O GLOBO, 4 de março de 2018
RIO – Ciência não é prioridade no Brasil. Reflexo disso é a baixa formação de cientistas, principalmente de ponta. Formamos poucos em Matemática, Engenharia, Física e Química. Temos 2,8 engenheiros formados por ano para cada dez mil brasileiros, menos que no México, que tem oito profissionais para o mesmo número de habitantes. Só 6% dos formados no Brasil são engenheiros.
Especialistas alertam que isso inibe a inovação quando o mundo desenvolvido investe em inteligência artificial, e a indústria vive a revolução 4.0. Segundo Marcia Cristina Barbosa, professora do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências, o maior gargalo é na pesquisa fina, como em microeletrônica:
— O doutorado na UFRGS formou 44 pessoas desde 2011.
O Brasil investiu 1,28% do Produto Interno Bruto (PIB) em pesquisa e desenvolvimento em 2015, cerca de R$ 76 bilhões. A comunidade científica almeja 2% do PIB, percentual de países desenvolvidos. Nos EUA, são destinados 2,5%; na China, também. Israel investe 4% do PIB. Economistas alegam que a baixa formação reflete a pouca demanda por profissionais especializados. Como o Brasil é um dos mais fechados do mundo — entre mais de 160 países, estamos na penúltima posição em abertura comercial, melhor apenas que o Sudão —, expõe-se pouco as empresas à competição.
— Se a empresa tem mercado cativo e não precisa inovar, para que fazer? Inovação custa caro e é arriscada — afirma o economista Maurício Canêdo, da Fundação Getulio Vargas.
Falta de incentivo, cultura dominante de que pesquisa é papel do Estado e burocracia para firmar parcerias entre universidades e setor privado impedem a especialização de ganhar espaço, dizem especialistas. Formamos, por exemplo, apenas 180 doutores em Matemática por ano:
— Formamos pouco para as necessidades do Brasil. Os EUA formam dez vezes mais; a França, três vezes mais; e o Brasil não é um país tão menor. Temos um volume pequeno de investimento, comparado ao potencial do país. A pesquisa fundamental é missão do Estado e sempre será. Mas, na fase mais avançada, quando a ideia começa a ser implementada como procedimento, um algoritmo, é interesse das empresas investir para poderem dirigir esses processos. O setor produtivo está habituado com a ideia de que o Estado vai prover tudo, o que é um erro — afirma Marcelo Viana, diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa).
SELEÇÃO INCLUI ESTRANGEIROS
Ele também vê pouco investimento empresarial em formação. Clara Macedo Lage é doutoranda de Matemática, vinculada ao Impa. Estuda na Sorbonne, em Paris, com bolsa de uma empresa de energia, que pode deduzir dos impostos os recursos aplicados na formação. Uma espécie de Lei Rouanet da ciência:
— Essa empresa trabalha com dados que mudam em função de aspectos climáticos, como vento e chuva. Há algum padrão, mas varia muito, o que causa certa instabilidade nos cálculos. Tento entender como funciona o padrão para melhorar a estabilidade dos cálculos — explica Clara, que acha importante esse intercâmbio internacional para aumentar o contato com equipes de pesquisa de fora do Brasil. — Tenho visto colegas vindo para o exterior, após os cortes nos orçamentos de pesquisa.
Em Engenharia, outro gargalo. São formados 50 mil profissionais por ano.
— Formamos poucos engenheiros, físicos, matemáticos, em comparação com a maioria dos países, em qualquer tipo de indicador — diz Fernanda de Negri, do Ipea e pesquisadora visitante no MIT e em Harvard.
Para ela, a falta de doutores se desenha na educação básica, quando não há incentivo para matemática e ciências:
— No entanto, se houver mais engenheiros, vamos cair em um segundo problema: não há lugar para eles no Brasil. As empresas não contratam, o mercado fica restrito às universidades.
Leandro Barbosa é doutor em Zoologia, especializado no estudo de insetos. Tem pós-doutorado, mas não está em qualquer projeto de pesquisa. Dá aulas para o oitavo ano no Ciep Operário Vicente Mariano, no Complexo da Maré. Chegou a fazer artesanato em papel machê (a família é de artesãos) para complementar a renda na época do doutorado:
— No setor privado, há emprego em consultorias, o que não é vantajoso. Mas acho importante que professores do ensino básico tenham doutorado. Aumenta a produtividade e seria um grande avanço para a sociedade.
Fernanda atribui o baixo investimento das empresas à pouca competição externa, às barreiras alfandegárias, à regulação ruim e aos juros altos:
— A indústria está diminuindo há anos com a economia fechada. Tem que estabelecer um cronograma para reduzir as tarifas, com mudanças tributárias que aumentem a competitividade.
O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (Cnpem) reúne laboratórios de ponta em Campinas: o Nacional de Luz Síncroton (onde está o acelerador de partículas Sirius), o de biociências, o de bioetanol e o de nanotecnologia. O diretor do Síncroton, José Roque, conta que as seleções incluem muitos pesquisadores de outros países:
— Nossa seleção é internacional. Dos 35 pesquisadores, 11 são estrangeiros no laboratório.
Já o centro tem 98 doutores, 18 estrangeiros. Para o cientista, falta pesquisa privada em semicondutores e microeletrônica:
— Só montamos os celulares, não estamos desenvolvendo os chips eletrônicos. Por isso, há dificuldade de encontrar pessoal especializado. Optamos por contratar recém-doutores ou estagiários e treinar internamente.
O professor Ildeu Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, diz que há 700 doutores para cada milhão no Brasil, um décimo do registrado em países nórdicos:
— Mesmo com o avanço de 250% entre 2002 e 2016, o número é baixo. São 140 mil. Na Coreia do Sul, são 5 mil por milhão. Forma-se mais em Direito, Comunicação, Ciências Sociais e Letras aqui do que em Engenharia.
Para o professor Sérgio Queiroz, do Instituto de Geociência da Unicamp, a estrutura industrial brasileira é pouco intensiva em tecnologia:
— Quem gasta em pesquisa são os setores farmacêutico e eletrônico, ramos com participação pequena e que não estão no estágio de investir pesadamente em pesquisa.
Entre bolsistas de produtividade do CNPq, há 1.854 engenheiros.
— Não dá para desenvolver o país com esse número de pesquisadores — diz Adriana Tonini, diretora do CNPq.
Renato Pedrosa, do Laboratório de Estudos em Educação Superior da Unicamp, diz que não vale à pena para as empresas investir em inovação:
— O Brasil está fora de toda manufatura de quarta geração. Num ambiente adverso de negócio e protecionismo, é melhor ter um bom departamento tributário, obtendo vantagens fiscais.
Gianna Sagazio, diretora de Inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), afirma que as empresas não conseguem inovar sozinhas.
— Inovação tem que ser prioridade no país, trabalhando em várias frentes, educação, ambiente de negócios. Não é que somos um país fechado, mas, se não tivermos inovação, vamos vender para quem?