Revista Pesquisa FAPESP em outubro de 2016
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A face mais notável do sistema de ciência e tecnologia do Brasil vincula-se à produção das universidades e instituições públicas e a inovações geradas por empresas. Mas há uma categoria pouco conhecida de organização que se desenvolveu recentemente e vem gerando contribuições: são institutos privados, em geral sem fins lucrativos, que fazem pesquisa por encomenda de empresas e órgãos públicos. No estado de São Paulo, há 18 institutos desse tipo, conforme mostrou um levantamento publicado no Relatório de Atividades 2015 da FAPESP. Alguns deles estão ligados a hospitais privados e buscam transferir resultados de investigações clínicas para o tratamento de pacientes. Outros são centros de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) que se debruçam sobre desafios em áreas como tecnologia da informação, telecomunicações e agronomia.
Um dos institutos privados mais antigos e com portfólio de produtos e serviços mais amplo é o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD). Antigo centro de pesquisas da estatal Telebras, tornou-se uma fundação de direito privado sem fins lucrativos há 18 anos, após a desestatização do setor de telecomunicações. Com 1.100 funcionários, trabalha em projetos em áreas como comunicação, computação, defesa, redes de dados e segurança, encomendados por empresas que utilizam recursos da Lei de Informática, do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel), do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e do Fundo Tecnológico do BNDES (Funtec). Também tem projetos em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e presta consultoria a empresas.
O centro desenvolve pesquisas na fronteira do conhecimento. Recentemente, um grupo coordenado pelo engenheiro eletricista Jacklyn Dias Reis, do CPqD, estabeleceu um novo recorde de distância e taxa de transmissão de dados enviados por uma fibra óptica. Usando 10 canais na mesma fibra, cada um com capacidade de tráfego de 400 gigabits por segundo (Gbps), a equipe conseguiu fazer uma quantidade enorme de dados viajar por 370 quilômetros (km) de fibras ópticas e chegar íntegra ao destino (ver Pesquisa FAPESP nº 246). Uma peculiaridade do CPqD é que alguns projetos se tornaram empresas startups. Um caso recente é o da BrPhotonics, criada em 2014 com foco em desenvolvimento de sistemas de comunicações ópticas de alta velocidade (verPesquisa FAPESP nº 238). Antes dela, outras empresas saíram de costelas do CPqD. É o caso da Padtec, criada como unidade do centro em 1999, que se tornou uma empresa privada em 2001 (ver Pesquisa FAPESP nº 219). “Além do conhecimento transferido para a sociedade, uma parte da equipe costuma migrar para as startups”, afirma Alberto Paradisi, vice-presidente de inovação do CPqD, ressaltando que as empresas nascentes também se tornaram parceiras da fundação – tanto a BrPhotonics como a Padtec atuam com o instituto em projetos de comunicações ópticas encomendados por empresas e pelo governo.
O Instituto de Pesquisas Eldorado, sediado em área contígua ao campus da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foi criado pela Motorola, em 1999, sem fins lucrativos. Nos primeiros anos, trabalhou praticamente só para a empresa americana, com recursos proporcionados pela Lei de Informática. Em 2009, viveu uma mudança abrupta, quando a Motorola cortou dois terços dos projetos que patrocinava no instituto. No ano seguinte, a empresa foi vendida. “Foi um momento difícil, em que praticamente não tivemos faturamento e estávamos endividados com a construção de nossa sede”, lembra Jaylton Ferreira, superintendente do Instituto Eldorado. “A solução foi oferecer serviços para outras empresas de forma agressiva.”
Hoje, o modelo é bem diferente. No ano passado, o instituto realizou cerca de 140 projetos de pesquisa com mais de 60 empresas diferentes, entre as quais a Dell, a Samsung, a IBM – e também a Motorola. Os projetos em curso utilizam recursos de fontes como o Fundo Tecnológico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), além de parcerias com a Embrapii. A equipe de cerca de 800 funcionários e pesquisadores trabalha em unidades em Campinas, Brasília e Porto Alegre, onde propõe novas tecnologias e adapta as existentes para celulares, tablets e outros dispositivos, além de realizar testes com esses equipamentos, verificando se atendem às normas brasileiras. Parte do faturamento é dedicada à pesquisa em áreas com potencial, como a Internet das Coisas (conexão à web de eletrodomésticos e automóveis), realidade virtual e tecnologia assistiva.
