06/06/2010, Estado de S.Paulo
Estudo brasileiro reforça hipótese de que vida na Terra veio do espaço Pesquisa mostra como bactérias poderiam resistir com facilidade a uma viagem interplanetária, agarradas a micrometeoritos Quantos escudos protetores você precisaria para sobreviver a uma viagem interplanetária de milhões de anos, agarrado a um pedaço de rocha, congelado, sem água nem oxigênio e bombardeado incessantemente por radiação ultravioleta? Se você é uma bactéria da espécie Deinococcus radiodurans, uma superfície rugosa e uma camada de poeira já seriam suficientes. É o que indica o primeiro estudo experimental de astrobiologia feito por cientistas brasileiros. Os resultados, publicados na última edição da revista científica Planetary and Space Science, dão suporte à teoria da panspermia, segundo a qual a vida pode não ter se originado na Terra, mas em outro ponto do universo, e caído aqui já pronta, trazida por um cometa, meteorito ou coisa parecida. Para isso, uma forma de vida primordial – representada nos experimentos por bactérias – precisaria sobreviver às intempéries do espaço por milhares ou até milhões de anos, dormente, para então renascer na superfície de algum planeta amigável.
Como a Terra. Por mais difícil que isso possa parecer, vários experimentos realizados nos últimos anos demonstram que determinadas bactérias, em determinadas condições, poderiam sobreviver a uma aventura espacial dessa natureza. A isso soma-se, agora, o trabalho do biólogo brasileiro Ivan Gláucio Paulino-Lima, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele submeteu colônias de Deinococcus radiodurans a condições similares às encontradas no espaço e comprovou que elas sobrevivem, com relativa facilidade, a doses altíssimas de radiação. “Uma mínima proteção contra raios ultravioleta é suficiente para aumentar significativamente a sobrevivência desses microrganismos”, afirma Lima, que fez o trabalho para sua tese de doutorado. “Do ponto de vista da biologia, os resultados não são tão extraordinários. Colocados num contexto astronômico, porém, as implicações tornam-se importantíssimas.” A mais importante delas é que microrganismos primitivos resistentes, semelhantes à Deinococcus radiodurans, poderiam, sim, sobreviver a uma viagem interplanetária, presos a grãos de poeira ou rocha (micrometeoritos). A simulação foi feita utilizando o acelerador de partículas do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas, capaz de produzir feixes contínuos de radiação em vários comprimentos de onda e diferentes intensidades.
As bactérias foram colocadas sobre uma fita de carbono, cuja superfície rugosa forma uma série de “caverninhas” microscópicas nas quais as bactérias podiam se esconder da radiação – algo bem semelhante à superfície de um micrometeorito, segundo os pesquisadores. Associado a isso, bastou uma camada de poeira, matéria orgânica ou um leve empilhamento de células para que as bactérias mais abaixo sobrevivessem. No teste mais rigoroso, as bactérias foram expostas a 16 horas contínuas de radiação ultravioleta de vácuo, numa dose equivalente ao que elas receberiam ao longo de 1 milhão de anos viajando no espaço. “É uma radiação de altíssima energia, muito mais forte do que os raios ultravioleta que chegam à superfície da Terra”, aponta a pesquisadora Claudia Lage, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, que orientou o trabalho de Lima na UFRJ. A atmosfera terrestre filtra os comprimentos de onda mais nocivos da radiação solar. Caso contrário, a superfície do planeta seria esterilizada. Em média, só 2% das bactérias sobreviveram às sessões de radiação. Parece pouco, mas numa amostra de 100 mil células, isso significa 2 mil bactérias. Mais do que suficiente para inseminar um planeta, como gostam de dizer os astrobiólogos. “É praticamente uma invasão alienígena”, compara Claudia. Na surdina. Uma invasão tão silenciosa que passaria facilmente despercebida mesmo nos dias de hoje. Além de sobreviver às intempéries do espaço, para desembarcar aqui, os micróbios extraterrestres precisariam sobreviver à entrada na atmosfera.
Em 2003, uma rachadura no escudo protetor do ônibus espacial Columbia foi suficiente para destruir completamente a nave, matando seus sete tripulantes. Da mesma forma, o calor criado pelo atrito com o ar seria mais do que suficiente para pulverizar qualquer organismo preso à superfície de um meteoro ou outro meio de transporte espacial. Por isso, os pesquisadores especulam que as “invasão” teria ocorrido por meio de micrometeoritos – fragmentos microscópicos de rocha -, grandes o suficiente para transportar bactérias, mas pequenos o suficiente para passar pela atmosfera sem se aquecer. Estudos feitos na Antártida indicam que até 10 mil toneladas de micrometeoritos caem anualmente sobre a Terra, segundo o astrônomo Eduardo Janot Pacheco, do Instituto de Astronomia (IAG) da Universidade de São Paulo, que também assina o estudo. “Formas de vida alienígenas podem estar caindo sobre o planeta agora mesmo”, especula Janot. As evidências fósseis mais antigas de vida microbiana no planeta datam de 2,5 bilhões de anos, segundo Claudia. “O planeta já era perfeitamente habitável naquela idade”, diz ela, caso algum microrganismo alienígena tenha mesmo desembarcado por aqui naquele momento. Talvez a própria Deinococcus radiodurans – que seria, neste caso, o ancestral comum de todas as formas de vida na Terra -, ou algo parecido com ela. Conan, a bactéria. A Deinococcus radiodurans foi selecionada para o estudo porque, como diz seu nome, é uma espécie naturalmente resistente à radiação extrema. A razão evolutiva para isso, ninguém sabe, pois ela aguenta doses muito mais elevadas do que se registra em qualquer ambiente da Terra. E também é resistente à desidratação – outra características necessária para sobrevivência no espaço. É encontrada em todo lugar, desde desertos até comidas enlatadas. Já apareceu no Guiness Book como “a bactéria mais durona do planeta”, e às vezes atende pelo apelido de Conan. “Ainda bem que não é uma espécie patogênica, senão estaríamos em apuros”, conclui Janot. PARA ENTENDER A busca pela origem da vida
Evidências genéticas associadas à teoria da evolução (em especial, o fato de que todos os seres vivos têm DNA), indicam que todas as espécies do planeta originaram-se de um ancestral comum, bilhões de anos atrás. Essa forma de vida primordial seria um organismo extremamente simples – muito mais simples do que uma bactéria. Mas como ela se formou? Ninguém sabe. Estudos mostram que algumas moléculas essenciais das células podem se formar espontaneamente na natureza, mas ninguém foi capaz de produzir vida dessa forma até agora em laboratório. A teoria da panspermia não resolve esse problema – apenas desloca-o para outro lugar do universo. Link da matéria: https://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100606/not_imp562194,0.php