RPANews, 28 de agosto/2017
FORNECER RESULTADOS ANALÍTICOS REAIS, PRECISOS E EM TEMPO HÁBIL PARA TOMADAS DE DECISÕES QUE PERMITAM AUMENTAR OS RENDIMENTOS INDUSTRIAIS, MINIMIZAM PERDAS E AINDA AUMENTAM A PRODUTIVIDADE
O desenvolvimento de novas tecnologias e a evolução das pesquisas e metodologias de monitoramento de qualidade da cana-de-açúcar têm propiciado não só maior precisão, produtividade analítica e confiabilidade nos resultados dos processos de análise, como também vem contribuindo para aumentar a qualidade da gestão industrial e agrícola de uma unidade sucroenergética.
Antes de falar sobre a importância da introdução de novas tecnologias para aumentar a produtividade analítica e a precisão na geração de resultados industriais, é preciso entender que fornecer dados analíticos reais, precisos e em tempo hábil para tomadas de decisões que permitam aumentar os rendimentos industriais, minimizam perdas e ainda aumentam a produtividade dos processos.
Durante muito tempo, as análises de alta tecnologia e precisão relacionadas ao mercado ficavam restritas apenas aos laboratórios de pesquisa e empresas analíticas, todos externos às usinas sucroenergéticas, o que se tornou um grande entrave por conta dos custos e do operacional. No entanto, esta realidade mudou ao longo dos últimos anos. A usinas passaram a reavaliar o custo-benefício e perceberam que havia uma grande necessidade de se obter qualidade analítica e números cada vez mais apurados na eficiência industrial e que, para isso, seria preciso não só ter seu próprio laboratório de PCTS (Pagamento de Cana por Teor de Sacarose) como também as mais modernas tecnologias analíticas.
Segundo Douglas Romano Beletti, assessor científico responsável pelo Desenvolvimento e Aplicação de Tecnologias Analíticas da Cetec, para mostrar a importância das medições na gestão dos processos industriais, as usinas devem considerar o tripé que a representa dentro do processo:
1) amostragem significativa;
2) aferição de massas, volumes e vasões;
3) precisão analítica.
PROCESSO ANALÍTICO BÁSICO
Tudo começa no laboratório de sacarose ou PCTS. A sua estrutura, com interface agroindustrial, fica localizada na entrada da usina, próximo à balança e sua função é analisar a cana que está entrando na unidade e, através do teor de sacarose contido na matéria-prima, fazer o pagamento da mesma. É importante saber que é gerado um coeficiente nas análises que depois será multiplicado pelo valor de tonelada de cana. Este coeficiente é o ATR (Açúcar Totais Recuperáveis).
“Durante a safra é o laboratório que indica a quantidade e a qualidade da matéria-prima processada, fornecendo informações para os boletins agroindustriais e fechamento de alguns KPIs da indústria. Já durante a entressafra, é possível fazer a análise da evolução do canavial prevendo e auxiliando no planejamento estratégico de moagem, bem como indicando a necessidade de aplicação de maturadores”, explica o coordenador da Divisão Industrial do CTBE (Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Biocombustível), Daniel Atala.
As avaliações realizadas neste laboratório são feitas de acordo com duas vertentes: o PCTS – ATR, Fibras, AR%Cana e ART%Cana estimados) e a Eficiência Industrial (Fibras, AR%Cana, ART%Cana determinados). As metodologias e tecnologias aplicáveis para pagamento de cana são supervisionados e dependentes de homologação pelos órgãos fiscalizadores responsáveis nos diferentes estados da união, o que, de forma positiva, permitiu a estandardização e parametrização das metodologias a fim de se promover um padrão analítico e gerar resultados confiáveis que possibilitem o controle do pagamento de cana e a obtenção de rendimentos e eficiências na indústria.
“Um importante avanço dessas metodologias foi que a partir de 2013 o processo de caracterização, qualidade e análise da cana, que já era aplicado pelos órgãos de fiscalização, passaram a ser atestados pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), sendo assim, todos os procedimentos podem ser consultados a partir das diferentes normas”, adiciona Beletti.
