Canal – Jornal da Bioenergia, em 03/01/2013
Com investimentos em preservação e racionalização de água e energia é possível garantir um maior lucro para usinas e um produto cada vez mais sustentável para o mercado
A palavra de ordem é sustentabilidade. Para este fim, os parques industriais das usinas modernas tendem a avançar para um total aproveitamento de insumos em todos os seus processos. O desperdício de água e energia deve ser erradicado através de atualizações tecnológicas e otimização do maquinário existente, o que abrange melhorias em todas as etapas do processo industrial. Desde a extração até a destilaria, passando pela produção de açúcar bruto ou branco, existem possibilidades de melhorias a serem implantadas que reduzem consideravelmente o consumo de água e energia, garantindo a distribuição de produtos cada vez mais verdes no mercado mundial.
Da maneira como os processos das usinas são realizados ocorem perdas, em média, de mil quilos de água por evaporação, purga da lavagem e bagaço. Por tonelada de cana-de-açúcar moída, perdem-se mais 40 quilos de água na torta do filtro. Ao adotar melhorias, como a limpeza da cana-de-açúcar a seco, resfriamento por torres, aquecimento indireto na destilação, monitoramento dos condensados e separador de arraste, José Luiz Olivério, vice-presidente de tecnologia e desenvolvimento da Dedini, acredita que é possível que a usina se tornem autossuficiente em água. Em seus processos, só seria utilizada a água contida na própria cana-de- açúcar que, esmagada, apresenta 75% de líquidos. Fora o desperdício de energia, decorrente de parques desatualizados.
Existem diversas tecnologias disponíveis no mercado, algumas para maximizar energeticamente a usina e outras para reduzir, ou até mesmo zerar a necessidade de captação de água. A solução para cada usina é específica. A customização deve ser planejada de acordo com os produtos desenvolvidos por cada uma e, no caso de usinas já existentes, do nível tecnológico da planta original. “Em novos projetos”, como coloca José Olivério, “a harmonização e seleção de tecnologias são facilitadas por não existirem investimentos prévios já realizados, não sendo necessários estudos de adaptação e aproveitamento das instalações existentes.”
Os custos de implantação variam de acordo com cada necessidade, pois a solução final será estudada através da adoção de um conjunto de tecnologias variadas. A decisão pela adoção de cada conjunto de soluções é o resultado de uma análise econômico- financeira, abrangendo as atividades agrícolas e industriais.
Alternativas
Quanto ao reaproveitamento de água, o diretor comercial da Sergam, Sérgio Gama, garante que muitas medidas podem ser tomadas para a eficiência deste processo. “O tratamento e reúso da água utilizada na lavagem da frota de veículos é possível, com um reaproveitamento de 95% do efluente. O esgoto sanitário, assim que tratado corretamente, também pode ser reutilizado em caminhões pipa para a aspersão nas estradas de terra”, afirma. Com esta tecnologia, é possível alcançar uma economia de até 80% de gastos com o consumo de água e coleta de esgoto.
Outra opção apresentada por Sérgio Gama é o reaproveitamento da água das chuvas a partir de um sistema automático de micro filtragem e desinfecção. Este sistema, chamado de Pluv Clean, controla fatores como pH, DBO, turbidez, odor e abrasividade das águas pluviais, permitindo a utilização de um produto sem custos que, antes, era desperdiçado. Ao final do processo, esta água pode ser utilizada em descargas de bacias sanitárias, lavagem de calçadas e carros, irrigação de jardins, resfriamento de equipamentos e máquinas, reservatórios contra incêndios, entre muitas outras opções.
Uma opção que garante reservas de água e energia é a modernização de torres de resfriamento de água. Segundo o gerente comercial da Alpina Equipamentos, Antonio Chiachia, “estas torres, que incorporam as mais recentes tecnologias, têm consumo energético menor e permitem campanhas maiores entre as paradas de manutenção e limpeza”. Com um planejamento adequado, elas podem ser inseridas em diversos setores da usina, como nos sistemas de vácuo, condensadores de turbinas, destiladores e dornas de fermentação.
Para a economia de energia, uma alternativa viável é a atualização de cozedores. Esta ação permite a instalação de mais área em um mesmo volume, viabilizando o uso de vapores menos quentes, antes descartados sem uso nas linhas de condensados. Como explica o diretor da Alpina Orion, Maximilian Goehler, “a economia de energia passa obrigatoriamente pela economia de vapor na produção do açúcar e do etanol. Melhorando os processos de diluição e concentração, reduzimos o consumo de energia desnecessária na evaporação e ainda regularizamos o processo de cristalização.” Como resultado final, aumenta-se a capacidade de produção da planta, reduzindo a recirculação de matérias.
Estudos têm foco no reúso
A água remanescente do processamento da cana-de-açúcar pode ser reutilizada na própria usina. No processo de produção de açúcar, onde o produto final é seco, quase toda a sobra de água pode ser reaproveitada. Durante a produção de etanol, que precisa de um caldo concentrado, este reaproveitamento também é possível, embora menor. Estas são constatações de estudos desenvolvidos na Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp (FEM) por Mauro Francisco Chávez-Rodríguez, com orientação de Silvia Azucena Nebra de Pèrez. De acordo com os estudos de Chávez-Rodríguez para a dissertação “Uso de Água na Produção de Etanol de Cana-de-açúcar”, é possível, através do reciclo, reduzir a captação de água para menos de um metro cúbico por tonelada de cana-de-açúcar (medida máxima permitida pela legislação para várias regiões do Estado de São Paulo).
A pesquisa focou justamente nas várias possibilidades de não só cumprir a lei, mas também de garantir a sustentabilidade dos processos. Entre os resultados, o principal foi a constatação de que a água retirada da própria cana-de-açúcar poderia ser reutilizada com segurança. Além de ser reciclada durante a embebição e na preparação do leite de cal, o pesquisador adverte que os caminhões transportadores de cana-de-açúcar carregam um volume de água que, se fosse reutilizado, evitaria a necessidade da captação de recursos de outras fontes. Ele ainda acredita que, utilizando estudos de “pegada ecológica”, seria possível reduzir o consumo de quase 12 litros de água por litro de etanol para 3,6 litros. Esta redução drástica, que não envolveria o uso da água da vinhaça, apresenta valores similares aos da gasolina, por exemplo. Além destes fatores, também foram analisados outros como irrigação e sequestro de carbono.
Para mensurar o estágio de desenvolvimento e sucesso da implantação de uma nova tecnologia de produção, o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) está desenvolvendo uma Biorrefinaria Virtual. Simulando os processos de uma cadeia de produção padrão, esta ferramenta avaliará a sustentabilidade econômica, ambiental e social de novas tecnologias. A partir deste programa, será possível projetar as alterações na produção das usinas e os impactos causados em seu rendimento em relação aos resultados atuais, ou seja, antes da possível implantação de inovações tecnológicas. Esta avaliação prévia será realizada através de dados sólidos oferecidos pelas próprias usinas, podendo, inclusive, avaliar propostas de otimização de maquinários já implantados em seus parques industriais.