UOL, 18/05/2020
Técnica avançada de raio-x revelou vestígios de vida de bilhões de anos atrás em estudo com participação brasileiraImagem: Divulgação/ISRO
Com ajuda de um método avançado de produção de imagens, pesquisadores brasileiros do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais), de Campinas, conseguiram criar imagens 3D mais detalhadas do que se havia conseguido até então de formas de vida de aproximadamente 1,9 bilhões de anos atrás.
A análise, feita em parceria com cientistas da França e da Suíça, abre caminho para novos estudos de fósseis, que têm sido usados há décadas para entender a origem e evolução da vida na Terra, ainda mais antigos ou até para ajudar na exploração de vida em outros planetas.
Segundo o CNPEM, os microfósseis foram encontrados em amostras de rocha da Formação Gunflint, no Canadá, com 1,88 bilhão de anos. Eles são restos preservados de microrganismos semelhantes às bactérias existentes hoje em dia, mas de um período muito mais antigo, em que apenas vida microscópica existia na Terra.
A região onde as amostras foram coletadas é bem conhecida no universo da paleontologia. A Formação é referência por ter conseguido manter fósseis bem preservados.
Detalhe da lâmina da rocha analisada da Montanha Mink, no Canadá. É nas estruturas vermelhas que se encontram os microfósseis.
Para chegar ao resultado, os pesquisadores utilizaram raios-X do tipo síncrotron, etapa realizada no Instituto Paul Scherrer, por meio do Swiss Light Source. Basicamente, envolveu feixes de luz muito intensos produzidos em grandes aceleradores de partículas chamados síncrotrons.
A partir dessa técnica de tomografia de alta resolução, foi possível observar os microorganismos em 3D dentro dos minúsculos pedaços de rocha sem a necessidade de quebrá-la. Com isso, foi possível reconstruir as células e observar como o tempo e os processos geológicos puderam afetaram a sua forma e composição original.
Microfósseis da Formação Gunflint: a 1ª imagem é resultado da análise de microscópio. A demais imagens são resultados da visualização em 3D de tomografia de raios-X em diferentes planos Imagem: Divulgação.
No Brasil, o estudo foi liderado pelos pesquisadores Lara Maldanis, doutora pelo Instituto de Física de São Carlos na USP, e Douglas Galante, pós-doutor em astronomia pela USP. Ambos trabalham no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas, responsável pela única fonte de luz síncrotron da América Latina.
Durante a análise, descobriu-se também que fósseis antigos que se acreditavam ser revestidos com hematita não tinham nada desse tipo de pedra. Na realidade, eles eram compostos de material orgânico (invisível em microscopia óptica) e revestidos com cristais de maghemita de óxido de ferro.
“Isso mostrou que, no nível das células e em contato com a matéria orgânica, os óxidos de ferro seguem um padrão de transformação diferente do resto da formação, o que aprimora nossa compreensão de como essas estruturas foram preservadas e como foram alteradas depois de permanecerem enterradas por bilhões de anos”, destacou o CNPEM, em comunicado.
O grande desafio em estudos como esse, acrescenta o órgão, está relacionado às características dos microfósseis, que têm apenas alguns micrômetros de tamanho— eles são dez vezes menor do que a espessura de um cabelo humano. Além disso, o material antigo acaba sofrendo alterações geológicas por conta da pressão e temperatura de rochas acima deles.
Por isso, o resultado dessa descoberta é importante. “A tecnologia baseada em luz síncrotron está dando um novo passo com o início dos aceleradores de quarta geração, como o Sirius, no Brasil, e o Max IV na Suécia, além das máquinas de terceira geração que estão sendo atualizadas, como o ESRF (Grenoble, França) e o SLS na Suiça”, destacou o Centro.
“Usando técnicas como esta, a ciência poderá revelar mais detalhes sobre os primeiros vestígios da vida na Terra ou mesmo em Marte, que nos ajudarão a responder a algumas das questões mais intrigantes da ciência: como a vida surgiu na Terra? E estamos sozinhos no universo?”, concluiu.