Notícias da ABC, em 19/04/2013
A Academia Brasileira de Ciências entende que novos patamares de desenvolvimento científico e tecnológico não podem ser alcançados somente com esforços individuais ou de forma isolada, pois dependem da participação de diversos setores envolvidos na vida produtiva do país. E acredita que a aliança entre a comunidade científica e o empresariado seja fundamental para o crescimento econômico e da competitividade do país em um mundo globalizado.
Por séculos o Brasil participou da economia global como coadjuvante, exportando matérias primas, exaurindo os recursos naturais disponíveis em seu território, e commodities, subtraindo o valor de sua produção. Nas últimas décadas, este quadro está sendo modificado, sendo que a parceria entre a academia e as empresas tem contribuído significativamente para esta mudança. Para as empresas, esta parceria tem agregado valor à produção, gerado novos produtos e encontrado soluções inovadoras, enquanto para a academia tem fomentado pesquisas, criado novos postos de trabalho e auxiliado na internacionalização da ciência brasileira. Esta parceria também tem sido importante para o desenvolvimento econômico sustentável que o Brasil e o mundo necessitam.
Se a base desta parceria for avaliada pelo volume de investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no país, a verdade é que ela poderia ser maior. O Brasil tem investido cerca de 1% de seu Produto Interno Bruto (PIB) em P&D, parcela insuficiente se comparada ao investimento de países desenvolvidos, como Japão e Estados Unidos, que investem 3,4% e 2,7% do PIB, respectivamente.
Por todos estes motivos, este ano, a Reunião Magna da ABC terá o simpósio “P&D nas Empresas: Desafios”, coordenado pelo Acadêmico Carlos Alberto Aragão de Carvalho, diretor-geral do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). Ele ocorrerá no dia 7 de maio e terá palestras de José Oswaldo Siqueira, da VALE, Bernardo Gradin, da GraalBio, Pedro Passos, da Natura, e Pedro Wongtschowski, da Ultra.
Deixando os desafios desta parceria para serem comentados pelos conferencistas, na entrevista a seguir o Acadêmico explicou a importância da academia e as empresas trabalharem juntas para o progresso econômico, para o conhecimento científico e para a sustentabilidade do planeta.
Notícias da ABC Um indicador bastante utilizado para calcular o desenvolvimento econômico dos países é o investimento de seu PIB em pesquisa e desenvolvimento (P&D). No Brasil, este investimento não está à altura da importância que ele tem num cenário de competitividade global. A que atribuir este baixo investimento?
Carlos A. Aragão Efetivamente, o que o Brasil aplica de seu percentual do Produto Interno Bruto (PIB) em pesquisa e desenvolvimento (P&D) está bem aquém do aplicam países como Japão, Estados Unidos e Alemanha, por exemplo. De certa forma, isto tem origens históricas. A ciência brasileira e, digamos, a tecnologia brasileira, são recentes se comparadas com aos outros países. O Brasil teve o seu primeiro órgão nacional de fomento à pesquisa, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), fundado em 1951. A primeira universidade a ter um papel importante em relação à pesquisa no país, a Universidade de São Paulo (USP), foi fundada em 1934.
O Brasil fez um grande esforço durante os últimos 60 anos para apoiar ciência e tecnologia (C&T) e agora também começa a buscar a inovação. Ou seja, fazer com que as atividades de C&T acabem por se traduzirem em novos produtos, em novos processos, em novos serviços, que venham a passar pelo crivo da sociedade, porque uma inovação só se consagra como tal com o uso, quando bem utilizada. Creio que esta trajetória recente pode ser uma explicação para o fato dos investimentos em P&D no Brasil ainda serem baixos, se comparados aos países desenvolvidos em geral, que possuem uma tradição de C&T maior do que a brasileira, além de uma realização maior de atividades de inovação que envolvam empresas de base tecnológica.
NABC Qual a importância do investimento em P&D para a prosperidade econômica brasileira no mercado global?