Institutos como o CPqD e o Eldorado se dedicam tanto à pesquisa quanto ao desenvolvimento, mas a maioria dos centros, sobretudo os ligados à indústria de celulares, atua concentradamente na ponta do desenvolvimento, com destaque para os aplicativos. Leis e políticas públicas que incentivam o investimento de empresas em P&D sustentam as atividades de boa parte desses institutos. O principal exemplo é o da Lei de Informática, do início dos anos 1990, que concedeu incentivos fiscais, na forma de redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), para empresas que aplicam parte de seu faturamento em pesquisa. No início da vigência da lei, a maioria das empresas usava os recursos em parcerias com universidades. Mais tarde, grandes corporações criaram centros, em geral na forma de fundações sem fins lucrativos, para aproveitar os recursos de forma mais flexível.
Foi o caso por exemplo da Alcatel Lucent, que criou a FITec, instituto com unidades em Campinas, São José dos Campos, Recife e Belo Horizonte, ou o Venturus Inovação & Tecnologia, criado em 1995 por um consórcio liderado pela Ericsson. “Quem diz que a Lei de Informática não gerou empregos nem alavancou a tecnologia no país não sabe o que está falando. O volume de pesquisas produzidas graças ao incentivo da lei é enorme”, diz Marcelo Abreu, gerente de inovação e novos negócios do Venturus. Sediado em Campinas, o instituto tem hoje 300 funcionários e boa parte de seu faturamento vem de projetos encomendados por empresas que se beneficiam da Lei de Informática. Trabalha para vários clientes, alguns concorrentes entre si, e mantém salas e equipes dedicadas a cada projeto, a fim de garantir a confidencialidade.
Um dos principais focos é o desenvolvimento de aplicativos para telefonia móvel. “Fomos responsáveis por desenvolver os aplicativos de celular para as duas últimas Copas do Mundo de Futebol oferecidos pela Sony Mobile a seus clientes no mundo inteiro”, conta Abreu. Em um estudo publicado em 2010, Eva Stal, professora das Faculdades Metropolitanas Unidas, de São Paulo, mostrou que os institutos criados pelo estímulo da Lei de Informática desenvolveram competências inovadoras, diferentes das que costumam resultar de colaborações entre empresas e universidades. “Ao criar os institutos, as empresas tiveram a oportunidade de definir o que iriam fazer, desenvolvendo competências para atender às demandas dos fabricantes globais”, escreveu. A capacidade de gerar soluções novas persiste, observa Gedier Ribeiro, gerente de novos negócios do Instituto de Tecnologia FIT, fundado em 2003 pela indústria de produtos eletrônicos Flextronics, de Cingapura. “Quando uma empresa não encontra a solução que está precisando no mercado, criamos uma tecnologia customizada, que pode ser um robô para sua linha de produção, um conjunto de softwares ou um dispositivo de inteligência artificial”, explica. A instituição, com sede em Sorocaba, tem 260 colaboradores. “Setenta por cento dos projetos baseiam-se em benefícios fiscais. Muitas empresas fazem encomendas e pagam com recursos próprios.”
O modelo dos institutos privados de P&D brasileiros lembra o de organizações de pesquisa e tecnologia (RTOs, na sigla em inglês) criadas em países desenvolvidos. Tais centros cumprem o papel de gerar novas tecnologias e disseminá-las, financiando-se por meio de governos, clientes privados e prestação de serviços de consultoria. É o caso, por exemplo, da alemã IABG, criada pelo governo alemão em 1961 para desenvolver tecnologias para a indústria aeroespacial e privatizada em 1993, que hoje trabalha para a indústria automotiva e de telecomunicações.
Um caso peculiar entre os institutos privados é o do Centro de Pesquisas Avançadas Wernher von Braun, em Campinas, que nasceu da iniciativa de um pesquisador, o físico Dario Sassi Thober. A ideia inicial era realizar pesquisa pura em física, com potencial de aplicação na indústria. Ao longo do tempo, a instituição sem fins lucrativos concentrou-se no desenvolvimento de softwares e semicondutores e no gerenciamento de sistemas que trabalham com um volume muito grande de informações. O centro concebeu o sistema de pagamento de pedágio, utilizado em rodovias do país inteiro, baseado numa etiqueta com um chip instalada em cada automóvel e em um dispositivo de detecção em praças de pedágio e estacionamentos. “Montamos uma operação fabril na Ásia para produção dos semicondutores que desenvolvemos, o que reduziu o custo de operação do cliente”, conta Dario Thober, que se ressente da perda de vários talentos que deixaram o instituto ao longo do último ano. “Vários deles foram trabalhar em empresas de semicondutores em outros países, com salários bem acima do nosso mercado.”
