Revista Safra em 08/06/2015
Lauro Veiga Filho*
A produção de etanol celulósico, também conhecido como etanol de segunda geração (2G), obtido principalmente a partir do processamento do bagaço e da palha de cana, entre outras fontes de matéria-prima celulósica e resíduos da produção agrícola, inaugura agora nova etapa no País, com a entrada em operação de três plantas em escala comercial e de uma quarta unidade de demonstração desenvolvida pelo Centro de Tecnologia Canavieira (CTC). Esses projetos deverão assegurar uma capacidade instalada muito próxima a 190 milhões, talvez 200 milhões de litros por safra, a partir do início de 2017, aproximando-se rapidamente do potencial estimado para os Estados Unidos, um dos primeiros países a investir fortemente nas pesquisas sobre o etanol 2G desde o começo dos anos 2000.
A consolidação do etanol 2G no Brasil, no entanto, ainda dependerá de esforços privados e do setor público para a construção do ambiente necessário para estimular investimentos em tecnologia e em novas plantas, o aperfeiçoamento de processos e a difusão de novas variedades, mais produtivas, a exemplo da chamada “cana energia”, com maior teor de celulose, o desenvolvimento de “pacotes” enzimáticos mais baratos e produzidos localmente, trazendo a redução de custos de capital e de produção. Essa tendência de barateamento deverá ser incrementada pelos ganhos de escala que surgirão com o próprio avanço da produção, especialmente em sistemas integrados envolvendo usinas convencionais e as novas plantas, e a aceleração da curva de aprendizado no uso das técnicas para a produção comercial do etanol de segunda geração.
O avanço observado recentemente e as possibilidades já antevistas para os próximos anos sugerem a possibilidade de uma verdadeira “revolução” na indústria de cana-de-açúcar no Brasil, com ganhos ambientais e econômicos que ajudarão a reduzir substancialmente emissões de gases do efeito estufa e poupar bilhões de dólares com a menor necessidade de importação de gasolina nas próximas décadas. “O setor sucroenergético precisa retomar sua capacidade de ganhar produtividade de forma mais intensa. O etanol 2G e cana energia abrem a oportunidade de mudar o paradigma tecnológico nesta área e de recolocar o setor no caminho desejado”, afirma Artur Yabe Milanez, gerente do Departamento de Biocombustíveis do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O BNDES começou a se envolver nos estudos em torno da segunda geração do etanol a parir de 2010, quando levantou o cenário das iniciativas e pesquisas desenvolvidas sobre o assunto ao redor do planeta. Havia investimentos pesados nos Estados Unidos, na União Europeia, com destaque para a Itália, e ainda na China. Em parte, esses investimentos já haviam sido iniciados no começo da década passada, a exemplo dos EUA, que inaugurou duas usinas e se prepara para colocar em funcionamento uma terceira, da gigante Dupont, ainda neste ano, o que elevará sua capacidade de produção de etanol 2G para 305 milhões de litros por ano.
A Itália e a China operam uma usina cada um, com capacidade, respectivamente, para 80 milhões e 65 milhões de litros. Por aqui, os esforços de pesquisa e desenvolvimento do etanol celulósico eram difusos, descoordenados e sem fôlego até o final da última década, descreve o trabalho De promessa a realidade: como o etanol celulósico pode revolucionar a indústria da cana-de-açúcar – uma avaliação do potencial competitivo e sugestões de política pública, realizado por especialistas do próprio BNDES, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e divulgado em abril passado.
O cenário começou a mudar, aqui dentro, com o lançamento, em 2011, do Plano Conjunto BNDES-Finep de Apoio à Inovação Tecnológica Industrial dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico (PAISS). “Com a oferta de financiamento a baixo custo e de recursos não reembolsáveis, o plano buscou fomentar novas e coordenadas iniciativas empresariais de P&D em temas específicos relacionados à conversão da biomassa da cana-de-açúcar em etanol 2G e outros produtos”, detalha o trabalho.
A carteira de empréstimos do PAISS saltou de apenas R$ 100 milhões, em seu início, para R$ 3,0 bilhões atualmente, de acordo com Yabe. “Houve uma resposta muito rápida e muito positiva da indústria, que colocou em operação duas plantas comerciais, dos grupos Granbio e Raízen, e uma unidade experimental, do CTC”, afirma ele. Uma terceira planta comercial está a caminho, num investimento da Abengoa Bioenergia Agroindústria. Aprovada no final de 2014, de acordo com Yabe, a usina entrou em construção neste ano e deverá ser comissionada em 2016, iniciando sua opção possivelmente no começo da safra de 2017. Até 2011, relembra Yabe, apenas duas plantas pilotos – uma do CTC e outra do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobras (Cenpes) – estavam em operação, “o que reforça a velocidade da evolução ocorrida desde lá. O Brasil entrou mais tarde nessa corrida e hoje alcança nível muito próximo daquele observado nos EUA”.
*Colaboração para a Revista Safra
A íntegra da reportagem está disponível na edição de junho da Safra, a partir da página 14.
Repercussão: Sigma Agro