28/02/2010 – Folha de S. Paulo
“Pode parecer ridícula essa conclusão, mas é isso o que os chamados céticos estão fazendo com relação ao efeito estufa atmosférico”
Pois vejam só, 170 países – ou seja, a humanidade toda – se reuniram para discutir o combate ao aquecimento global, que seria consequência da emissão de gases ditos de efeito estufa de natureza antropogênica. E imaginem só: não existe esse tal de efeito estufa.
Cada um desses 170 países se apoiou em seus cientistas, dezenas de milhões que, de uma maneira ou outra, com umas poucas centenas de exceções, reconhecem a existência do fenômeno. Mas esses 170 governos, essas dezenas de milhões de cientistas pretendem, por motivos ocultos ou pelo menos ainda não desvendados, enganar a humanidade com uma lorota que seria o maior embuste da história – e a prova incontestável disso foi obtida por uns “hackers”.
Um dos especialistas em aquecimento global se vangloriou de que teria apresentado dados de maneira a confundir sua leitura e a percepção por não iniciados de que breves oscilações naturais na temperatura da Terra estariam ocorrendo.
E, embora até agora não tenha sido demonstrado que houve real fraude, esse episódio é suficiente para desacreditar essas dezenas de milhões de cientistas que acreditam que o efeito estufa atmosférico existe. Todos eles seriam, portanto, partícipes do maior engodo da história da humanidade.
Essa suplantaria aquela que fora a até então mais perversa farsa científica de todos os tempos e que foi chamada de “o engodo do homem de Piltdown”. Em 1908, foram descobertos alguns ossos de membros, de maxilar e do crânio de um “primata” por operários em uma caverna. Os indícios eram de que poderiam constituir aquilo que se buscava incessantemente, “o elo perdido” que provaria definitivamente a ascendência do macaco em relação ao homem e, consequentemente, a própria teoria da evolução de Darwin.
Nas décadas seguintes, novas evidências foram adicionadas. Até que um dia, 40 ou 50 anos mais tarde, algumas dúvidas afloraram e finalmente prova definitiva da fraude foi exposta. Dentes haviam sido maquiados e ossos de primatas diversos, inclusive Homo sapiens, preparados e incluídos, compondo assim um indivíduo híbrido.
O principal autor fora o descobridor inicial, Charles Dawson, mas muitos cientistas ilustres, inclusive o jovem e brilhante Teilhard de Chardin, foram acusados de participação acessória.
A mais benevolente interpretação é a de que, com tais provas, derrotar-se-iam as resistências de cristãos e de suas igrejas à teoria da evolução.
Com a demonstração de que o homem de Piltdown era um embuste, poder-se-ia concluir que o criacionismo seria a verdade triunfante. Ou seja, Adão foi feito de barro há cerca de 5.000 anos e sua mulher brotou de sua costela como um cogumelo.
Pode parecer ridícula essa conclusão, mas é exatamente isso o que os chamados céticos estão fazendo com relação ao efeito estufa atmosférico.
Como um especialista se jactou de ter “preparado” resultados, concluem esses senhores que não há efeito estufa atmosférico e que, portanto, os milhões de cientistas que acreditam na sua existência são uns idiotas e só eles, os céticos, os pouquíssimos iluminados com o toque da divindade suprema, como Moisés, tiveram acesso à revelação.
Pois bem, no conturbado debate em torno do conflito religioso, ideológico e científico que se travou depois da publicação do livro de Darwin (“A Origem das Espécies”) e se estende até nossos dias, jamais um intelectual criacionista usou um argumento baseado na fraude do homem de Piltdown para defender suas convicções.
Talvez por elegância intelectual ou por simples inteligência, pois nenhum debatedor honesto usaria uma leviandade de um indivíduo ou mesmo de um grupo para desqualificar o trabalho sério e dedicado de milhares de autênticos pesquisadores e a convicção de milhões de cabeças pensantes. Apenas a vaidade arrogante e a irresponsabilidade intelectual acomodariam esse abuso contra a razão.
É também notável o fato de que, embora o Brasil possua alguns milhares de pesquisadores reconhecidos internacionalmente pela qualidade de suas pesquisas, qualidade esta evidenciada pelo número de citações na literatura internacional, nenhum dos poucos que rejeitam o aquecimento global se insira nesse abundante rol de qualificáveis como autênticos cientistas.
Rogério Cezar de Cerqueira Leite é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), presidente do Conselho de Administração da ABTLuS (Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron).