ABC em Agosto
O impacto da ciência brasileira – no aspecto científico e cultural, socioeconômico e estratégico – foi o tema da primeira sessão do 3º Encontro Nacional de Membros Afiliados da Academia Brasileira de Ciências (ABC), que aconteceu de 27 a 29 de julho na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. Coordenada pelo neurocientista Bruno Duarte Gomes, da Universidade Federal do Pará (UFPA), e tendo como relator o biofísico Kildare Miranda, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a discussão contou com três provocadores que abordaram diferentes aspectos do impacto da ciência, que foram debatidos e aprofundados em seguida por grupos de trabalho envolvendo todos os participantes.
O físico Ado Jorio Vasconcelos (UFMG), que foi membro afiliado da ABC e hoje é membro titular, foi o provocador que abordou o impacto científico e cultural da ciência brasileira. Ele lembrou que o país não vai muito bem nesse aspecto: na lista da Thomson Reuters que apresenta os pesquisadores mais citados do mundo, encabeçada pelos Estados unidos, Reino Unido e China, o Brasil tem apenas quatro cientistas. “Antes tinha dois, então até melhoramos.”
Os números de patentes e de artigos publicados no Brasil avançam, mas os dos países desenvolvidos também, e de uma forma mais substancial. Por isso, precisamos correr. Enquanto na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), de cada dez patentes, uma é licenciada, no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), uma instituição tecnológica de extrema fronteira, uma patente é licenciada a cada duas.
A UFMG teve sua primeira patente licenciada em 2003. Já a Universidade Livre de Berlim começou a produzir patentes em 2004 e, em dez anos, a produção e licenciamento saltaram para a ordem de 2 para 1. “Isso está relacionado à infraestrutura do país, educação e cultura”, afirmou Vasconcelos. A relação da ciência e tecnologia com a cultura, ele continuou, é complexa. Citou como exemplo sites de psudo ciência que falam sobre “cura quântica”, e como esses sites populares poderiam se relacionar com a física – até mesmo recebendo uma espécie de selo de qualidade pelos cientistas dessa área, atestando aqueles que são confiáveis.
Falta comunicação com a sociedade
“Permitir que se tenha acesso ao conhecimento e à cultura científica e artística constituem objetivos da civilização”, destacou o físico. “Mas, na linguagem das contas nacionais, as despesas com saúde e educação são consideradas apenas como consumo.” Vasconcelos mencionou o Sirius, o maior projeto da história da ciência brasileira, um imenso acelerador de partículas do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS). “Ele custou meio bilhão de reais, mas quem não entende de física pensa: ‘para que serve isso?’.”
Ele citou, no entanto, uma boa iniciativa que explora o aspecto cultural da ciência. O evento internacional de divulgação científica Pint of Science, que tem a proposta de levar cientistas para tomar cerveja no bar e conversar sobre temas variados da ciência de uma maneira informal, com um público não especializado. Esse ano, o Pint of Science aconteceu em maio, em 100 cidades de 12 países, sete delas no Brasil. Uma delas foi Belo Horizonte, e Vasconcelos foi um dos cientistas participantes. “O bar estava lotado, todo mundo prestava atenção e teve uma chuva de perguntas. Temos que fazer um esforço grande para que a ciência seja algo para todos, e não só para a academia.” A ABC apoiou a edição carioca do evento.
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Falta interação com a indústria
O cientista da computação e membro afiliado da ABC no período 2008-2012 Edleno Moura (Universidade Federal do Amazonas – Ufam) falou sobre o impacto socioeconômico da ciência brasileira. Comentou que o cenário, hoje, é da academia dissociada da indústria, pois esta foi criada em um tempo em que não existia o setor acadêmico. “Não tinha como ter essa conversa, então eles cresceram sem a gente, por isso pesquisa e desenvolvimento se concentraram em universidades e outras instituições de ciência e tecnologia.”
Nossa indústria, portanto, não tem tradição de fazer pesquisa, como acontece em outros países. “A legislação brasileira foi criada por gente que não sabia que a academia podia ser muito útil. Ela não favorece a interação com a indústria, e precisamos mudar isso”, comentou o jovem cientista. Ele ressaltou que a ciência brasileira tem, sim, impacto econômico, mas às vezes os indicadores que temos não são os métodos mais adequados para mostrar isso.
“Formamos gente qualificada, aumentamos a chance de atração e fixação de empresas”, afirmou Moura, apontando que alguns resultados diretos são muito bons, como os da área agrícola. “Estudamos doenças, melhoramos sistemas para os cidadãos, produzimos mais alimentos. As ciências agrárias são o grande caso de sucesso de impacto na ciência brasileira, mas se olhamos os indicadores, ela aparece mal. Talvez se pesquisassem sobre a produção de uva na França teriam mais citações, porque tem mais gente interessada. Por isso, temos que ter cuidado ao avaliar impacto.”
Moura ressaltou que é possível transformar a economia com ciência, contribuindo para a solução de problemas como a violência, pobreza e corrupção. Para isso, falta aprimoramento de processos, avaliação e a formação de pesquisadores. “Temos que focar menos no número de artigos, medalhas, prêmios, homenagens. Não temos que trabalhar para isso, mas para ter impacto.” Ele concluiu que é preciso criar uma nova indústria a partir da ciência.
