Síncrotron é usado na análise de solos da Antártica
Grupo da UFV ligado ao Núcleo Terrantar analisa solos fosfatados, gerados pela ação de pinguins e aves marinhas
Fontes de luz síncrotron oferecem potencial para a realização de estudos com aplicações nas mais diversas áreas do conhecimento. Recentemente, a atual fonte de luz do LNLS mostrou-se uma importante aliada no estudo de solos ricos em fosfato encontrados em pinguineiras na Antártica. Três diferentes técnicas experimentais, disponíveis em três linhas de luz do LNLS, foram usadas para a caracterização química e mineral desses solos: difração de raios X, espectroscopia de absorção de raios X moles e fluorescência de raios X.
Esses estudos estão sendo conduzidos por pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa (UFV) ligados ao Núcleo Terrantar, que investiga os ecossistemas terrestres da Antártica e de ambientes de alta montanha da Cordilheira dos Andes. Coordenado pelo professor Carlos Schaefer, do Departamento de Solos da UFV, o Terrantar é vinculado ao INCT Criosfera (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera), um dos maiores grupos do Programa Antártico Brasileiro (Proantar).

Acima, lâminas de amostras indeformadas de solo da Península Coppermine (Ilha Robert, Antártica Marítima) e, abaixo, amostras de argila de Ellsworth
O Núcleo Terrantar desenvolve trabalhos exploratórios sobre a gênese, mineralogia, material orgânico, morfologia, química, emissões de gases e dinâmica térmico-hídrica de solos afetados por permafrost – ou seja, que ficam pelo menos dois anos consecutivos com temperaturas abaixo do zero grau. Nesses ambientes, as áreas de pinguineras estão entre aquelas que despertam mais o interesse dos pesquisadores.
Nas áreas com alta concentração de aves marinhas ocorrem os chamados solos “ornitogênicos”, gerados pela ação de aves marinhas, como explica o pesquisador da UFV integrante do Terrantar, Davi Gjourup: “A ação biológica dessas aves muda completamente o ambiente naquela área e dá origem a esses solos, que são bem diferenciados. É com esse tipo de solo que estamos trabalhando no LNLS”.
De acordo com Karoline Delpupo, doutoranda em Solos e Nutrição de Plantas da UFV (Universidade Federal de Viçosa) e pesquisadora do núcleo, esses solos representam verdadeiros oásis de vida na Antártica, principalmente em áreas de colonização antiga, nas quais o pisoteio e a acidez do guano fresco (nome dado ao acúmulo de fezes de aves e morcegos) não são limitantes para a colonização de plantas e microrganismos. “Além disso, representam reservatórios naturais de fosfato, fertilizante mundialmente usado como fonte de fósforo para a agricultura,” explica.
Fosfato
A agricultura mundial sofre cada vez mais com a escassez do fosfato, um componente fertilizante essencial para os cultivos. “Trata-se de um macronutriente essencial para o ciclo de vida das plantas, mas que poderá ter suas reservas esgotadas dentro dos próximos 100 anos, nas perspectivas mais otimistas, ou em apenas 50 anos, na visão pessimista”, explica Dalton Abdala, pesquisador do LNLS especializado em ciências do solo. Dessa forma, o estudo de locais com solos ricos em fosfato é importante tanto do ponto de vista econômico quanto ecológico.
A ideia de usar a fonte de luz síncrotron do LNLS para a análise dos solos ornitogênicos da Antártica surgiu a partir do evento científico Enviro2014, promovido pelo LNLS, durante o qual Prof. Carlos Schaefer, coordenador do Terrantar, foi convidado a apresentar suas pesquisas. “Sua demanda por técnicas analíticas mais robustas foi logo percebida pelos pesquisadores do LNLS que estavam presentes no evento, e estabeleceu-se uma discussão sobre as técnicas viáveis para obter um entendimento mais aprofundado do ambiente Antártico”, relata Dalton Abdala, que foi um dos organizadores do evento. “Isso culminou com a atração dos pesquisadores da UFV”.
Tendo em vista a caracterização desses solos, o grupo de pesquisa de Viçosa conduziu experimentos em três estações experimentais (ou linhas de luz): SXS, XPD e XRF, usando diferentes técnicas experimentais e com finalidades distintas. Na linha SXS, de espectroscopia de absorção de raios X moles, buscou-se fazer a especiação química, ou seja identificar as espécies químicas de fosfato disponíveis em três tipos de solos ornitogênicos da Antártica, com gradientes climáticos distintos quanto à temperatura e oferta de água líquida.
Os dados obtidos estão em fase de interpretação, no entanto, observou-se que a linha de SXS representa uma importante fonte de informação acerca do estado de oxidação do elemento e sua geometria de coordenação, como explica Karoline: “Os dados sobre a geometria de coordenação é algo muito novo em estudos sobre solos da Antártica, uma vez que as técnicas convencionais de caracterização não nos possibilitam esse nível de detalhamento.”
Na linha XPD, de difração de raios X, o objetivo foi caracterizar a mineralogia da fração argila de diferentes solos ornitogênicos da Antártica. Além disso, foram feitos experimentos com uso de forno, nos quais a difração de raios-x pôde ser coletada em diferentes temperaturas. Segundo Karoline, isso gerou difratogramas onde foi possível observar exatamente a temperatura onde houve mudança no estado de hidratação de minerais fosfáticos. “Esse resultado contribui muito para o entendimento do intemperismo químico em regiões polares da Antártica”, detalha.
Apesar de os resultados estarem em fase inicial de análise, os pesquisadores já puderam observar que os difratogramas de raios-x gerados a partir da radiação síncrotron são de alta intensidade, o que possibilita o estudo de minerais de baixa cristalinidade.
Na linha de XRF, de fluorescência de raios X, o objetivo foi analisar quantitativa e qualitativamente lâminas de solo coletados de forma indeformada, o que foi obtido através de mapas químicos. Os resultados obtidos para esta linha também estão em fase inicial de análise.
De acordo com Karoline, as linhas de luz do LNLS ofereceram aos pesquisadores a oportunidades de realizar estudos mais específicos e mais refinados em amostras de solos que já haviam sido caracterizadas com o emprego de técnicas convencionais em ciências do solo. “Dessa forma, o Grupo Terrantar pôde avançar no entendimento desses ecossistemas tão importantes para o cenário científico internacional”, conclui.