Jornal GGN em 08/12/2017
Existe uma tensão política no Brasil quando o assunto permeia investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Para uns se trata de desperdício e trabalho que deveria ficar para as nações mais desenvolvidas. Para outros, o Brasil tem capacidade de renovar sua trajetória de desenvolvimento até mesmo ultrapassando em algumas áreas países que tem tradição em fazer pesquisa, ciência e tecnologia. E é nesse último grupo que se encaixa o professor e coordenador do Observatório da Inovação da USP, Glauco Arbix.
Em entrevista para Luis Nassif no programa Brasilianas, uma parceria GGN e TV-PUC, Arbix, que também foi presidente da Finep, faz um balanço com elogios e críticas às políticas implementadas por FHC, Lula e Dilma alertando para retrocessos que estão sendo promovidos pela gestão Temer.
O quadro atual da Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil (CT&I)
A área de CT&I no Brasil vivenciou um boom sem precedentes na história do país a partir de 2004, quando pela primeira vez foi considerada estratégica para o desenvolvimento. Entretanto, a partir do segundo governo Dilma (que durou menos de um ano e meio) o setor começou a entrar em dificuldades e investimentos foram cortados.
Dali em diante, destaca Arbix, “a preocupação com ciência e tecnologia desapareceu do mapa”. Hoje o sociólogo não enxerga demonstração alguma do atual governo federal em favorecer pesquisa e inovação no país, como área estratégica. “As agências estão bastante asfixiadas”, fazendo referência a principal delas, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o próprio BNDES.
“As linhas [de investimento e subvenção] secaram e foram auxiliadas por uma diminuição da demanda empresarial por conta da retração da economia”, completa.
As pesquisas acadêmicas crescendo
Por outro lado, a demanda em fazer ciência, até mesmo a parte mais aplicada, segue crescendo em instituições acadêmicas.
“O Brasil criou uma massa de conhecimento e de pesquisadores, uma parcela deles de elite, formada nas melhores universidades do mundo americanas, europeias, mesmo no Japão, Coreia, e esse pessoal sabe identificar tendências e precisa de recursos senão as coisas murcham”, arrematando que uma das grandes confusões da atual equipe econômica do governo Temer é a de realizar cortes arbitrários, sem fazer uma análise de qualidade, o que levaria o país a investir em áreas de retorno para o desenvolvimento, como é o caso da C,T&I.
Finep e BNDES
O coordenador do Observatório da Inovação na USP aponta preocupação com a forma como o BNDES tem sido gerenciado, para se tornar um banco comercial. “Minha pergunta é: para que serve um banco de desenvolvimento público com características de banco comercial?”, questiona.
Além da desmobilização do BNDES em áreas que podem contar apenas com o Estado, a instituição pode atuar como indutora inicial para o desenvolvimento. O professor aponta que a Finep também se encontra em risco: “Parte da atual equipe econômica não tem nenhum apreço nem pela atividade, nem pela Finep”.
As experiências de sucesso
Arbix avalia como positivas as políticas públicas para C,T&I, aplicadas a partir de 2004, mas destaca que elas não seguiram um caminho linear e evolutiva em todo o período dos governos Lula-Dilma.
“Em 2004 houve um avanço gigante depois de anos sem políticas industriais e tecnológicas-científicas”, indicando a Política industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce) como importantíssima para introduzir a preocupação com inovação no país.
“Ela chamou a atenção de empresas e universidades do país de que era fundamental ter ganhos de produtividade como uma forma nobre, vamos dizer, de sustentar o crescimento”, explicando que o sistema produtivo brasileiro, tradicionalmente, foi e continua sendo conservador.
“Uma parte desses setores, na terminologia da direita, acha até hoje que isso [investir em C,T&I] é coisa para a Suíça ou Alemanha. Cansei de fazer palestras em associações de peso onde empresariais onde me diziam: ‘isso é muito bonito, mas é para Frankfurt, Milão, Londres, Paris, Nova York. Não concordo com essa avaliação em hipótese alguma”.
Por outro lado, Arbix aponta que já os setores considerados mais à esquerda acham que investir em inovação e tecnologia é típica do neoliberalismo. “Então tínhamos uma crítica [sobre o setor] meio difus”, completa.
Por conta dessas duas visões limitadoras, o professor considera a Pitce como um marco importante e desmistificador, colocando a inovação como um dos pontos ordenadores da política industrial. Arbix também salienta que investimentos desse tipo haviam sido banidos pela equipe econômica de Fernando Henrique Cardoso, risco que volta agora, na gestão Temer.