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Faltam bons planos de desenvolvimento
O químico e membro titular da ABC Fernando Galembeck (Unicamp) abordou o impacto estratégico da ciência brasileira e as políticas públicas adotadas. Ele apontou que, para definir o queremos que o país seja e como conseguir isso, é preciso criar planos de desenvolvimento eficazes. Nesse contexto, há dois cenários globais.
O primeiro é pessimista: população crescente e inclusão social exigem cada vez mais energia e matéria-prima, com esgotamento de recursos naturais, prevendo, assim um colapso em torno de 2030. O outro cenário é positivo, com disponibilidade de fontes energéticas com geração distribuída – eólica, solar e biomassa -, acesso ilimitado à comunicação, informação, lazer e cultura, manufatura distribuída baseada na reciclagem e no esquema de economia circular, com muita gente trabalhando em casa.
No entanto, não estamos nos preparando bem para atingir o segundo cenário. “Ainda estamos executando o Plano Brasil Maior [lançado pelo governo federal em 2011 para aumentar a competitividade da indústria nacional], que se baseava em desoneração de tributos. Nenhuma meta tinha relação com a ciência e tecnologia e o gasto público nessa área.”
Galembeck informou que, das 35 medidas anunciadas, nove tem efeitos positivos sobre a manufatura e apenas sete melhoram a competitividade do setor produtor de bens de capital mecânicos. “Ou seja, nada que pudesse provocar um impacto.” Não por acaso, o vencedor do Prêmio Nobel de economia Robert Solow, de Harvard, afirmou que o Plano Brasil Maior não é bom, pois contempla apenas incentivos fiscais e linhas de crédito subsidiados via BNDES.
Galembeck criticou o fato de que, muitas vezes, quem ocupa funções de gestão no governo acaba se dedicando excessivamente a suas respectivas áreas, não pensando no país como um todo. “O governo não é uma entidade abstrata, somos nós. Isso faz com que as pessoas, em vez de cuidarem da necessidade do país, busquem apenas ‘se defender’, o que não é bom. Não temos resultados de planos porque são medíocres.”
O químico enfatizou que impacto da ciência brasileira nas políticas públicas é pequeno e tardio – muitas vezes, reduzido ou anulado por medidas e vetos. Citou como exemplo a Lei de Inovação, que está em vigor, mas não vem sendo aplicada. Apenas 0,25% das empresas do estado de são Paulo com condições de utilizar esta lei o fazem, por causa da insegurança jurídica e do pouco conhecimento sobre ela. “A lei cria conflitos, dúvidas, e as pessoas temem pelos problemas que podem ter depois.”
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As principais propostas
Em seguida, os grupos de trabalho se reuniram para discutir cada um dos três temas e estabelecer os principais pontos observados, resumindo as demandas e propostas mais importantes. O objetivo final é produzir um relatório com esses pontos estabelecidos após cada uma das três sessões do Encontro Nacional, a ser entregue para as autoridades. No caso da Sessão 1, as propostas definidas foram:
Impacto científico e cultural:
1- O uso de diferentes mídias, como podcasts, Youtube e jornais de grande porte (por exemplo, com colunas da ABC escritas por Acadêmicos) para falar de ciência.
2- Trabalho junto a assessorias de comunicação para produção de notas de divulgação científica por profissional especializado, em parceria com a ABC e setor produtivo.
3- Força- tarefa no Congresso Nacional para divulgação científica e outros assuntos pertinentes (por exemplo, discussões sobre bases curriculares).
4- Trabalho junto à Capes para estímulo/incentivo/exigência de divulgação científica relacionado à produção nos programas de pós-graduação (teses, dissertações etc).
5- Iniciação científica como agente multiplicador no processo de divulgação científica.
Impacto socioeconômico:
1- Métricas apropriadas para avaliar impacto, que teria que ser específica.
2- Legislação flexível para inovação e cooperação com empresas para poder avançar e avaliar o impacto socioeconômico das pesquisas.
3- Mudanças na educação para popularização e divulgação da ciência.
4- Inclusão da inovação no ensino básico: poucas instituições têm inovação e geração de patentes. Faltam escritórios de patentes voltados para a inovação nas universidades, que não têm ferramenta para contratar um serviço especializado.
Impacto estratégico da ciência brasileira e das políticas públicas adotadas:
1- Inserção na plataforma e requisição junto a candidatos a cargos políticos: este seria o principal momento para inserir/construir um plano de política pública científica junto a candidatos a governo, para que ficasse claro antes mesmo da eleição.
2- Pesquisadores são bastante omissos com relação ao planejamento e fiscalização dos planos que existem, inclusive planos de desenvolvimento da própria instituição.
3- Necessidade de estratégias em ciências voltadas para demandas específicas, bem como projetos mais “livres”, com inovação.
4- Descentralização dos recursos: distribuição e obtenção de recursos por múltiplas fontes, públicas e privadas. As universidades públicas possuem sistemas muito burocratizados com relação à captação de recursos obtidos de certas fontes.
5- Inserção/previsão em projetos para inclusão de administradores, técnicos e outros profissionais para execução desses projetos, com equipe multidisciplinar.