Ciência Hoje, 19/09/2014
A aproximação das eleições no Brasil motiva o físico Adilson de Oliveira a tratar de ciência e política em sua coluna de setembro. Ele lembra que a execução de grandes projetos científicos depende da política científica que determinado governo decide implementar.
Como acontece a cada quatro anos, estamos novamente em período eleitoral, para escolher os governantes máximos do Brasil. Vamos eleger o presidente da República, senadores, governadores e deputados, e cada um deles, de acordo com a sigla partidária e suas convicções ideológicas, apresenta aos eleitores suas propostas de governo em diversas áreas de atuação do Estado.
As decisões tomadas pelos governantes, de uma forma ou de outra, influenciam nossa vida, de modo negativo ou positivo. Afinal, esse é justamente o principal objetivo da escolha dos representantes do povo em um Estado democrático.
A ciência, como atividade humana, sempre sofreu influência de decisões tomadas na esfera política. Desde épocas remotas, muitas atividades científicas foram incentivadas ou barradas a partir de decisões políticas, fazendo com que determinada área do conhecimento avançasse em dada direção e outras fossem desestimuladas.
Na Antiguidade, reis e imperadores mantinham perto de si astrônomos e astrólogos para que estes fizessem previsões dos movimentos dos corpos celestes, pois a crença na astrologia afirmava que era possível prever o futuro a partir da interpretação da posição dos planetas em relação às constelações, auxiliando nas suas decisões políticas.
Como de fato não há nenhuma correlação entre as configurações planetárias e a nossa vida cotidiana, com certeza muitos desses astrônomos e astrólogos não conseguiram se manter por muito tempo em seus cargos. Por outro lado, houve grande desenvolvimento nos modelos para compreender os movimentos celestes.
Revolução copernicana
Em particular, o desenvolvimento da física sempre esteve relacionado de certa forma com as necessidades econômicas e políticas. No início do século 17, a física começou a sofrer mudanças significativas devido à revolução copernicana, a partir da qual se passou a questionar se de fato a Terra estava no centro do universo. Esse questionamento teve repercussão não só científica, mas também política e social.
O desenvolvimento de teorias que tiravam o homem do centro do universo abalou muitos alicerces filosóficos da época, proporcionando o surgimento da ciência moderna. Além do próprio Nicolau Copérnico (1473-1543), que elaborou o modelo heliocêntrico (o Sol no centro), outros pensadores e cientistas da época que o defendiam sofreram perseguições, como Giordano Bruno (1548-1600), condenado à morte na fogueira, e Galileu Galilei (1564-1642), sentenciado a renegar suas ideias e a ficar em prisão domiciliar até a morte.
Por outro lado, ao buscar justificativas para o modelo heliocêntrico, Galileu aperfeiçoou a luneta, desenvolvendo um instrumento que logo se transformou em importante aliado da navegação e também dos exércitos, que com ele podiam enxergar de longe as tropas inimigas.
Na tentativa de entender o movimento dos corpos, Galileu demonstrou que, quando lançamos um objeto, ele descreve uma trajetória parabólica. Uma aplicação imediata disso foi a elaboração de tabela de ângulos para calcular com precisão os ângulos de lançamento de tiros de canhões, melhorando assim a qualidade da artilharia. Se havia restrições às concepções heliocêntricas, não houve no que diz respeito a suas aplicações em interesses mais diretos, como os militares.
Outro exemplo importante, e mais recente, é o desenvolvimento da tecnologia nuclear, que levou à construção de armas nucleares. A partir dos conhecimentos da física quântica, foi possível compreender as interações atômicas. A descoberta da fissão do núcleo atômico e de como realizar esse processo em cadeia (que leva à explosão nuclear) permitiu ao mesmo tempo o desenvolvimento da bomba atômica e o uso do átomo para a produção de energia e outras aplicações pacíficas.
Os cientistas que trabalharam no projeto Manhattan, muitos deles motivados pela perspectiva de a Alemanha nazista também estar construindo uma bomba atômica (o que, se acontecesse, seria decisivo no resultado final da guerra), talvez não imaginassem que o resultado de seu trabalho seria testado contra o Japão já praticamente derrotado no final da Segunda Guerra Mundial.
O Cern e a internet
Outras decisões políticas podem também implementar mudanças importantes no avanço da ciência. A corrida espacial entre estadunidenses e soviéticos levou à criação de tecnologias de exploração do espaço e ao mesmo tempo aumentou nosso conhecimento sobre essa área. Sondas espaciais e satélites dedicados à observação espacial em diferentes faixas do espectro eletromagnético permitiram que investigássemos profundamente o cosmos, ampliando nossa visão do universo.
A corrida espacial entre estadunidenses e soviéticos levou à criação de tecnologias de exploração do espaço e aumentou nosso conhecimento sobre essa área
O desenvolvimento de grandes projetos científicos passa justamente pela política científica que determinado governo pretende implementar. Afinal, desenvolver ciência de ponta implica a obtenção de novas tecnologias, o que, como consequência, leva à criação de emprego e renda.
A construção de uma grande instalação de pesquisa como o LHC – do inglês, Large Hadron Collider (Grande Colisor de Hádrons), o maior acelerador de partículas do mundo, que custou bilhões de dólares – gera milhares de empregos e permite a criação de novas empresas. As soluções tecnológicas encontradas em seu âmbito podem ser implementadas em outras esferas, fora dos laboratórios científicos.
Vale lembrar que foi na Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (Cern), em Genebra, onde fica o LHC, que surgiu a internet em 1990, quando o cientista da computação britânico Tim Berners-Lee desenvolveu um protocolo de transmissão de dados com o objetivo de compartilhar dados científicos entre pesquisadores. Hoje sabemos como essa inovação tecnológica se desenvolveu e modificou nossas vidas.
Projeto Sirius
Nesse momento de eleições no Brasil, pouco se fala de grandes projetos científicos para o país nas propostas apresentadas pelos candidatos. Mas há entre nós grandes empreendimentos em curso, como é o caso do projeto Sirius, que pretende desenvolver uma nova fonte de luz síncrotron, em substituição à atual, que opera no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas (SP).
As máquinas de luz síncrotron, que produzem radiação eletromagnética desde a faixa do ultravioleta até os raios X de altas energias, são utilizadas para desvendar a estrutura de materiais e podem ajudar no desenvolvimento de novos materiais e novos fármacos, entre outras aplicações importantes. O projeto, estimado em R$ 1,3 bilhão, deverá estar concluído até 2020.
Ciência e tecnologia são de fundamental importância para o país, pois não só ajudam a resolver problemas nacionais, como também são grandes instrumentos de desenvolvimento da sociedade, ao permitir que estejamos em pé de igualdade com nações mais avançadas. Por esse motivo devemos ter em mente que um país sem ciência é um país sem futuro.
Adilson de Oliveira
Departamento de Física
Universidade Federal de São Carlos