Folha de S.Paulo em 04/01/2017
Transformado pela nanotecnologia, que manipula objetos na escala dos átomos, o bagaço que sobra da moagem da cana-de-açúcar pode dar origem ao carvão ativo, um dos principais componentes dos sistemas de purificação da água e do ar. O método, desenvolvido por brasileiros, também produz uma cobertura especial de partículas de prata no carvão ativo, com capacidade antimicrobiana (eliminando, por exemplo, bactérias nocivas da água).
“O trabalho surgiu a partir da demanda de uma usina de álcool, que tinha interesse em dar um destino mais adequado ao bagaço, de preferência produzindo algo com valor agregado”, explica o químico Mathias Strauss, do LNNano (Laboratório Nacional de Nanotecnologia), que fica em Campinas (SP).
Com efeito, das mais de 600 mil toneladas anuais da safra brasileira de cana, um terço corresponde ao bagaço da planta após a produção de álcool e açúcar. Já existem iniciativas para usar esse excedente de matéria orgânica como fonte de energia ou para a produção do chamado etanol de segunda geração (obtido a partir das partes quimicamente mais “duras” da planta), mas em escala relativamente modesta.
Por outro lado, o bagaço seria uma matéria-prima interessante para a obtenção do carvão ativo (ou ativado), material produzido fora do país, a partir de fontes como cascas de coco ou ossos.
O primeiro passo para obter o carvão ativo é a queima incompleta da matéria-prima, seguida de um tratamento químico que produz no material queimado uma grande quantidade de minúsculas porosidades (no caso da pesquisa brasileira, da ordem de poucos nanômetros, ou bilionésimos de metro, de diâmetro).
Tais buraquinhos microscópicos no carvão ativo funcionam, grosso modo, como um sorvedouro, permitindo que partículas poluentes, em especial as moléculas orgânicas, sejam adsorvidas (ou seja, fixadas) na superfície do material, pelo qual possuem afinidade química. É óbvio que a capacidade de adsorção do material é limitada –após certo tempo, é preciso trocá-lo.
Coube aos pesquisadores brasileiros otimizar um coquetel adequado para produzir as porosidades no bagaço de cana queimado, com a quantidade e o tamanho desejados para um carvão ativo eficiente. O trabalho rendeu o depósito de uma patente, em parceria com a usina de cana.
“Do nosso ponto de vista, no estágio de bancada, é uma tecnologia praticamente pronta. É preciso agora o interesse empresarial para que ela ganhe uma escala maior”, diz Strauss. Enquanto isso não acontece, testes de campo da tecnologia já estão sendo feitos em território chinês, por meio de uma parceria organizada pelo Centro Brasil-China de Pesquisa e Inovação em Nanotecnologia.
Em túneis da rede viária da cidade de Xangai, o carvão ativo brasileiro está servindo para retirar parte dos poluentes que ficam parados no ar naquele espaço reduzido. Outras aplicações incluem o tratamento de esgoto e o de água para consumo humano.
A equipe do LNNano também descobriu como recobrir o carvão ativo com aglomerados de prata, que possuem atividade antimicrobiana. “Por ser uma tecnologia cara, é algo mais adequado para filtros domésticos ou aplicações médicas”, diz o especialista em nanobiotecnologia Diego Martinez, que também participa da pesquisa.
Nesse caso a produção industrial do carvão ativo “turbinado” não está tão próxima porque é preciso analisar melhor os efeitos dos aglomerados nanométricos de prata sobre o ambiente. De fato, estruturas na escala nanométrica têm propriedades químicas pouco usuais e às vezes potentes, o que demanda cautela.
Repercussão: UNICA; NIT Mantiqueira; Nova Cana; Mundo Amazônia; Coopercana; Jornal Cana; Revista Canavieiros; Brasil Agro; Sucesso no Campo; CanaOnline