Pesquisa em hospitais
Outro ambiente em que a pesquisa sob encomenda ganhou expressão é a área privada de saúde. O Hospital Sírio-Libanês (HSL), em São Paulo, anunciou em 2015 o desenvolvimento de testes genéticos para guiar a escolha do tratamento mais eficaz contra o câncer e para detectar de forma precoce a progressão da doença e o desenvolvimento de resistência às drogas utilizadas no tratamento (ver Pesquisa FAPESP nº 237). O trabalho, coordenado pela geneticista Anamaria Camargo, foi feito no Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa (IEP), cujos laboratórios ocupam uma área de mil m2. O IEP e outros oito institutos ligados a hospitais no estado de São Paulo seguem um modelo que alia assistência, ensino e pesquisa. A pesquisa é organizada em duas categorias: clínica e experimental. A primeira investiga efeitos de medicamentos e terapias testados em pacientes. Tais estudos podem ser encomendados e patrocinados pela indústria farmacêutica. Já na pesquisa experimental, busca-se conhecimento para combater doenças ou aperfeiçoar tratamentos, ainda que os resultados não tenham aplicação prática em um primeiro momento.
Ana Maria Malik, médica e professora da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), explica que a estratégia de investir em pesquisa ajuda os hospitais a se tornarem centros de excelência. “Eles ganham protagonismo, conseguem absorver bons pesquisadores e isso ajuda a qualificar o quadro de funcionários”, esclarece. Em 2008, pesquisadores ligados ao Sírio publicaram 38 artigos em revistas indexadas. Em 2016, o número deve chegar a 170. “Uma parcela desses estudos parte de casos clínicos de pacientes internados”, informa Luiz Fernando Lima Reis, diretor do IEP-HSL. Em 2016, o Sírio investirá cerca de R$ 20 milhões em pesquisa. Metade vem do orçamento do hospital e o restante é obtido por meio de contratos com a indústria, em ensaios clínicos patrocinados ou projetos de validação de tecnologias. O montante vindo de agências, como a FAPESP e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), representa R$ 1 milhão. Outro R$ 1 milhão vem de doações.
No Centro de Pesquisa da Beneficência Portuguesa de São Paulo são realizadas pesquisas epidemiológicas, principalmente nas áreas de cardiologia e nefrologia, e estudos clínicos financiados pela indústria farmacêutica. Os trabalhos de acompanhamento de pacientes cardiológicos submetidos a procedimentos cirúrgicos de revascularização e angioplastia datam de 2009. Nos últimos três anos, já foram publicados mais de 107 artigos científicos, incluindo, em boa parte deles, pacientes acompanhados pelo hospital. “Estamos buscando novas formas de fomento para a pesquisa”, diz Luiz Eduardo Bettarello, superintendente-executivo de Desenvolvimento Técnico da Beneficência Portuguesa de São Paulo. Já no Instituto de Educação e Ciências em Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a maior parte dos recursos para pesquisa é obtida por meio de parcerias com empresas, observa o neurologista Jefferson Gomes Fernandes, superintendente de Educação e Ciências do hospital. “O instituto tem desenvolvido pesquisas clínicas com a participação de médicos de seu corpo clínico”, diz.
Algumas instituições hospitalares dispõem de incentivos fiscais para fazer pesquisa. “No Brasil, hospitais de excelência são incentivados pelo governo a fazer estudos cujos resultados possam contribuir para a rede de saúde pública”, explica Ana Maria Malik, da FGV-SP. Hoje, seis hospitais se enquadram nessa categoria: em São Paulo, o Sírio-Libanês, o Albert Einstein, o do Coração (Hcor), o Samaritano e o Oswaldo Cruz; no Rio Grande do Sul, o Hospital Moinhos de Vento. Todos participam do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde, o Proadi-SUS, e abatem do imposto de renda montantes aplicados em projetos de pesquisa aprovados pelo Ministério da Saúde. No caso do Hospital Oswaldo Cruz, 16 projetos realizados entre 2012 e 2014 foram financiados graças a uma renúncia fiscal de cerca de R$ 105 milhões.
No Hospital Israelita Albert Einstein, a pesquisa sob encomenda representa 5% dos projetos realizados na instituição. “A maior parte de nossas pesquisas nasce de perguntas feitas por médicos”, conta Luiz Rizzo, diretor superintendente de pesquisa do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein. Atualmente o hospital tem 15 mil funcionários, dos quais 700 estão envolvidos em atividades científicas. No total, há 459 projetos em andamento. Hoje, a principal linha de pesquisa é sobre o envelhecimento. O orçamento voltado para a pesquisa no hospital é de R$ 23 milhões ao ano. Em 2016, além dessa quantia, o hospital conta com mais R$ 5 milhões de recursos obtidos por meio da participação em editais lançados por agências como FAPESP e CNPq, e de parcerias com pesquisadores estrangeiros em projetos apoiados por agências internacionais, como os Institutos Nacionais de Saúde (NIH), dos Estados Unidos.
