novaCana, em 01/03/2016
O ano de 2016 deveria ser um marco para a indústria de etanol celulósico no Brasil. Quando as primeiras usinas começaram a ser construídas no País, alguns anos atrás, vivia-se um momento de euforia em torno do biocombustível.
As expectativas eram enormes: Granbio com duas usinas até esse ano, Raízen projetando bilhões em investimentos para ampliar a produção de 2G, Odebrecht operando até o fim do ano e Abengoa também entrando na disputa. Até os Estados Unidos acreditavam no nosso potencial, com a USDA prevendo cinco usinas em funcionamento até 2016. O resultado? Nenhuma das visões foi concretizada.
Além disso, outras questões assombram o setor: não se sabe se há produção mínima saindo das duas usinas brasileiras (as empresas fazem silêncio sobre estes números), faltam políticas públicas para fomentar a indústria e especialistas sobre o assunto acreditam que os problemas vão muito além pré-tratamento, principal argumento das indústrias para explicar o lento avanço do 2G nacional.
Ainda distantes da escala comercial, apenas Granbio, em Alagoas, e Raízen, em São Paulo, têm usinas de etanol celulósico em funcionamento no Brasil.
Ambas dizem que o principal entrave é o pré-tratamento mas falam em bons resultados nas partes de hidrólise e fermentação. No entanto, para os especialistas do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), a verdade é um pouco mais complicada. O pré- tratamento é a primeira fase do processo, assim sendo, se há um problema, não é possível saber se as outras fases funcionam adequadamente, visto que não podem ser testadas em sua totalidade, criando uma situação muito mais preocupante do que a apresentada pelas empresas até agora.
O lento desenvolvimento em virtude dessas complicações e da falta de força política fez com que a Novozymes, principal fornecedora de enzimas para as usinas, adiasse suas perspectivas para o setor sem marcar uma nova data para os acontecimentos. A ideia era fornecer para 15 fábricas até 2017. Agora, a companhia já não acredita ter esse número de empreendimentos funcionando mesmo depois de 2020. Um relatório da empresa aponta que das sete plantas em operação no mundo, nenhuma atingiu as metas de produção.
A Novozymes alega que é necessária forte presença política para fomentar a indústria do etanol celulósico e afirmou que vai focar seus esforços nas usinas pioneiras para que alcancem seus resultados e demonstrem a viabilidade do biocombustível.
Tal apoio demonstra confiança no setor, mas também evidencia que os agentes governamentais pouco têm se movimentado para alavancar a tecnologia. No Brasil, por exemplo, o BNDES é a única instituição do governo que se dedica para o desenvolvimento do 2G. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) contribuiu com um estudo sobre políticas públicas (/n/etanol/2-geracao- celulose/ministerio-politicas-etanol-celulosico-competitivo-curto-prazo- 140415/), mas as ideias levantadas permanecem arquivadas, sem movimentação alguma.
O Paiss, do BNDES, em 2011, permitiu financiar as primeiras plantas nacionais e projetos como o CTBE. Mais recentemente, o banco incluiu no Funtec, linha de financiamento para pesquisa e desenvolvimento, o pré-tratamento nas usinas, demonstrando que há preocupação e iniciativa em solucionar as dificuldades. Mas fica evidente que o banco está isolado na sua tentativa de destravar a situação crítica que vive o E2G no Brasil.
Problemas maiores
A questão do pré-tratamento (/n/etanol/2-geracao-celulose/granbio-ano- evolucao-primeira-usina-etanol-celulosico-brasil-101115/) já havia sido evidenciada em reportagens anteriores, porém, o portal novaCana descobriu que os problemas são ainda maiores. Diz muito sobre o tamanho das dificuldades o fato da Novozymes, que até janeiro deste ano acreditava que 2020 seria o ano da virada, já não saber mais quando o etanol celulósico vai entrar em uma nova fase.
