energia ultracompactos, “on a chip”
Um grupo de pesquisa do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) vem trabalhando com a aplicação de nanomembranas para a criação de sistemas autônomos de monitoramento e detecção. O laboratório de pesquisa em Dispositivos e Sistemas Funcionais (DSF/LNNano) conta com cerca de 10 pessoas, entre pesquisadores e bolsistas de graduação e pós-graduação, cujo objetivo é estudar processos de fabricação de dispositivos micro e nanoestruturados que sejam amigáveis e compatíveis com processos industriais.
Cada vez mais o setor industrial busca soluções para a miniaturização de componentes e sistemas que possam realizar, dentre outras funções, o monitoramento, análise de concentrações e detecção de substâncias específicas em locais e ambientes distintos de forma autônoma. A grande vantagem de um sistema desses é a quase inexistente manutenção, uma vez que o dispositivo possui todas as condições para operar livremente: captação de energia, armazenamento, processamento de dados e sensoriamento. Em muitos casos tais elementos podem ser inclusive descartáveis.
Por definição, são considerados sistemas autônomos aqueles com dimensão menor ou igual a 1 cm³. Mesmo com essa convenção, a definição de um sistema como esse não se limita ao tamanho do mesmo. Os dispositivos que o compõem podem ser produzidos com materiais de baixo custo e descartáveis, que realizam funções bastante específicas. Alguns exemplos emblemáticos são dispositivos para detectar a presença de gases em águas profundas e poços de petróleo; o monitoramento da concentração de CO2 em florestas; sensores de movimento autônomos tanto em edificações como em regiões remotas; implantes médicos, entre outros. Esses sistemas podem atender basicamente qualquer área onde haja a necessidade de um monitoramento preventivo e/ou remoto.
Um artigo* do coordenador do DSF/LNNano, Carlos César Bof Bufon, em colaboração com um grupo de pesquisa do Institute for Integrative Nanosciences (IIN/IFW-Dresden), na Alemanha, foi capa do periódico Advanced Energy Materials em junho deste ano. O trabalho mostra a viabilidade do uso de nanomembranas para gerar armazenadores de energia auto-organizados, com o tamanho de alguns micrômetros. Trabalhando com nanomembranas desde 2007, Bufon demonstrou nesse último trabalho a viabilidade da produção de tais elementos em larga escala utilizando métodos e processos compatíveis com os utilizados pela indústria.
Através da combinação de métodos convencionais para fabricação de dispositivos eletrônicos, com a engenharia de tensão/deformação de filmes nanoestruturados, vários elementos para armazenamento de energia podem ser preparados. O mesmo mecanismo utilizado para a manufatura de capacitores ultracompactos pode ser aplicado na preparação de outros componentes tais como micro-bobinas, transistores, sensores e elementos microfluídicos. “Esses dispositivos utilizam-se da auto-organização para tornarem-se compactos. O formato tubular típico obtido através deste método, representa uma vantagem, pois elementos que normalmente ocupam uma área superficial extensa podem ser reduzidos a um micro-tubo com dimensões laterais duas ordens de grandeza menores. O enrolamento pode substituir em muitos casos os processos de empilhamento de dispositivos.”, explica Bufon.
A utilização de nanomembranas possibilita a agregação de novas funcionalidades em uma variedade de dispositivos, uma vez que a combinação de sistemas orgânicos e inorgânicos também é possível. Em 2010, o pesquisador utilizou as nanomembranas para controlar as propriedades elétricas de um capacitor híbrido**, incorporando uma camada auto-organizada de moléculas orgânicas sobre uma camada de oxido. O trabalho mais recente, por sua vez, teve foco nos processos, demonstrando que esse desenvolvimento é competitivo industrialmente e que possui alguns critérios que são relevantes para a fabricação comercial dos dispositivos, como a reprodutibilidade e controle da variação de geometria e composição da camada dielétrica.
Criado há dois anos, o grupo de pesquisa do LNNano tenta trazer cada vez mais as pesquisas com nanomembranas para a realidade das empresas. No DSF/LNNano é possível realizar toda a parte de microfabricação dos sistemas e caracterização elétrica dos mesmos. Além disso, o grupo está próximo a toda a infraestrutura de pesquisa aberta a uso externo do LNNano, que inclui microscópios eletrônicos e de tunelamento de força atômica, espectrômetro de fotoelétrons, dentre outros equipamentos. “Como essa tecnologia utiliza auto-organização, é necessário que o pesquisador tenha controle dos parâmetros envolvidos nos processos de manufatura de forma muito cuidadosa. Por exemplo, o controle das tensões mecânicas do material, que é responsável pelos auto-enrolamento, torna-se um parâmetro critico quando a reprodutibilidade e densidade de defeitos são importantes. Além disso, é necessário um nível mínimo de limpeza, a fim de evitar tais defeitos”, pontua o Dr. Bufon. As novas instalações do LNNano, que devem ser entregues no final de setembro de 2014, permitirão ao grupo utilizar cerca de 90% das ferramentas e processos compatíveis com os da indústria.
Com forte apelo interdisciplinar, o grupo tem espaço para projetos em Química, Física, Engenharia, entre outros, envolvendo parcerias com empresas e também projetos de estudantes de graduação e de pós-graduação nessas áreas.
* Sharma, R.; Bufon, C.C.B.; Grimm, D.; Sommer, R.; Wollatz, A.; Schadewald, J.; Thurmer, D.J.; Siles, P.F.; Bauer, M.; Schmidt, O.G. “Large-area Rolled-up nanomembrane capacitor arrays for electrostatic energy storage”. Advanced Energy Materials, 4(9), 2014. DOI: 10.1002/aenm.201301631
** Bufon, C.C.B.; Gonzalez, J.D.C.; Thurmer, D.J.; Grimm, D.; Bauer, M.; Schmidt, O.G. “Self-Assembled Ultra-Compact Energy Storage Elements Based on Hybrid Nanomembranes”. Nano Letters, 10, 2506-2510, 2010. DOI: 10.1021/nl1010367
Sobre o LNNano
O Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) está localizado em Campinas-SP e é integrante do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), uma organização social qualificada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O Laboratório, aberto a usuários, busca, por meio de pesquisa in house, explorar oportunidades oferecidas pela nanotecnologia para atender às necessidades da agricultura, indústria e serviços, em âmbito regional, nacional e internacional. O Laboratório atua, também, na criação e desenvolvimento de produtos e processos sustentáveis, através de seus cinco laboratórios: Laboratório de Microscopia Eletrônica, de Microfabricação, de Ciência de Superfícies, de Materiais Nanoestruturados e de Caracterização e Processamento de Metais.
Sobre o CNPEM
O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) é uma organização social qualificada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Localizado em Campinas-SP, possui quatro laboratórios referências mundiais e abertos à comunidade científica e empresarial. O Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) opera a única fonte de luz Síncrotron da América Latina e está, nesse momento, construindo Sirius, o novo acelerador brasileiro, de terceira geração, para análise dos mais diversos tipos de materiais, orgânicos e inorgânicos; o Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) desenvolve pesquisas em áreas de fronteira da Biociência, com foco em biotecnologia e fármacos; o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia de Bioetanol (CTBE) investiga novas tecnologias para a produção de etanol celulósico; e o Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) realiza pesquisas com materiais avançados, com grande potencial econômico para o país.
Os quatro Laboratórios têm, ainda, projetos próprios de pesquisa e participam da agenda transversal de investigação coordenada pelo CNPEM, que articula instalações e competências científicas em torno de temas estratégicos.
(Ascom do CNPEM)