Galileu, em 24/01/18

ATerra se formou há 4,6 bilhões de anos. Uma massa disforme de rochas em ebulição. Com o tempo as coisas foram tranquilizando, e conforme a temperatura da superfície diminuiu, gases e vapor de água começaram a ser expelidos, formando os primeiros oceanos. Não demorou muito para a vida começar a surgir por aqui.
Com 300 milhões de anos de idade, a Terra viu os primeiros seres unicelulares começarem a surgir. Observar fósseis ou qualquer registro geológico dessa época ajudaria a entender como eram esses primeiros seres e, assim, obter indícios de como a vida se formou. Mas não é tão fácil assim. O mundo ainda era bem caótico e as intempéries destroçaram as rochas. O registro é incompleto.
Mas tem um lugar onde, ainda hoje, as condições são bem parecidas com os primeiros milhões de anos de vida na Terra. O problema é que esse local está a 623 milhões de quilômetros de distância: em Europa, uma das 67 luas de Júpiter.
Estudar Europa é como estudar os primórdios do nosso planeta. O primeiro passo é descobrir se o satélite tem condições de abrigar alguma forma de vida. Para que isso seja possível, três elementos são necessários: água em estado líquido; elementos químicos básicos, como enxofre, carbono, nitrogênio e fósforo; e fontes de energia.
Por meio de observações realizadas pelo telescópio Hubble, cientistas já tem bons indícios de que, sob a fria camada de gelo que cobre Europa, existe um oceano. Devido a rotação em forma de elipse do satélite no entorno de Júpiter, e a forte gravidade que exerce o planeta sobre ela, essa água deve estar em constante movimento, o que acabaria por aquecê-la.
Uma missão da NASA chamada “Europa Clipper” programada para levantar voo em 2020, pretende sobrevoar Europa diversas vezes a fim de confirmar os indícios e teorias. A meta é avaliar se o planeta tem condições de abrigar vida. Outra, em 2030, pretende pousar uma sonda robótica na superfície congelada do satélite natural.
Um grupo de cientistas brasileiros trabalha para dar ainda mais elementos para avaliar se a lua de Júpiter tem condições de abrigar vida. Para isso utilizaram como modelo a mina de ouro de Mponeng, na África do Sul. Com 2,8 quilômetros de profundidade, não tem influência de energia solar, mas nada que impeça a existência de vida.
Lá no fundo, rachaduras colocam a água em contato com urânio radioativo. Ele quebra as moléculas de água e produz radicais livres, que atacam as rochas de pirita (dissulfeto de ferro) e produz sulfatos utilizados pelas bactérias para sintetizar o ATP (trifosfato de adenosina), que é responsável pelo armazenamento de energia nas células. É o primeiro ecossistema já encontrado que sobrevive com base na energia nuclear.
“O interessante das fontes radioativas é que eles podem, e devem existir em praticamente qualquer corpo celeste de nosso universo. Eles são formados por explosões de supernova e isso acontece praticamente em todos os lugares”, afirma o astrobiólogo e pesquisador do Laboratório Nacional de Luz Síncroton (LNLS), Douglas Galante. “Então, basta que tenha água, que vai ter condições para origem da vida”.
Na primeira publicação do grupo de Galante, que saiu no início de janeiro na revista Nature, desenvolveram uma teoria inédita em que propõe um modelo de busca por condições de habitabilidade com base em fontes radioativas. Mas o trabalho não para por aí. Já estão trabalhando em outra publicação, dessa vez mais profundo, avaliando a possibilidade da energia nuclear ter dado origem à vida, seja na Terra ou em outro planeta.
O naturalista britânico Charles Darwin propôs um modelo em que a vida teria se formado a partir de uma poça repleta de materiais orgânicos, como sais fosfóricos e de amônia. Reações provocada por calor ou raios. “O que a ciência tem descoberto é que a vida provavelmente se formou nas fontes hidrotermais submarinas. Fontes que ejetam água e gás extremamente aquecidas no fundo dos oceanos”, conta Galante.
“O que a gente está estudando é uma alternativa para esse tipo de processo, no qual, no lugar de ter uma fonte geotermal, a gente tem fontes de material radioativo que transforma a química da água, produz radicais livres”, diz. “Esses radicais, espécies químicas altamente reativas, poderiam criam as moléculas básicas para a formação da vida”.
De acordo com Galante, moléculas muito complexas, como aminoácidos, açúcares e nucleotídeos, fundamentais para o funcionamento do metabolismo, podem se formar de misturas químicas muito simples. “O que temos aprendido é que essas moléculas não bastam. Você tem que complexificar ainda mais, para a partir de um aminoácido formar uma proteína, o que acontece com a interação com um mineral com catalítico”.
“Você forma os lipídios, que são os ácidos graxos, e de alguma forma eles tem que se combinar para formar uma membrana celular. Essa maneira de combinar as moléculas para formar uma estrutura celular é uma etapa que a ciência ainda não conseguiu elucidar, mas continuamos trabalhando no processo”, afirma Galante, que completa. “Talvez a gente nunca encontre os indícios reais de como a vida surgiu aqui na Terra, mas em laboratório a gente tenta contar essa história”.
O último passo é partir para os experimentos. Se os pesquisadores não sabem como as macromoléculas criam células, com o uso de técnicas avançadas de raios-x, como as disponíveis no LNLS, esperam descobrir quais os minerais com capacidade catalítica necessários para o surgimento da vida, assim como a estrutura desse mineral, modificada diante atividade biológica.
“Esperamos encontrar bioassinaturas. Minerais que, analisando a composição química e a estrutura, possam indicar quando a vida surgiu na Terra, em Europa, ou em outro lugar”, diz. Galante já conseguiu financiamento, graças à primeira chamada do Instituto Serrapilheira, para começar os testes com amostras de Marte e da Terra em busca de estruturas que possam servir como indício do surgimento dos primeiros organismos vivos no planeta”.