Superinteressante em 24/09/2018
A gente tinha uma margem de erro de 5 milímetros”, me diz um senhor de óculos retangulares. Ele aponta para um buraco na parede.
“E o que o operário achou disso, na hora de fazer o furo?”
“Ah, ele chorou, né?”
Eu poderia dizer que Walter Marchesini Jr. é engenheiro de automação – mas importante mesmo é dizer onde.
Walter trabalha no maior acelerador de partículas do Hemisfério Sul, localizado em Campinas, a 100 km da capital paulista. Lá, ele me explicou, absolutamente tudo foi feito com uma precisão absurda. Dos buracos na parede ao chão. O piso de concreto tem 1,5 m de espessura, mas é tão plano que, ao longo de sua extensão, o maior desnível é de menos de 2 centímetros. A temperatura do ar-condicionado flutua no máximo 0,1 ºC. A água e o esgoto passam pelo encanamento sem causar a mínima vibração – todos os canos são apoiados em molas, e têm calibre maior que o necessário, para manter o ambiente imperturbável.
Essa precisão toda não é mero capricho. O acelerador, chamado Sirius, é a empreitada mais ambiciosa – e cara – da história da ciência brasileira. Orçado em R$ 1,8 bilhão, ele começou a ser idealizado em 2003, mas as obras só saíram do papel em 2014. Quando entrar em operação, em 2019, o Sirius será capaz de impulsionar elétrons a 1,07 bilhão de quilômetros por hora – quase a velocidade da luz. É o suficiente para ir de Londres a Nova York em 0,018 segundo. Toma essa, Concorde. Além de viajar nesse pique, cada elétron a bordo do Sirius vai atingir uma energia de 3 GeV – equivalente a ser submetido a um choque de 3 bilhões de volts (a tomada da sua casa tem tensão de, no máximo, 220 volts). Eletrizante.
A essa altura, você já deve estar se perguntando por que gastaram tanto dinheiro público para construir um autorama de elétrons. Justo. É o seguinte: existem cerca de 30 mil aceleradores de partículas em operação no mundo. O único famoso – e, não por coincidência, o maior – é o grande colisor de hádrons (LHC), um túnel circular de 27 quilômetros na fronteira da Suíça com a França. Sua função é fazer ciência pura: analisar os dados gerados por colisões de partículas, para descobrir coisas como o bóson de Higgs – a tal “partícula de Deus”.
Beira o esotérico. Mas acontece que a grande maioria dos aceleradores tem funções mais mundanas. O Sirius, por exemplo, será uma fonte de luz síncrotron, isto é: um microscópio muito, muito potente. Ou algo como uma máquina de tomografia gigante. Essa capacidade de olhar as coisas muito de pertinho vem da intensidade da radiação liberada pelos elétrons quando eles são forçados a fazer uma curva. Usando essa radiação, é possível estudar doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson, criar novos remédios e desenvolver métodos melhores para extrair petróleo de rochas, entre outras aplicações de imensa importância econômica e social. Mas espera. Saúde? Petróleo? Falando assim, fica confuso. Então vamos entender, passo a passo, como o Sirius funciona.
Que tiro foi esse?
Os raios X do Sirius entram pelo cano – literalmente. Eles se enfiam por dutos que ficam apontados para as amostras que os cientistas querem “fotografar”. Esse é o mesmo princípio de uma máquina de raio X hospitalar – só que, nela, a amostra é sua perna quebrada. Também é o princípio de um tomógrafo – que nada mais é do que um raio X capaz de fazer imagens 3D.
De fato, a versatilidade do Sirius é quase infinita: serve para qualquer tarefa que exija um zoom homérico. A esperança é que ele dê essa mesma ampliação à ciência brasileira – que, apesar dos tropeços e cortes de verba, está prestes a dar o passo mais ambicioso da sua história.
Repercussão: UFOS Wilson