Parece ser algo complexo, mas a cana-de-açúcar coletada passará pelos seguintes processos de análise: Balança; Amostragem; Desfibragem e Homogeneização da amostra; Índice de impureza vegetal e mineral; PBU (Peso do Bolo Úmido) e Prensa Hidráulica; ºBrix; pH; Clarificação do caldo; e Leitura Sacarimétrica (Veja detalhado na Figura 1).
“O caminhão canavieiro, ao chegar na usina, passa pela balança e uma pequena quantidade de amostra é retirada – via sondas horizontais ou obliquas – para análise. A amostra é dividida, sendo uma parte para a determinação da impureza vegetal (palha, folhas, palmito etc) e a outra para a desfibragem e homogeneização. Uma fração deste material é usado para a determinação de impurezas minerais (terra, areia pedra etc) em mufla e outra fração é usada na prensa para determinação do Peso do Bolo Úmido (PBU) na parte fibrosa. Na fração líquida, determina-se o ºBrix (sólidos solúveis) e pH antes da clarificação para então realizar a Leitura de Sacarimétrica. Com as informações das análises de PBU, ºBrix, pH e Leitura Sacarimétrica, obtemos o valor do ATR”, detalha Atala.
Utilizando técnicas clássicas como polarimetria, refratometria e aferição de massas é possível determinar os valores de Pol (valor de sacarose aparente a partir do desvio da luz polarizada), °Brix e PBU. “Também são previstas nas normas, e de forma facultativa, a obtenção da fibra diretamente pelo método de Tanimoto e também a determinação do teor de Açúcares Redutores (AR) pelo método de Lane & Eynon. A partir desses três parâmetros é que são estimados, através de cálculos, todos os valores referentes à qualidade da cana: Pureza Aparente, AR%Caldo, Fibra%Cana, Coeficiente C, PC%Cana e, assim, o ARC e ATR, fechando o balanço de entrada e saída do açúcar na indústria”, afirma Beletti.
Em contrapartida, para fazer o cálculo das eficiências industriais é de extrema importância determinar os valores reais de açúcares na cana e no processo. Assim, o balanço por ART a partir da determinação dos açúcares redutores totais é o método mais aplicado na indústria. “Um resultado analítico preciso e gerado a partir de uma amostra representativa, irá reportar um valor proporcional ao volume de material que passou pelo processo, que assim irá depender grandemente de um sistema de medições de alta precisão provindo desde a cana que é pesada na entrada da usina até volumes e massas de todos os subprodutos do processo, que são muito importantes para os cálculos de perdas e os rendimentos individuais de cada estação fabril da usina. Sem uma aferição precisa, se possível com medições redundantes para atestar a eficácia de um equipamento de medição, o tripé não se sustenta”, observa Beletti.
AVANÇOS E TECNOLOGIAS PARA PCTS
No laboratório PCTS, a obtenção dos açúcares pode ser feita através de dois métodos, segundo o especialista da Fermentec, Armando Ferreira Gameiro Júnior:
1) Prensa hidráulica: essencial para o pagamento de cana e acompanhamento de maturação de cana. É uma análise rápida e gera resultados de ATR, ART, AR e fibra da cana a partir de equações de correlação e análises de PBU, Brix e Leitura Sacarimétrica do caldo prensado.
2) Digestor a frio ou ainda Digestor Quente/Frio: atualmente é a forma mais precisa para se determinar os açúcares e fibra da cana, pois o método não sofre interferência das impurezas minerais e vegetais. É indicado para obtenção dos parâmetros usados para cálculos de eficiências industriais e balanço de ART. A análise é mais demorada e deve ser feita de quatro em quatro horas a partir da composição de todas as cargas amostradas no período. Os parâmetros são determinados de forma direta sem o uso de equações de regressão linear.