Apesar do importante papel da Pitce, no sentido priorizar o debate da inovação como um dos eixos da política industrial do país, Arbix destaca que ela ficou fragilidade politicamente por conta do pouco recurso direcionada. “Foi um momento em que o BNDES estava sendo dirigido por Carlos Lessa, com um perfil um pouco mais duro em relação a questão tecnológica, assim ela não deslanchou muito, mas teve o mérito de colocar a inovação na ordem do dia”.
A Pitce, portanto, ajudou a disseminar a inovação que penetrou nas universidades resultando dela, por exemplo, a Lei da Inovação e, depois, a Lei do Bem, que deu incentivos fiscais para as empresas desenvolverem inovação tecnológica.
O papel do FNDCT
Dessa mesma política de incentivo à C,T&I nasceu também o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), dentro do Ministério de Ciência e Tecnologia, gerenciado pela Finep. A oferta de recursos do fundo seguiu uma curva acentuada positiva de 2003 até 2010 quando, pela primeira vez na história, foi plenamente utilizado para suas funções sem sofrer contingenciamentos ou cortes do Estado. Pelo FNDCT o governo investiu e/ou subsidiou, por exemplo, a construção de infraestrutura, laboratórios e projetos em universidades.
A subvenção econômica
Um ponto importante do FNDCT foi realizar a subvenção econômica, ou seja, ofertar recursos em operações classificadas como “fundo perdido”, em áreas de C,T&I de alto risco tecnológico e que dificilmente empresas, que já têm histórico de aversão a riscos, procuram investir.
Em 2010 as áreas de alto risco tecnológico receberam R$ 500 milhões em investimento, um marco histórico no Brasil. Hoje, destaca Arbix, os recursos não chegam a 20 milhões de reais.
“Quando você faz um projeto de inovação pode imaginar que de R$ 10, R$ 2 ou R$ 1,50 real, vai para área de alto risco, mas as empresa fogem porque é muito incerto, inseguro e demorado [o retorno]. São nessas áreas, por exemplo, que no mundo inteiro o setor financeiro compartilha os riscos com as empresas”, explica.
O Brasil Maior e a Inova empresa
Em 2008 o governo lançou a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), financiada pelo BNDES. Arbix avaliou como ruim a proposta por eleger 25 setores como prioridade de investimentos, “diluindo” a temática da inovação dentro do BNDES.
“Apesar da importância do Banco ele não é o principal instrumento para realizar essa indução, por ser muito grande e ser responsável por uma série de outras operações”, considera.
Na sequência da PDP a então presidente Dilma lançou o Plano Brasil Maior também criticado pelo sociólogo, em primeiro lugar por ter sido construído pelo Ministério da Fazenda que “sabe muito pouco sobre políticas tecnológicas”.
A própria Finep, então dirigida por Arbix, não conseguiu emplacar um projeto pelo Brasil Maior. Para reverter o quadro, o professor conta que a Financiadora apresentou um novo plano para Dilma, chamado “Brasil Maior Inovação”. A presidente gostou, mas alterou o nome para Inova Empresa.
“Foi um plano de 32 bilhões de reais que acabamos fazendo junto com o BNDES. E, [naquele momento], quando todo mundo dizia que as empresas não queriam inovar ou não tinham projetos, a demanda foi de quase 100 bilhões de reais”, considerando o Inova Empresa “o primeiro grande programa inteiramente voltado’ para Inovação e Tecnologia no Brasil com eixo em P&D industrial.
O Inova Brasil foi desenhado para atender empresas de todos os setores com 12 grandes programas de atuação, formados por conselhos que receberam nomes como Inova Saúde, Inova Fármacos. Infelizmente, destaca Arbix, o programa se encerrou depois de 2015.
Arbix observa, ainda, que apesar das críticas ao governo Dilma a Finep não tem do que reclamar em termos de recursos que, de 2011 a 2014 saltaram de 1,2 R$ bilhão para R$ 12 bilhões.
Os investimentos em P&D&I
Todos os países em desenvolvimento que tem alguma preocupação de se emancipar economicamente caminham para investir 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Arbix destaca que o Brasil estava investindo 1,28% em 2014 com planos de alcanar 2%. E havia planejamento para isso com aumento gradual de 5% a 6% ao ano, em cerca de uma década, para alcançar o patamar.
Hoje o professor destaca que não se sabe os números de investimentos do Estado. “O que sabemos é que a regressão é muito grande pelas pessoas que trabalham dentro do Ministério. Extraoficialmente o que tem se falado é que não chega a 1%, quer dizer, regredimos a números de 1998”, frisa.
Como recomeçar uma política científico-tecnológica?
O lado positivo, para Arbix, é que o Brasil mantém algumas empresas de excelência. Por outro lado, o país como um todo, está bastante distante da média das nações industrializadas. Enquanto no mundo se discute a indústria 4.0, a manufatura avançada, o Brasil ainda discute a indústria 2.5.