Entre os hospitais que desenvolvem pesquisa em São Paulo, há aqueles que se destacam pela tradição em certas especialidades. É o caso do A.C.Camargo Cancer Center, um dos principais centros de pesquisa e atendimento especializados em oncologia no país. Em 2015, o hospital realizou 35 milhões de atendimentos, dos quais 62% foram pelo SUS. Cerca de 90 profissionais se dedicam à atividade científica, sem contar parte do corpo clínico e assistencial, que também desenvolve projetos em colaboração com o Centro de Pesquisa, localizado em um prédio no bairro da Liberdade, em São Paulo, que foi inaugurado em 2010 na gestão do oncologista Ricardo Renzo Brentani. Diretor-presidente da FAPESP entre 2004 e 2011, Brentani presidiu a Fundação Antônio Prudente, que mantém o A.C.Camargo, e foi responsável por implementar, em 1997, o primeiro curso de pós-graduação em um hospital privado no país. “O professor Brentani mostrou ao corpo clínico que é relevante fazer pesquisa, não apenas porque isso faz diferença na carreira, mas porque é essencial para combater o câncer”, lembra Vilma Regina Martins, superintendente de Pesquisa e Ensino do A.C.Camargo Cancer Center. Em 2015, foram realizados no hospital 159 projetos e publicados 168 artigos em periódicos internacionais, abordando temas como diagnóstico e tratamento em oncologia, biologia tumoral e cuidados paliativos.
O Centro Infantil Boldrini, em Campinas, também se dedica à pesquisa em câncer. Construído graças a doações, o hospital filantrópico foi fundado em 1978 e especializou-se no tratamento de câncer e doenças hematológicas da criança e do adolescente. Atualmente, trata cerca de 6 mil pacientes – a maioria (80%) é atendida pelo SUS. Na pesquisa clínica, o centro se destaca por ter coordenado, desde 1980, vários protocolos nacionais para tratamento da leucemia linfoide aguda da criança, que contribuíram para aumentar as chances de cura de 5% para 80%. “Com esses estudos cooperativos, congregando vários hospitais do país, o Boldrini conseguiu implementar tecnologias sofisticadas em exames, a citogenética e técnicas de biologia molecular”, diz a médica Silvia Brandalise, diretora-executiva do centro, que deverá inaugurar, em 2017, seu Instituto de Engenharia Molecular e Celular em uma área de 4 mil m² em Campinas, fruto de uma parceria com a Unicamp e o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS).
Agronegócio
Pesquisas aplicadas no campo do agronegócio impulsionam dois tradicionais institutos privados de pesquisa. Um deles é o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), criado em 1969. Em 2011, o CTC tornou-se uma sociedade anônima, tendo como principais acionistas as empresas Raízen e Copersucar, e saiu em busca de novas formas de financiamento para alavancar a pesquisa voltada à cana. Um diagnóstico feito na época mostrou que, embora a produtividade da cana tenha aumentado nas últimas décadas, havia gargalos que impediam ganhos de produtividade expressivos. “Definir um foco e aumentar os investimentos em pesquisa é essencial para ampliar a produtividade e o modelo adotado pareceu ser o mais adequado para responder a esse desafio, pois permite criar alianças estratégicas com outros grupos”, afirma Gustavo Teixeira Leite, presidente do CTC. “A complexidade genética da cana é muito alta: as pesquisas são mais complexas e caras, além de demandarem tempo, o que reduz o interesse das multinacionais em investir no seu desenvolvimento”, diz Leite, que foi presidente no Brasil da multinacional Monsanto.
A meta do CTC é, até 2025, introduzir tecnologias que permitam dobrar a produtividade da cana, hoje na casa das 10 toneladas de açúcar por hectare. Para chegar lá, os cerca de R$ 50 milhões investidos anualmente foram ampliados para R$ 200 milhões por ano. Para dar início ao plano, o centro vendeu 19% de suas ações ao BNDES por R$ 300 milhões, além de ter obtido créditos do próprio banco e da Financiadora de Estudos Projetos (Finep). Também mudou o modelo de negócio, vendendo tecnologia para clientes e recolhendo royalties. Seu time de 450 funcionários, sendo 300 na área de pesquisa, está investindo em várias frentes. O número de programas de melhoramento genético cresceu de um para seis, a fim de criar variedades de cana que atendam às necessidades das seis regiões de produção do país. “O tempo para obter uma nova variedade, que era de 15 anos, foi abreviado para oito anos.” O desenvolvimento de sementes artificiais é outro programa de destaque. “Planta-se cana hoje do mesmo jeito que se fazia no início da colonização: cortam-se toletes, que são jogados na terra, e espera-se que cresçam. A ideia é produzir sementes a partir de um embrião da planta e semeá-la como se faz com os grãos, o que ainda não existe no mundo”, afirma.
