UOL em 18/07/2016
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Quem não acompanha o assunto talvez se surpreenda, mas há 20 anos que o Brasil tem o seu acelerador de partículas, o único da América Latina, feito quase que exclusivamente com peça produzidas no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (LNLS/CNPEM), em Campinas (SP).
O UVX, abreviação para “do ultravioleta ao raio-X”, não tem a mesma função do Grande Colisor de Hádrons (LHC), do Cern (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), na Suíça, mas já contribuiu bastante para pesquisas nacionais e internacionais que exigem imagens em escala micro.
Hoje sua tecnologia de segunda geração já ficou ultrapassada, mas ele serve de inspiração para um projeto maior, um dos principais em andamento na área de ciência e tecnologia no país: o Sirius, que pretende competir pelo título de acelerador de elétrons mais moderno do mundo.
É uma construção ambiciosa, que deve consumir R$ 1,5 bilhão em investimentos do governo federal e, se o planejamento for cumprido, funcionará a partir de 2018 –até o momento não foram anunciados cortes de verbas para o projeto.
Mas você sabe por que é importante investir tanto na luz síncrotron?
O Brasil não vai descobrir nenhuma “partícula de Deus” com esse acelerador. A função de aceleradores de elétrons como o UVX e o Sirius é gerar uma luz super brilhante, chamada síncrotron, usada para produzir imagens microscópicas incrivelmente detalhadas e com grande potencial para pesquisas.
Funciona mais ou menos assim:
A aceleração de elétrons a uma velocidade próxima à da luz gera uma radiação que pode ser usada para enxergar em nível molecular. Funciona como um gigantesco microscópio.
Esse detalhamento é importante para pesquisas em áreas tanto da física, química e biologia quanto da medicina, geologia, nanotecnologia, engenharia de materiais e até paleontologia, por exemplo.
Com o Sirius, o Brasil vai estar na ponta da tecnologia ligada à luz síncrotron. Ele vai permitir fazer coisas que em nenhum outro lugar do mundo é possível. Vou ficar feliz quando o Brasil for lembrado por ter o acelerador de elétrons mais moderno do mundo
Antônio José Roque, diretor do LNLS
O UOL visitou o acelerador UVX para descobrir que coisas são essas que ele promete inovar. Ele estava desligado, por motivo de segurança, mas foi possível ter acesso a locais restritos, como o interior da máquina e as salas de controle.
Eis o que o passeio pela aparelhagem, que parece filme de ficção científica, revelou:
UVX, o que você é capaz de fazer?
No acelerador, até 500 bilhões de elétrons recebem o pontapé inicial em um ‘canhão’ e viajam quase na velocidade da luz por um tubo à vácuo. Um campo elétrico acelera as partículas e um campo magnético (imãs) as muda de direção. A cada desvio, os elétrons perdem energia e soltam um fóton (partícula de luz). Essa luz que ‘sai pela tangente’ é dividida em espectro que vai do infravermelho ao ultravioleta e serve para produzir imagens 3D dos mais minúsculos detalhes de uma amostra.
“Trago coração de volta”
Recentemente, uma microtomografia feita no UVX ajudou a descobrir o primeiro coração fóssil, de um peixe pré-histórico que existiu entre 113 e 119 milhões de anos atrás no Ceará. A revelação teve impactos em áreas da biologia e da medicina, para o entendimento da evolução na anatomia do coração e perspectivas para a cura de doenças cardíacas em humanos. As microtomografias também já trouxeram soluções para solo extremamente duro, que dificultava a plantação, para os limites da vida de uma planta desidratada e para implantes ósseos, já que apontaram detalhes do osso em crescimento.
“Revelo mistérios até da vida no espaço”
Cada uma das 17 estações de estudo do UVX usa uma técnica diferente para fazer análises, o que permite diversas abordagens para cada estudo. É possível explorar micro-organismos que foram levados em uma sonda até a estratosfera para serem expostos à baixa pressão e forte incidência de radiação solar para saber o que acontece com a vida nessa situação hostil. Ou ainda esmiuçar as rochas onde é encontrado o petróleo para entender as micropropriedades do material e facilitar a extração do combustível.
“Leio papiros antigos”
É possível aplicar a fonte de luz síncrotron na análise, por exemplo, de pigmentos de tinta de quadros antigos ou em peças arqueológicas. O acelerador já foi usado, por exemplo, para estudar papiros carbonizados achados em biblioteca de cidade vizinha a Pompeia, destruída pelo vulcão Vesúvio. Os papiros seriam destruídos se alguém os manuseasse, mas com o UVX foi possível focar no material da tinta, ler e reescrever o que estava ali.
“Faço sua ciência avançar”
Os resultados dos estudos com luz síncrotron podem ser imprevisíveis e costumam traçar novos caminhos de pesquisa. Uma empresa japonesa usou o acelerador para analisar a borracha usada nos pneus, numa tentativa de reduzir o aquecimento provocado pelo atrito com o asfalto, mas acabou descobrindo que minúsculas partículas de sílica presentes no material poderiam ser arranjadas de forma diferente –a troca feita nos pneus de todos os carros do Japão representava um aumento na eficiência e uma economia em combustível que pagaria todo desenvolvimento feito.
“Coloco a cereja que falta no bolo”
Se uma pesquisa fosse um bolo, o pesquisador faria a massa, rechearia e colocaria a cobertura. “A cereja do bolo é a luz síncrotron que dá”, diz a pesquisadora Nathaly Archilha. “Tem coisa que só se consegue enxergar aqui, só é possível resolver aqui.” Normalmente, o cientista leva uma amostra ao acelerador à medida a pesquisa vai se tornando mais complexa e exige instrumentos de análise mais sofisticados.
“Faço intercâmbio”
O acelerador pode ser usado por qualquer pesquisador do país e do exterior. Duas vezes ao ano são feitas chamadas públicas para projetos científicos. Os selecionados levam os materiais que querem analisar e recebem treinamento sobre como usar os equipamentos. Em 2015, 408 projetos fossem desenvolvidos no laboratório, beneficiando 1.200 pesquisadores. Empresas que fazem muitos estudos, como a petroquímica Braskem, costumam pagar para usá-lo. O Sirius será inaugurado com 13 linhas de luz, mas poderá comportar até 40 linhas no futuro.
“Um maracanã para a ciência”
O UVX é conhecido por suas análises em escala microscópica, mas o Sirius chegará à escala nano, que permite ver componentes de moléculas e átomos. Com mais de 500 metros de circunferência, o novo acelerador parece um estádio de futebol (o UVX possui 93 m). É o Maracanã da ciência, a maior infraestrutura da área já construída no Brasil.