Inova Petro
Arbix chama o Inova Petro de “grande frustração” da Finep. A ideia era a Petrobras usar seu poder de compra para estimular a tecnologia na cadeia produtiva de gás e petróleo e havia um acordo para isso firmado com a presidência da Petrobras a partir do Inova Petro. Mas, segundo o sociólogo, a empresa acabou fazendo escolhas mais orientadas pelo preço e menos pelo desenvolvimento tecnológico.
“Ainda que, pelo programa, as empresas financiadas deveriam oferecer as mesmas condições que as outras, mas em uma escala menor”. Arbix defende, basicamente, o mesmo que países como Estados Unidos, Noruega, Inglaterra e Holanda fazem, usando o poder de compra do Estado para induzir desenvolvimento tecnológico e, assim, a economia.
“Nós conseguimos fazer isso em um único setor que foi na área de fármacos, com o Ministério da Saúde. Nós trabalhamos a ideia de lançar editais dos principais medicamentos de alta complexidade que o Brasil não produzia, que sangrava o Brasil e que era necessário para o SUS”.
Simplificando, a Finep junto com o Ministério da Saúde, lançou um edital para consórcios público-privados com universidades. Os grupos candidatos que ofereciam o menor preço, qualidade e no prazo que o Ministério pedia ganhavam com investimentos de cerca de 8 bilhões de reais ao ano em compras públicas.
Para Arbix, o Brasil teria condição de dar um salto, usando esse modelo de financiamento, em três áreas industriais: Defesa, Saúde e Gás e Petróleo. O setor que mais avançou foi o de fármacos que antes investia entre 1,5% a 2% do faturamento em ciência e tecnologia, enquanto grandes laboratórios internacionais, como Pfizer, investem em média 25% do faturamento.
Hoje, algumas empresas brasileiras investem 12%. “Então tem uma evolução grande e eu acredito que o Inova Fármacos desempenhou um papel importante nisso”.
Os sistemas de avaliação
Quando saiu da Finep, Arbix havia costurado um acordo internacional para a realização de auditoria externa dos programas de financiamento. “O Brasil tem uma carência muito grande de fazer avaliação no que faz. Isso não foi para frente, infelizmente”, conta o sociólogo.
Para o professor nem todos os avanços em C,T&I obtidos nos últimos anos estão perdidos, algumas áreas ganharam mais musculatura e, apesar do enfraquecimento, estão atuantes. Porém chama a atenção para os atrasos no país.
O papel das Universidades
“O Brasil tem que ter estratégia de desenvolvimento. O mundo todo está caminhando para a inteligência artificial, Big Date, analytics, entende? Nós vamos fazer só isso? Claro que não porque o Brasil tem um parque diferente. Então nós temos que tirar o atraso de algumas áreas. Nos segmentos mais avançados temos que desenvolver essas novas tecnologias e as universidades podem contribuir muito”, defende, entretanto isso não está sendo possível na atual conjuntura, quando as instituições de ensino superior estão submetidas ao corte de gastos promovido pelo Estado com a PECC 55.
Arbix lembra que, no mundo inteiro, as universidades têm colaborado com o desenvolvimento produtivo por meio das chamadas “textlab”, laboratórios de testes. “Nem todas as empresas têm condições de fazer seu próprio laboratório e se conseguissem, muitas não teriam condições de construir espaços com equipamentos de ponta”, salienta.
LNLS – Laboratório Nacional de Luz Síncrotron
Um dos grandes destaques recentes da ciência brasileira, o LNLS, está resistindo a crise econômica e política. Localizado em Campinas, o Laboratório segue construindo o Sírius projeto para desenvolver a fonte de luz sincrotron de quarta geração.
Segundo Arbix, o diretor-geral do LNLS, Rogério Cerqueira Leite, está conseguindo “com um esforço gigantesco” manter o fluxo de investimentos para a tecnologia que é novidade em todo o mundo. “Não se sabe até quando ele conseguirá, a insegurança é muito grande”, destaca.
Arbix explica que apenas a Suécia domina a produção da tecnologia e, ainda assim, o projeto brasileiro é mais avançado e, obter essa tecnologia, colocará o Brasil a frente de todas as nações mais desenvolvidas do mundo.
O sociólogo destaca, ainda, que um ponto importante do LNLS é que, ao contrário do modelo tradicional de outros laboratórios no país, ele propõe a co-participação com outros laboratórios colocando mais jovens para trabalhar ao lado de professores e cientistas gabaritados. “O esquema da pesquisa enclausurada não funciona mais. Quer fazer ciência de gente grande? Então tem que fazer laboratórios multifuncionais e abertos”, conclui.