É importante compreender o processo em perspectiva: as fases seguintes receberam tarefas menores porque há grandes problemas na etapa anterior. Dessa maneira, não há como avaliar a produção como um todo porque o processo não é realizado de maneira completa. Ou seja, a realidade do 2G ainda está longe do que se espera para o Brasil.
Segundo os pesquisadores do CTBE os problemas do pré-tratamento são questões de engenharia e que já deveriam estar em fase mais avançada de resolução, visto que são aspectos anteriores ao desenvolvimento do processo. O laboratório já conseguiu solucionar essas questões em escala piloto e já consegue realizar um processo contínuo de produção de E2G.
Para eles, no entanto, não é surpresa que as indústrias enfrentam dificuldades, pois os equipamentos utilizados para tratamento da biomassa de cana foram criados inicialmente para a indústria de celulose. Então, já era de se esperar que houvesse complicações com a utilização de outra matéria-prima.
Ao mesmo tempo em que isso atravanca o processo, os tempos de fermentação também são preocupantes: de cinco a dez vezes mais longos que para o etanol de primeira geração. Isso traz necessidade de grandes investimentos de capital para adquirir os equipamentos e insumos adequados, além do necessário para manter a indústria rodando.
“São gargalos que a gente está trabalhando aqui dentro e que são reais. A gente está falando isso porque trabalha com empresas. Esses problemas existem mesmo”, admite o pesquisador do laboratório, José Geraldo da Cruz Pradella.
Os rendimentos com a hidrólise também estão menores que os esperados, de acordo com Pradella. A literatura científica sobre o assunto estima números em torno de 80% de extração do potencial de glicose para fermentação, mas ele comenta que os números observados nas operações de 2G nacionais ficam entre 50% e 60%. Essa performance e o alto custo das enzimas criam um grande empecilho ao etanol celulósico.
Por causa desses problemas, não está sendo possível alcançar os números de produção desejados, visto que a matéria-prima chega aos processos de hidrólise e fermentação com muitas impurezas que comprometem a continuidade do sistema. É um problema que precisa ser resolvido em etapas: na coleta do material bruto, que precisa ser realizada sem acréscimo de impurezas minerais e vegetais; e na engenharia dos equipamentos, que vêm sofrendo com o grande impacto causado pela pressão e velocidade a que são submetidas essas substâncias durante o pré-tratamento.
Faltam políticas
Apesar da inclusão no Funtec, o Brasil ainda carece de fomentos ao setor de etanol celulósico. Essa necessidade é reconhecida por players do setor e até mesmo pelo BNDES.
O banco já havia elencado uma série de auxílios para o setor citando políticas possíveis, porém, apenas duas iniciativas haviam sido adotadas até então: o PAISS e o Bioen, ambas voltadas para oferta de novas tecnologias.
O gerente de biocombustíveis do BNDES, Artur Yabe, reconhece que também seria interessante que o País oferecesse políticas voltadas à inovação tecnológica e não somente à implementação. “Acho que seria oportuno que o Brasil pensasse políticas do lado da demanda”, diz.
Stuchi, da Raízen, e Janeiro, do CTC, concordam que é preciso incentivar a área e que qualquer política seria bem vinda. Ambos falam de mandatos de consumo e, principalmente, linhas de financiamento.
Recentemente o BNDES identificou que os entraves com o início do processo precisavam de mais atenção e incluiu fundos para pesquisas sobre o pré-tratamento no Funtec. Essa foi a primeira ação do banco para o fomento do E2G desde o Paiss, há 5 anos.
Cenário nacional
“De maneira geral, as empresas foram um pouco otimistas demais de que esses problemas seriam resolvidos rapidamente”, diz o diretor de negócios de etanol celulósico do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), Viller Correa Janeiro.
Ele explica que eram esperados, visto que se trata de uma tecnologia disruptiva, mas não que fossem gerar tamanho impacto na produção. Além disso, os impactos são elevados quando se fala da qualidade da matéria-prima: a quantidade de impurezas levada para dentro das usinas prejudica o bom funcionamento do processo.