Gameiro Júnior explica que além das análises de impureza mineral e vegetal, dextrana, amido, acidez e pH servirem para avaliação da qualidade da matéria-prima, ajudam a prever os impactos no parque industrial. “Com as análises da qualidade da matéria-prima é possível fazer correlações e regressões dimensionando o impacto da qualidade da matéria-prima sobre o rendimento industrial, perdas, insumos e qualidade do açúcar produzido. Baseados em números reais, é possível tomar ações em busca de resultados melhores tanto para a área agrícola quanto industrial. Sem os indicadores gerados pelo PCTS a melhoria contínua na usina seria impossível”, destaca.
Em algumas unidades, considerando as diferentes capacidades de moagem e amostragens realizadas no momento de entrada da cana, seria necessário fazer uma análise de grande quantidade de amostras para se contemplar 100% da cana que entra na unidade. As normas estipulam um número mínimo de caminhões a serem amostrados, porém as usinas as vezes acabam praticando números maiores a fim de alçar resultados de amostragens mais próximos o possível da realidade.
Homologada há vários anos nas normas para PCTS, a técnica NIRS (Espectroscopia no Infravermelho Próximo, em inglês Near-Infrared Spectroscopy) se mostrou eficiente no aumento do desempenho analítico do laboratório de PCTS, diminuindo etapas de preparo e com célula de fluxo contínuo em análises que levam menos de 1 minuto, gerando resultados para diferentes parâmetros de qualidade da cana, como Pol, Brix e AR, permitindo assim, economia com insumos químicos e aumento do número de amostras analisadas.
Beletti explica que, com calibrações realizadas através dos modelos matemáticos mais avançados do mundo, utilizando redes neurais artificiais, os equipamentos FOSS, aplicados pela Cetec, além de serem homologados pelos órgãos regulamentadores, trazem reprodutibilidade, repetibilidade e desvios similares ou superiores aos equipamentos de referência, uma vez que após construídos os modelos matemáticos, deve-se apenas fazer as análises convencionais para conferências e ajustes dos modelos de previsão. É possível iniciar os trabalhos para desenvolvimento de calibrações diretamente na cana desfibrada.
DETERMINAÇÃO DA EFICIÊNCIA INDUSTRIAL
Diferentemente das estimativas para PCTS, que levam em consideração os Índices de Preparo da Cana para prática do pagamento, a determinação dos parâmetros de qualidade da cana para rendimentos industriais visa extrair o máximo de açúcar para se obter o real valor de açúcar introduzido no processo através da determinação direta do ART da cana.
Na busca pelo aumento da produtividade industrial a partir da melhoria dos processos, a geração de resultados analíticos de forma mais precisa e rápida se tornou possível graças ao emprego de equipamentos capazes de analisar, com precisão, os valores de açúcares sem a interferência de contaminantes e não fermentescíveis. O balanço de ART (Açucares Redutores Totais) é a metodologia mais empregada para avaliar o rendimento industrial através da análise da cana, das perdas industriais e dos produtos finais.
Neste caso, o extrator (digestor) quente/frio, é tido como melhor alternativa para determinação de eficiência industrial. Isto porque, segundo Beletti, o princípio do método do extrator baseia-se na solubilização total dos açúcares presentes na cana desfibrada.
O procedimento para extração dos açúcares consiste em adicionar 500g da amostra de cana desfibrada e 2.000 g de água destilada no copo do digestor. Ao ligar o Extrator Q/F, a central com eletroválvulas inicia a alimentação com água a temperatura de 90°C, passando pela camisa do copo do digestor até que o extrato no interior do copo atinja 65°C. Após 60 segundos nessa temperatura, as válvulas de alimentação do banho quente são fechadas e acionadas as válvulas de alimentação do banho frio que resfria o copo do digestor até que o extrato fique com temperatura abaixo de 30°C. O tempo do ciclo de difusão é de 25 minutos. “Assim, após a extração obtemos o extrato digestor da cana para avaliação dos teores de sacarose e açúcares redutores, restando o residual sólido não solúvel para determinação direta das fibras através da aferição da massa residual”, completa Beletti.