Aragão O Brasil tem muitos exemplos sobre a importância de aumentar os recursos em P&D, seja para agregar valor ao produto que comercializava tradicionalmente a preços baixos ou para criar tecnologia de ponta, necessária para a exploração dos seus próprios recursos. Na área de petróleo, de prospecção em águas profundas, foi investimento em pesquisa e desenvolvimento, envolvendo empresas, universidades, centros de pesquisa, institutos tecnológicos, que formou a mão de obra qualificada e tecnologia necessária para este fim. Na agricultura, o sucesso do Brasil está baseado em C&T, como prova o fato da taxa de produção agrícola ser muito superior a de ocupação de terras, além dos produtos gerados – como o etanol, combustível alternativo, renovável, reconhecido internacionalmente. Temos uma indústria aérea de qualidade, que aspira à liderança mundial.
As bases desses casos de sucesso estão no final da década de 1960, início de 1970, com os esforços do Brasil para criar pós-graduações, enviando pesquisadores para o exterior, que, retornando compuseram os quadros das pós-graduações brasileiras. Com esses esforços unidos a uma política de estado eficaz e a boas políticas públicas, criou-se uma riqueza intelectual que gerou e gera soluções que resultam no aumento do desenvolvimento econômico que verificamos nos últimos anos e indicam que, para o país continuar se desenvolvendo, a solução é investir mais. O país precisa de mais ciência, mais tecnologia, mais inovação. É necessário ampliar a base de empresas que investem em pesquisa e desenvolvimento e aproveitar mais os recursos de ciência e tecnologia existentes, de forma a transformar a produção, diferenciando-a no mercado global. O Brasil já atingiu certo patamar, criou estruturas que permitem formar pessoal qualificado, de acordo com padrões internacionais, e tem de ir além, em busca de uma internacionalização que aproveite integralmente esta força de trabalho tão qualificada de que dispomos.
NABC Os benefícios da parceria entre a academia e as empresas costumam ser pautados em investimento de recursos para a pesquisa ou em valor agregado ao produto. Mas, sendo esta uma parceria para o conhecimento, ela deve trazer outros benefícios…
Aragão Para falar de benefícios da parceria academia e empresa para ambas as partes, tomo como o exemplo o Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM), do qual sou diretor, e que agrega o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) e Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano). Esses quatro laboratórios se beneficiam enormemente da interação com empresas, porque nas etapas de produção surgem problemas que o cientista não enfrentaria de outra maneira, problemas relativos à tecnologia ou à ciência básica. Esses problemas fazem os pesquisadores recuarem até a ciência básica para fazerem avançar a tecnologia. Poderia oferecer exemplos sobre a interação que existe no CNPEM com empresas na área química, cosméticos, petróleo e gás, mineração, que instigam os pesquisadores através de desafios interessantes, que só poderão ser resolvidos com inovação.
Para a empresa, está assegurado o aprimoramento dos seus produtos, o que é fundamental para se diferenciar no mercado. A interação de universidades com empresas é realidade incontornável, todo mundo precisa somar esforços para aumentar esta interação, para que empresas no Brasil contratem, tenham um quadro efetivo de pesquisadores para o seu desenvolvimento, assim como as universidades precisam criar espaços de parceria para que esta interação seja constante. Até porque ela significa mais postos de trabalho para os pesquisadores, uma oferta de melhores produtos para os consumidores e produção inovadora e otimizada para as empresas.
Por isso, um benefício da convivência com empresas para os cientistas é o surgimento de problemas, de questões, de desafios que aguardam soluções que apenas eles, com os seus conhecimentos, podem alcançar. As empresas se deparam com gargalos tecnológicos que as impedem de avançar. Para superá-los, a ajuda dos cientistas é inestimável. E tudo o que os cientistas mais desejam é ter um bom problemas nas mãos. A empresa precisa de resultados concretos, de agregação de valor aos seus produtos, assim como a academia tem interesse em processos inovadores, que levem ao desenvolvimento científico. Mas se esta parceria fosse pautada apenas em recursos financeiros, os cientistas estariam prestando serviço somente, mas há algo a mais, e esse algo a mais são as questões, os desafios suscitados pelas demandas dos produtos, das empresas. Um telefone celular, com a infinidade de recursos dentro de um pequeno aparelho, reflete isso. Talvez o consumidor não saiba, mas ele é produto de aproximadamente cem anos de progresso científico. O nome ‘inovação’ traz em si o novo. E o ‘novo’ da inovação, este ingrediente mágico, na opinião dos empresários só acontece “pensando fora da caixa”, uma expressão que eles costumam usar. E isso é algo inerente aos cientistas, a produção do conhecimento, a inovação, o avanço da ciência como um todo que acontece fora da caixa.