Das duas usinas operando atualmente no País, apenas a Bioflex divulgou algum tipo de resultado. O prejuízo do empreendimento vai contra a meta inicial da empresa, que esperava ter números positivos ainda em 2015. Foram quase R$ 30 milhões de prejuízo, produção muito inferior ao que era esperado e uma parada não programada de quase dois meses para solucionar problemas do pré-tratamento.
A assessoria de comunicação da empresa comentou que não há novidades sobre o processo e que a Granbio não divulga números sobre a produção. No entanto, também disse que o pré-tratamento ainda enfrenta dificuldades e que o etanol celulósico produzido está sendo comercializado no Nordeste.
Para o diretor de novas tecnologias e projetos da Raízen, Antonio Alberto Stuchi, existe otimismo, mas existem problemas. A maior parte advindos do aumento de escala da operação (de piloto para industrial). Ele reforça o argumento sobre a qualidade da matéria prima, que causou problemas nos equipamentos do pré-tratamento, e fala que é preciso pensar em maneiras de levar material mais limpo para dentro da indústria.
O CTBE julga os acontecimentos com base em experiências próprias. Os testes do laboratório apontaram que um dos maiores entraves era alimentar o equipamento de tratamento da biomassa de forma contínua, o que já foi resolvido. Agora, precisam baixar o custo das enzimas e elevar os processos à escala industrial.
Segundo Pradella, eles trabalham em parceria com empresas que têm interesse em entrar no mercado de 2G e têm em mente uma questão primordial para mudar a realidade: operar uma planta em nível industrial de forma plena e integrada a uma planta de etanol de primeira geração. Segundo as pesquisas do instituto, essa integração é a melhor forma de produzir etanol de segunda geração de maneira competitiva.
Enquanto isso, na parte da pesquisa, o CTBE trabalha na criação de um coquetel enzimático, processos de fermentação e desenvolvimento de equipamentos nacionais.
Palavra do BNDES
Um dos principais atores em meio a todo esse processo, o banco foi responsável por disponibilizar financiamentos que possibilitaram com que as plantas de 2G brasileiras saíssem do papel. E, apesar da incerteza do mercado diante do negócio, parece estar tranquilo em relação ao prognóstico.
Segundo Yabe, o pré-tratamento é, realmente, o entrave atual, junto com a limpeza da biomassa. Ele argumenta que foram resolvidos os problemas nas fases de teste e agora é preciso encontrar as soluções para grande escala. E, apesar de acreditar que a solução será encontrada em breve – e que essa demora faz parte do processo de tentativa e erro – reconhece que não é tarefa simples. “O que temos hoje, é a última etapa do desenvolvimento tecnológico, que tem duas características: primeiro, não é um processo rápido, porque envolve pesquisa, desenvolvimento e busca de soluções; e é um processo arriscado.”
Ele, no entanto, se mostra otimista e garante que as empresas envolvidas no negócio compartilham do mesmo sentimento. Ainda assim, admite as dificuldades em tornar o processo contínuo e lidar com as impurezas da biomassa. Etapas que, segundo Yabe, são de natureza mecânica, problemas de engenharia.
Para o BNDES, o Brasil é pioneiro nessa corrida, não só pelo número de projetos em funcionamento (além das duas usinas já instaladas, há sites experimentais do CTC, Embrapa e CTBE, além da usina de 2G da Abengoa, em construção, mas com futuro incerto) como pelo fato de o Brasil oferecer biomassa barata e previsões de crescimento das lavouras de cana-energia.
Essa visão favorável, entretanto, não se sustenta do outro lado da corda: é claro que os problemas são maiores que os esperados e parece que as empresas estão com dificuldades reais para encontrar os caminhos certos.
Mas várias dúvidas pairam sobre as usinas. Quanto produziram desde a inauguração? No último ano? Nos últimos seis meses? Quais os impactos econômicos dessa empreitada? Quanto essa indústria avançou desde os primeiros passos no Brasil? São perguntas que continuam sem respostas. Mas, ao mesmo tempo, são as questões que, quando solucionadas, podem trazer de volta a euforia e esperança da segunda geração.