RPAnews, 22/09/2017
Neste mês de agosto, o Projeto SUCRE enviou para o Ministério de Minas e Energia (MME) um documento com contribuições às alterações propostas na consulta pública do marco regulatório do setor elétrico. Foram enviadas quatro sugestões, dentre elas a de incorporar no valor do lastro os benefícios da geração a partir da biomassa para o sistema elétrico. O SUCRE é um dos projetos do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), que compõe o Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). Com o objetivo de aumentar a geração de eletricidade no setor sucroenergético a partir da palha de cana-de-açúcar, uma das atividades previstas no Projeto é fornecer um posicionamento quanto a consulta pública nº 33, aberta pelo MME no início de julho de 2017, referente à modernização do sistema elétrico brasileiro, cujas regras estão prevista para entrar em vigor já em 2018.
PROPOSTAS DO PROJETO SUCRE
Dentre as sugestões do SUCRE, elaboradas em parceria com a consultoria do setor elétrico Excelência Energética, está a inclusão de externalidades positivas da energia de biomassa no valor do lastro. O lastro seria um novo componente do mercado de eletricidade, que se refere à capacidade de uma unidade geradora estar disponível, dando segurança e confiabilidade ao sistema elétrico. As externalidades são efeitos indiretos, que podem ser positivos ou não, causados na produção ou comercialização de um produto ou serviço, conforme explica o engenheiro e analista do CTBE, Marcos Watanabe. “Na teoria econômica, a externalidade positiva ocorre quando a produção ou consumo de um determinado bem ou serviço beneficia outras partes do sistema. Um exemplo da externalidade positiva é o reestabelecimento de uma área de mata próxima às nascentes por um produtor rural, propiciando redução da erosão e aumento da vazão de água, o que pode reduzir o custo de tratamento de água para a população que vive na região à jusante da bacia hidrográfica”, explica. O sinal locacional e o perfil sazonal são dois benefícios da energia gerada a partir da biomassa que, para o Projeto SUCRE, devem ser considerados no valor do lastro devido ao benefício que proporcionam ao sistema elétrico.
Atualmente, a maioria das usinas geradoras de energia a partir de bagaço e palha de cana-de-açúcar estão localizadas próximas aos grandes centros de consumo urbanos e industriais do Brasil. Essa é a externalidade positiva do sinal locacional das usinas geradoras, representando 77% da capacidade instalada a partir da biomassa, segundo dados da União da Indústria de Cana-de-açúcar (UNICA). Tal característica de proximidade beneficia o sistema de geração distribuída, modalidade estimulada pelo governo. Quanto mais próxima a geração dos centros de carga, menores são as perdas elétricas causadas por sobrecarga das linhas de transmissão, melhorando a estabilidade do serviço de energia elétrica, e menor são os gastos em redes de transmissão.
Principais linhas de transmissão e centros de carga do Brasil, por nível de tensão (de 138 kV a 750 kV) |
Fonte: Projeto SUCRE/CTBE/CNPEM
Outro aspecto positivo da eletricidade a partir da biomassa é a geração no momento em que a energia é escassa na região Centro-Sul do Brasil, quando a chuva é menos frequente e os reservatórios estão em níveis mais baixos. Considerando que a matriz elétrica brasileira é predominantemente hidrológica, o País depende muito de outras formas de energia nesse período do ano. O perfil sazonal de geração de energia no período da safra da cana-de-açúcar, de abril a novembro no centro-sul, é uma garantia de que haverá eletricidade disponível em momentos de escassez de água nos reservatórios das hidrelétricas.
O novo conjunto de leis do setor elétrico pressupõe a comercialização da energia e do lastro de forma separada. Hoje esses produtos são vendidos de forma unificada no valor da eletricidade. “A criação do mercado de lastro tem como objetivo solucionar alguns problemas no setor. Um exemplo é poder incorporar as externalidades ainda desconsideradas dentro desse mercado. Outra questão, de natureza conjuntural, é a melhoria da alocação do custo da expansão do sistema elétrico entre os consumidores. Hoje, grande parte desse custo é arcado pelo Ambiente de Contratação Regulada através da contratação de novas usinas nos leilões de energia”, explica o analista do CTBE. A intenção é oferecer mais dinâmica ao sistema, uma vez que essa mudança já prevê o crescimento do número de consumidores no mercado livre de energia.
O Projeto SUCRE também sugere a criação de um terceiro produto, além do lastro e da energia, os certificados de energia renovável. Do inglês Renewable Energy Certificates – REC, esses contratos seriam concedidos de acordo com o grau de benefícios socioambiental dos geradores. Estariam incluídos nesses contratos, por exemplo, a geração de empregos e a baixa emissão de gases causadores do efeito estufa. Em comparação com fontes hidrológicas, fósseis e nuclear, a energia a partir da biomassa gera mais empregos e emite menos gás carbônico por megawatt gerado. “A bioeletricidade deveria ser estimulada por emitir comparativamente menos gases de efeito estufa do que as usinas térmicas, a gás natural, óleo e carvão que são acionadas no período de seca na região Centro-Sul”, afirma Watanabe.
Tabela demonstra a geração de empregos por fonte de energia | Tabela: Projeto SUCRE/CTBE/CNPEM
missões de gases de efeito estufa, prejudiciais ao meio ambiente, por fonte de energia elétrica | Gráfico: Projeto SUCRE/ CTBE/CNPEM
A terceira proposta do SUCRE é a existência de previsibilidade nos preço-teto dos leilões. “O que observamos desde 2010 até os anos atuais é que um dos problemas é não existir estabilidade de preços-teto de leilões”, analisa o engenheiro. Ao longo dos anos, a constante oscilação do valor limite de comercialização da energia em leilões do setor elétrico geraram incertezas aos empresários, prejudicando o planejamento e afastando-os. “É uma espécie de dança dos preços-teto no qual você não consegue saber onde vai dar seu próximo passo e isso interfere na empolgação do investidor”, elucida. O Projeto do CTBE defende a existência de um método de formação do preço-teto de conhecimento público, de forma que esse valor seja facilmente simulado, permitindo mais previsibilidade em projetos de investimento realizado pelos investidores.
Gráfico demonstra a instabilidade dos preços-teto em leilões de eletricidade de biomassa no período de 2010 a 2016 | Gráfico: Projeto SUCRE/CTBE/CNPEM
Nesse sentido, a quarta e última proposta encaminhada ao MME é que exista um planejamento de longo prazo da contratação de bioeletricidade. Esse seria mais um mecanismo para permitir o melhor planejamento do setor sucroenergético quanto ao mercado potencial para energia a partir de biomassa. Conforme explica Watanabe, hoje em dia não existe uma sinalização por parte do governo no que se refere à quantidade de energia a partir de biomassa prevista para ser outorgada. “Não sabemos se esse mercado tem uma tendência de crescimento ou decréscimo. Essas questões serão melhor definidas junto ao novo Plano Decenal de Energia do governo, elaborado periodicamente pela Empresa de Pesquisa Energética”, menciona.
Fonte: CTBE – Viviane Celente