A cromatografia, uma das técnicas analíticas mais utilizadas no mundo, é baseada na separação dos componentes de uma amostra para posterior quantificação. Através dela, é possível determinar a real quantidade dos açúcares da cana através da análise de sacarose, glicose e frutose, não havendo assim, interferência de outros açúcares não fermentescíveis ou demais compostos. A tecnologia possibilita a melhor quantificação possível do ART da cana e demais subprodutos, além da determinação das perdas no processo.
Beletti afirma que os cromatógrafos garantem estabilidade, reprodutibilidade e repetibilidade na obtenção dos resultados de maneira robusta e versátil, contemplando todas amostras do processo com nenhuma ou baixas diluições, obtendo diferentes parâmetros de controle do processo, além dos açúcares, açúcares álcoois (glicerol e manitol), álcoois e álcoois superiores, e ácidos orgânicos. Além disso, o equipamento é integrado com fácil sistema operacional, o que permite aos analistas conduzirem as análises tranquilamente em sua rotina junto as demais tarefas do laboratório.
“A aplicação das tecnologias NIRS em diversas etapas do processo, em conjunto com a Cromatografia para determinações de rendimentos, permitem a maior produtividade analítica através de análises rápidas, com baixo ou nenhum preparo de amostras, sem utilização de reagentes químicos e com alta precisão e repetibilidade nos resultados, permitindo assim, a tomada de ações em tempo real no processo, diminuindo ou evitando perdas e elevando o rendimento nas unidades fabris”, conclui Beletti.
PASSO A PASSO DOS LABORATÓRIOS DE PCTS |
1) Balança: é primeira fase do processo. Aqui, o caminhão é pesado e é emitido um Boletim para Análise (B.A.).
2) Amostragem da cana: assim que sai da balança, o caminhão carregado de cana posiciona-se próximo a uma sonda, que pode ser horizontal ou oblíqua, onde é coletada uma amostra de cerca de 10 kg de cana. 3) Desfibragem e homogeneização da amostra: a cana passa por uma forrageira, equipada de pás, facas e martelos, que desfibram a matéria-prima que vai para uma betoneira que irá homogeneizar toda a amostra de cana desfibrada. 4) Impureza vegetal e mineral: a coleta da impureza vegetal é feita manualmente retirando-se dos colmos da cana a palha, as folhas e alguns eventuais restos de árvores que podem vir junto na colheita. Já a mineral é um pouco diferente. Após a amostra ser desfibrada é reservado um pouco de cada amostra de cada talhão que entra na usina. Destas, pega-se 30g e coloca-se em um cadim que será incinerado em um forno mufla a uma temperatura de 600 a 800ºC durante 8 horas. 5) PBU e Prensa Hidráulica: nada mais é do que 500g de amostra, prensados a uma força de 250kg/cm³ durante 1 minuto. 6)ºBrix: depois de sofrer a prensagem, a amostra gera o PBU e o caldo. Primeiro afere-se o ºBrix, através do refratômetro, que tem como objetivo medir a refração dos sólidos solúveis contido naquela solução açucarada. 7) pH: o pH do caldo é crucial para identificar a cana que está chegando na usina. Através do pH é possível apontar se a cana está “azeda” ou até mesmo “velha”. A faixa ideal de pH é de 5,2 a 5,5. 8) Clarificação do Caldo: é feita através de uma mistura de hidróxido de cálcio [Ca(OH)2], cloreto de alumínio [AlCl3] e celite. A mistura é adicionada ao caldo que é agitado para que haja a homogeneização da amostra. Após isso, a mistura é passada em um filtro. 9) Leitura Sacarimétrica: após clarificado, o caldo é passado em um sacarímetro para medir o seu teor de sacarose. Após todo esse processo, é gerado através do PBU, ºBrix, pH e Leitura Sacarimétrica, o ATR, que é o coeficiente de pagamento aos fornecedores de cana. |