Se o CTC se tornou uma sociedade anônima, outra instituição voltada para a pesquisa agronômica, o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), desenvolve suas atividades como uma associação privada, sem fins lucrativos, mantida pelos citricultores e pela indústria de suco. Fundado em 1977, o Fundecitrus investe hoje R$ 23 milhões anuais em pesquisa para o controle de pragas agrícolas. Uma equipe de 15 pesquisadores trabalha em quatro laboratórios sediados em Araraquara e 65 campos experimentais em três estados. Nos anos 1990, com o agravamento da praga Clorose Variegada dos Citrus (CVC), conhecida como “amarelinho”, criou seu Departamento Científico, que herdou os objetivos de uma fundação privada semelhante ao Fundecitrus, a Procitrus. O trabalho, na época, era voltado para a vigilância e erradicação de plantas doentes. “Chegamos a ter 4 mil inspetores e mil veículos, que faziam inspeção e controle. Hoje, nos tornamos um centro de inteligência”, diz Juliano Ayres, gerente do Fundecitrus.
O esforço do fundo, que trabalha com universidades, empresas e unidades da Embrapa, permitiu reduzir a incidência do amarelinho de 50% das plantas nos anos 1990 para 3% este ano. O avanço ocorreu em razão de um conjunto de pesquisas que buscaram compreender os mecanismos de ação da praga e controlá-la – o agente causador da doença, a bactéria Xylella fastidiosa, foi alvo do primeiro sequenciamento genético de um patógeno feito no mundo, com financiamento da FAPESP e contribuição do Fundecitrus. “Nenhuma citricultura do mundo tem programas de pesquisa como o nosso. Hoje, a principal ameaça, uma praga conhecida comogreening, atinge 18% dos nossos laranjais, enquanto na Flórida esse índice chega a 80%”, compara Ayres.
Referência em políticas públicas
Cebrap se mantém com financiamento privado e de agências públicas
Instituto de pesquisa dedicado às ciências sociais e às humanidades, o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) foi fundado no final dos anos 1960 sob a liderança de um grupo de intelectuais e professores aposentados compulsoriamente pela ditadura militar, como o sociólogo e futuro presidente da República Fernando Henrique Cardoso e o filósofo José Arthur Giannotti. Financiado principalmente por fundações sediadas no exterior, como a Ford e a McArthur, o Cebrap, nos primeiros 15 anos, dedicou-se a estudos que se tornaram referência no campo da saúde, da demografia e do desenvolvimento urbano. Após a redemocratização, o financiamento externo minguou e colocou em xeque o modelo. “Vários institutos com o mesmo perfil acabaram fechando, mas nós conseguimos nos adaptar”, diz a socióloga Angela Alonso, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e atual presidente do centro.
Foi necessário, contudo, promover mudanças organizacionais. O Cebrap incentivou seus pesquisadores, que hoje são 38 fixos e mais de uma centena de associados, a prestarem concursos em universidades públicas e deixou de pagar salários a eles – os que são docentes nas universidades públicas trabalham de forma voluntária. Os recursos obtidos com as agências de fomento e organizações públicas financiam grandes projetos, como o Centro de Estudos da Metrópole, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid), da FAPESP, a participação na Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas, e avaliações de políticas públicas para prefeituras.
Outra vocação são os projetos encomendados por instituições privadas – um dos clientes atuais é o Banco Itaú, que pediu ao Cebrap estudos sobre a localização de pontos de aluguel de bicicleta nas principais metrópoles brasileiras. O financiamento público e privado tem mantido o vigor da pesquisa dentro do Cebrap que, no entanto, ainda enfrenta gargalos. A impossibilidade de usar recursos de projetos de pesquisa para atividades administrativas fez com que o centro tivesse dificuldade, por exemplo, para fazer uma obra simples de acessibilidade em sua sede. Uma campanha de doações, direcionada a empresários e ex-alunos, está sendo lançada para ajudar a financiar despesas fixas não relacionadas à pesquisa.