NABC Além da prosperidade econômica e da produção do conhecimento, outro aspecto fundamental para a presença da ciência nas empresas é a orientação para um desenvolvimento sustentável. Isto também justifica a aplicação e o investimento do conhecimento científico na produção de empresas e indústrias?
Aragão A agenda da sustentabilidade é incontornável, porque os recursos do planeta são finitos. Fontes de energia, água, poluição, gases de efeito estufa e outros desafios para a ciência compõem esta agenda, que também é das empresas, que precisam aprender a produzir de forma menos agressiva ao planeta. Não há como escapar e apenas a ciência pode ajudar nisto, através da formulação de novas tecnologias, tecnologias limpas, que não apenas preservem os recursos ambientais, mas que saibam utilizá-los de maneira eficiente.
Qualquer intervenção humana na natureza terá efeitos e a presença do cientista nas empresas pode auxiliar no aumento de produtividade com cuidado ambiental. E a agenda da sustentabilidade passa por ciência e tecnologia, por isso é preciso utilizar todo o conhecimento disponível. Com enfoque científico para este tipo de questão, as empresas, as indústrias demonstram considerar a sociedade, o ambiente e a economia. A proliferação de parques tecnológicos e de centros de pesquisa também sugere que o desenvolvimento não será predatório a longo prazo. A capacidade de prever impactos que a ciência oferece é absolutamente necessária para o conhecimento dos cenários futuros que estão sendo construídos, caso sejam utilizados ou não meios sustentáveis de produção. A ciência sempre foi uma alternativa, mas num contexto de alta competitividade entre países, de desenvolvimento tecnológico crescente, mas com recursos naturais cada vez mais escassos, a ciência se transforma em um fator otimização da produção a ser considerado em toda cadeia produtiva.
Os recursos naturais brasileiros trazem benefícios, mas também trazem responsabilidades. O país possui uma biodiversidade fantástica, uma das maiores do planeta, por isso é fundamental ter um programa nacional que utilize esta biodiversidade de uma forma não predatória, mas que, ao mesmo tempo, transforme esta riqueza natural em bens para a sociedade, em riqueza que permita a melhoria das condições de vida da população. E essa é uma tarefa para todos os países. A esperança é que a busca por uma otimização elaborada cientificamente seja levada em conta para o desenvolvimento sustentável, seja na produção industrial, na formulação de políticas públicas ou na constituição de uma agenda comum a todos os países. Os métodos e as ferramentas do conhecimento um dia acabarão por se estabelecer, por avançar e o mundo efetivamente será melhor planejado, discutido de uma forma mais racional, e os seus recursos serão utilizados de maneira mais otimizada, para que nós superemos condições que no século XXI são vergonhosas – como o fato de 1/5 da população mundial viver em situação de miséria.
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Esta é a terceira da série de entrevistas da Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências em 2013, que tem a intenção de compartilhar com os leitores a vasta experiência dos coordenadores de sessão da Reunião e sua compreensão da ciência brasileira em seus múltiplos aspectos. A primeira entrevista foi com o AcadêmicoLuiz Davidovich, um dos coordenadores gerais do evento, que abordou os rumos da ciência no Brasil. A segunda entrevista foi com o Acadêmico Sergio Rezende, coordenador do ciclo de palestras Grandes Projetos, que abordou os projetos científicos de ponta em curso no país.
(Davi Padilha Bonela para Notícias da ABC)