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Artigo publicado na Renewable & Sustainable Energy Reviews propõe inédito fator de emissão regional com impacto no cálculo de valores obtidos com créditos pela descarbonização
Um novo fator de emissão de óxido nitroso (N2O) para o cálculo de emissões de gases de efeito estufa (GEE) na produção de etanol de cana-de-açúcar no Brasil. É o que propõe uma pesquisa coordenada por pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), organização vinculada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), publicada na Renewable & Sustainable Energy Reviews.
O estudo, feito em colaboração com pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), valorizou a pesquisa realizada no Brasil na última década e obteve, de forma inédita, fatores regionais de emissão de N2O resultantes da aplicação de fertilizantes nitrogenados em áreas de cana-de-açúcar. A pesquisa revelou que o uso do fator regional resulta em uma redução de 19% nas emissões totais do etanol de cana-de-açúcar, quando comparado ao uso do fator padrão proposto pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC). É importante ressaltar que todos os estudos anteriores ao nosso, em função da ausência de fatores regionais, usaram o fator padrão do IPCC para estimar as emissões de GEE do etanol de cana-de-açúcar.
Os pesquisadores englobaram neste estudo as emissões de N2O resultantes da aplicação de diferentes fertilizantes nitrogenados, vinhaça, torta de filtro e inibidores de nitrificação em todo o ciclo produtivo da cana-de-açúcar e estimaram também o potencial ganho de rentabilidade econômica com a obtenção de certificados de descarbonização (CBIOs), caso esses novos dados sejam considerados nos cálculos.
Fator de emissão de N2O regional
O estudo revisou todos os artigos disponíveis na literatura que quantificaram, em condições de campo, as emissões de N2O resultantes da aplicação de fertilizantes nitrogenados (nitrato de amônio, sulfato de amônio e urea) e resíduos agroindustriais (vinhaça e torta de filtro) em áreas de cana-de-açúcar na região Centro-Sul do Brasil, que responde por aproximadamente 90% da produção nacional. As publicações incluídas nesta análise foram publicadas no período entre 2013 e 2020 e representam um grande esforço de pesquisadores, instituições de pesquisas e agências de fomento na coleta de dados no campo. O estudo englobou dados de 86 fatores de emissão resultantes de diversas publicações, majoritariamente realizadas no estado de São Paulo. Estima-se que os fatores de emissão incluídos neste estudo tenham sido resultantes de aproximadamente 100 mil amostras de gases coletadas em solos sob produção de cana-de-açúcar e analisadas em laboratórios.
Sistema de câmaras estáticas usadas para quantificar as emissões de N2O em áreas de produção de cana-de-açúcar (LNBR/CNPEM)
“Nós obtivemos fatores de emissão regionais que representam as condições de clima e solo aqui da região Centro-Sul do Brasil, pois pudemos calcular exatamente quanto de gases do efeito estufa se emite por cada quilograma de fertilizante nitrogenado aplicado no solo”, explica João Luís Nunes Carvalho, pesquisador do CNPEM.
Na última década, diversos estudos indicaram que aplicação de fertilizantes nitrogenados e resíduos agroindustriais no solo representam a principal fonte de emissão de GEE do etanol de cana-de-açúcar. É importante ressaltar que todos estes trabalhos usaram o fator de emissão padrão proposto pelo IPCC, que considera que 1% de todo nitrogênio aplicado no solo é perdido na forma de N2O. No nosso estudo, o fator de emissão regional médio foi de 0,72%, ou seja, 28% menor que a referência internacional. Além do fator médio, o trabalho obteve fatores de emissão específicos para cada tipo de fertilizante nitrogenado aplicado ao longo do ciclo produtivo da cultura. Vale ainda ressaltar, que a grande maioria dos fatores de emissão elencados neste estudo foram menores que 1%, com exceção da aplicação conjunta de fertilizantes nitrogenados e vinhaça. A publicação aponta ainda que este é um ponto de muita atenção e que estratégias alternativas de uso e manejo da vinhaça, tal a aplicação de fertilizantes e vinhaças em diferentes épocas, e ainda a biodigestão e/ou concentração de vinhaça, devem ser incentivadas visando mitigar tais emissões no campo.
A obtenção de fatores regionais de emissão de N2O é uma evolução natural de países/regiões que realizaram investimentos maciços em pesquisas para obter dados representativos das condições locais. O uso do fator do IPCC é mais indicado para regiões que não tenham dados medidos. É importante ressaltar que o próprio IPCC entende que o fator internacional é genérico e impreciso, e incentiva que países/regiões usem informações cientificas publicadas para obter fatores regionais, e até locais. Segundo Carvalho, este foi o primeiro esforço em reunir dados medidos para derivar fatores regionais de emissão de N2O de solos sobre cana-de-açúcar no Brasil, e sugere que novos estudos devem ser incentivados visando refinar tais estimativas.
