O Engenheiro de Materiais, 30 de agosto/2017
Está sendo construído no Brasil, na cidade de Campinas – SP, aquilo que talvez possa ser considerado o maior marco para a ciência nacional: O Sirius. Trata-se de um acelerador de partículas, no qual feixes de elétrons serão acelerados a velocidades muito próximas da luz e ficarão circulando dentro de um anel de circunferência de 518 metros 24 horas por dia. Os elétrons nesse tipo de acelerador são constantemente submetidos a desvios em suas trajetórias e, com isso, perdem energia na forma de uma radiação eletromagnética chamada de luz síncrotron. Esse tipo de radiação apresenta amplo espectro de comprimentos de onda, abrangendo do infravermelho a raios-X de alto brilho. O acelerador contará com a presença de monocromadores, os quais atuam como filtros que permitem a passagem de um comprimento de onda específico. Assim, será possível isolar os diferentes tipos de radiação eletromagnética gerados e conduzi-los a estações experimentais nos arredores do Sirius, as quais contêm diversos equipamentos científicos das mais diversas áreas. Pode-se imaginar o Sirius como uma fonte que alimenta inúmeros tipos de equipamentos de pesquisa avançados ao mesmo tempo, o que deverá trazer pesquisadores de todo o mundo para o Brasil nos próximos anos.
Atualmente o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) já possui um acelerador do mesmo tipo, chamado de UVX, o qual é o único da América Latina. No entanto, enquanto o UVX é um acelerador de segunda geração, o Sirius será de quarta geração. Em termos de ciência, isso implica na geração de feixes de elétrons mais colimados e mais brilhantes em relação aos demais aceleradores. Assim, experimentos científicos poderão ser realizados com resoluções muito maiores e será possível realizar pela primeira vez determinados tipos de estudos anteriormente inviáveis. A construção de um acelerador de quarta geração tem elevado impacto científico: Atualmente existe apenas um operante no mundo, o MAX IV,na Suécia. Em processo de construção, existem apenas outros dois: o Sirius e o ESRF, na França. O brasileiro é o mais sofisticado.
Qualidade de imagem de raio-X obtida em acelerador de terceira geração, uma categoria abaixo do Sirius. As imagens são obtidas sem destruição da amostra
A ideia de construção do Sirius surgiu em 2008 e ele deve começar a operar em 2018, sendo concluído em 2019. Os segmentos mais beneficiados por sua construção devem ser agricultura, biologia, geologia, energia, saúde e materiais. A Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat) entrevistou o diretor do LNLS, Antonio José Roque da Silva a respeito das novas possibilidades que serão abertas para a engenharia e ciência de materiais. Confira um trecho da entrevista abaixo ou clique para ler a versão completa.
Boletim da SBPMat: – O Sirius será uma fonte de luz síncrotron de alto brilho. Qual é a importância do brilho para as pesquisas em Ciência e Tecnologia de Materiais?
Antonio José Roque da Silva – (…) Um alto brilho influencia as análises de materiais de diferentes formas
- Quanto maior o brilho da luz produzida pela fonte de luz síncrotron, maior é o número de amostras que podem ser analisadas num mesmo espaço de tempo; isso permite, inclusive, fazer experimentos com resolução temporal, em que se acompanha a evolução de reações ou processos, por exemplo, em função do tempo.
- Quanto maior o brilho, melhor é a relação sinal-ruído de diversas técnicas de análise.
- A menor emitância, e portanto maior brilho, permite que menores escalas espaciais sejam sondadas pelas técnicas de análise. Isso abre oportunidades para estudos com feixes de poucos nanometros, importantes para áreas como nanotecnologia, dentre outras.
- Um maior brilho permite que novas técnicas surjam ou sejam exploradas mais efetivamente. Isso ocorre, por exemplo, com a técnica de Coherent Diffraction Imaging. As técnicas de imagem, tomografia e microscopia irão ser bastante beneficiadas pelo maior brilho.
Boletim da SBPMat: – Quais são as limitações do síncrotron UVX que serão superadas pelo Sirius? Por exemplo, nas estações experimentais do Sirius haverá técnicas de caracterização de materiais que não podem ser instaladas no UVX?
Antonio José Roque da Silva: – A primeira diferença entre as duas máquinas é a faixa de energia em que trabalham. Os elétrons no anel de armazenamento do Sirius serão acelerados até a energia de 3 GeV, mais que o dobro da energia do UVX. Isso faz com que raios X de maior energia sejam produzidos e permite que materiais como aço, concreto e rochas sejam estudados mais profundamente devido à penetração dos raios X de até alguns centímetros, contra alguns micrômetros do UVX.
Também pela diferença de energia, o número de elementos químicos que podem ser estudados por espectroscopia de absorção de raios X moles também é diferente. No UVX pouco menos da metade dos elementos químicos pode ser estudada, enquanto no Sirius quase todos os elementos da Tabela Periódica poderão ser estudados.
O baixo brilho e alta emitância do UVX limitam sobremaneira as técnicas mais modernas de síncrotron disponíveis para a comunidade do país. Nanotomografia, imagem por difração coerente, nanomicroscopia de fluorescência, análise de nanocristais, estudos de materiais em condições extremas (altas pressões e altas temperaturas), espalhamento inelástico, acompanhamento temporal de diversos processos, acompanhado de resolução espacial nanométrica e resolução química (importante, por exemplo, para processos catalíticos), dentre várias outras técnicas, não são possíveis de serem realizadas no UVX, ou são realizadas com grandes limitações, e todas poderão ser executadas no Sirius em alto padrão.
Veja também a reportagem da Época a respeito do novo acelerador de partículas brasileiro:
Fontes:
Petroff, Y. Radiação de Síncrotron no Brasil UVX e Sirius. Cienc. Cult. [online]. 2017, vol.69, n.3, pp.18-22. ISSN 2317-6660;
Especial: Sirius, o novo síncrotron brasileiro de última geração;
Para que vai servir o novo acelerador de partículas brasileiro.