O impacto do uso dos fatores regionais de emissão de N2O nas emissões do etanol de cana-de-açúcar também foi um dos principais objetivos desta pesquisa. Utilizando a Biorrefinaria Virtual de Cana-de-Açúcar (ferramenta desenvolvida pelo CNPEM e bastante reconhecida internacionalmente), observou-se que a utilização dos fatores regionais reduziu em 19% (média das três principais fontes nitrogenadas) a pegada de carbono do etanol de cana-de-açúcar.
“Também fizemos os cálculos de incerteza das emissões do etanol e os valores relacionados ao uso dos fatores regionais são menores que os que compõem o fator de referência do IPCC”, pontua Carvalho.
Impacto econômico
O último objetivo do estudo foi calcular o potencial benefício econômico da adoção do fator regional de emissão de N2O para obtenção de créditos de descarbonização (CBIOs) previstos no programa RenovaBio, que visa incentivar a produção de biocombustíveis para ampliar a oferta de energia mais sustentável, competitiva e segura, além de reduzir as emissões de gases do efeito estufa.
Foram usados como parâmetros dados de operação de uma usina na região Centro-Sul com capacidade de processamento de 4 milhões de toneladas de cana por ano. Como critério conservador, foi selecionado o cenário de aplicação de nitrato de amônio, fonte nitrogenada que resultou em maiores emissões do etanol, portando o contexto menos favorável.
Quando se aplicou o fator do IPCC observou-se que a usina emitiu 176,5 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano. O percentual de emissão evitada em relação à gasolina é estimado em 73% e resultaria na obtenção de 485 mil CBIOs, o que equivale a cerca de US$ 4,85 milhões (considerando um valor de US$ 10 por CBIO). Aplicando o fator regional, estimou-se emissão de145,2 milhões de toneladas de CO2 equivalente. O percentual de emissão evitada em relação à gasolina alcança 78 %, o que credenciaria a empresa a obter 517 mil CBIOs e um valor estimado em US$ 5,17 milhões.
Em outras palavras, o uso do fator regional resulta em maior quantidade de CBIOs e mais benefícios econômicos para os produtores brasileiros. A publicação aborda ainda que a adoção de outras estratégias de manejo, tal como o uso de inibidores de nitrificação reduzem ainda mais as emissões na cadeia produtiva do etanol e aumentam a quantidade de CBIOs obtidos.
Próximos passos
O componente econômico, vindo do aumento na obtenção de créditos de descarbonização, pode contribuir para financiar atualizações tecnológicas necessárias para que esse segmento produtivo se torne cada vez mais eficiente e sustentável. “O etanol de cana já é considerado um biocombustível avançado e estamos propondo um fator de emissão de N2O que reduz em 19% esta emissão. Esta redução é fruto da pesquisa realizada no país. Vale ainda salientar, que além de apresentar um fator regional mais condizente com a realidade local, podemos buscar meios para reduzir ainda mais as emissões de carbono do etanol de cana. “Devemos pensar no tipo de fertilizante nitrogenado, formas de aplicação de vinhaça, uso de inibidores de nitrificação e melhores práticas de manejo que resultem em mitigação das emissões”, destaca o pesquisador do CNPEM.
Sobre o CNPEM
Ambiente de pesquisa e desenvolvimento sofisticado e efervescente, único no País e presente em poucos polos científicos no mundo, o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) é uma organização social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações (MCTI). O Centro é constituído por quatro Laboratórios Nacionais e é berço do mais complexo projeto da ciência brasileira – o Sirius – uma das mais avançadas fontes de luz síncrotron do mundo. O CNPEM reúne equipes multitemáticas altamente especializadas, infraestruturas laboratoriais mundialmente competitivas e abertas à comunidade científica, linhas de pesquisa em áreas estratégicas, projetos inovadores em parcerias com o setor produtivo e ações de treinamento para pesquisadores e estudantes.
O Centro constitui um ambiente movido pela busca de soluções com impacto nas áreas de Saúde, Energia, Meio Ambiente, Novos Materiais, entre outras. As competências singulares e complementares presentes no CNPEM impulsionam pesquisas e desenvolvimentos inovadores nas áreas de luz síncrotron; engenharia de aceleradores; descoberta de novos medicamentos, inclusive a partir de espécies vegetais da biodiversidade brasileira; mecanismos moleculares envolvidos no início e progressão do câncer; doenças cardíacas e neurodesenvolvimento; nanopartículas funcionalizadas para combater bactérias, vírus, câncer; novos sensores e dispositivos nanoestruturados para os setores de petróleo e gás e saúde; soluções biotecnológicas para o desenvolvimento sustentável de biocombustíveis avançados, bioquímicos e biomateriais.
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