Publicado originalmente em Revista Pesquisa FAPESP em 26 de fevereiro de 2024
Rotas, processos e matérias-primas para elevar a produção do biocombustível e reduzir seu custo são foco de investigações em universidades e centros de pesquisa
Não é apenas o setor produtivo que se mobiliza em torno do combustível sustentável de aviação. O insumo também atrai o interesse da academia. Uma das principais iniciativas na área foi a criação no ano passado do “Hub de SAF” na E-Renova, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) voltada à inovação em energias renováveis, abrigada na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“A ideia é colocar em uma mesma mesa todos os atores envolvidos na produção e uso do SAF, entre empresas que detêm a tecnologia, universidades que estudam rotas tecnológicas, companhias aéreas, Anac [Agência Nacional de Aviação Civil], ANP [Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis]”, afirma o engenheiro químico Rubens Maciel Filho, coordenador da E-Renova e professor da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp.
Maciel sustenta que o Brasil é o país com a maior capacidade de fabricação do combustível alternativo. “Devemos produzir aqui para não precisarmos exportar etanol e depois comprarmos o biocombustível de aviação”, diz o pesquisador, membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa em Bionergia (Bioen).
“É uma enzima interessante porque ela consegue fazer essa conversão e, ao mesmo tempo, é capaz de desoxigenar a molécula”, explica o engenheiro químico Edvaldo Morais, líder da Divisão de Biorrefinarias e Recursos Naturais do LNBR. “Em um processo convencional, é preciso uma etapa de reação a mais, com o uso de hidrogênio para retirar o oxigênio das moléculas provenientes da biomassa.” Outros dois artigos sobre as pesquisas realizadas no CNPEM foram divulgados nas revistas Chemical Engineering Journal e Resources, Conservation and Recycling no ano passado.
Na Unicamp, outro projeto financiado pela FAPESP investiga, por meio de simulações computacionais, a viabilidade econômica de biorrefinarias usando a rota ATJ a partir de dois insumos: etanol de segunda geração da cana-energia (variedade com mais fibra e mais resistente a pragas) e hidrogênio sustentável gerado a partir de um produto do lixo urbano, o combustível derivado de resíduos (CDR). “A ideia é boa na ótica da sustentabilidade, mas ainda precisamos avaliar se é economicamente viável”, diz o engenheiro químico Adriano Mariano, responsável pelo projeto, da FEQ-Unicamp.
O papel do hidrogênio
O hidrogênio é um insumo vital para a produção do SAF. É ele que reage com o dióxido de carbono (CO2), gerando os hidrocarbonetos de cadeia longa semelhantes aos do querosene de aviação. O Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído com recursos da FAPESP e da Shell, e o Grupo de Pesquisa em Bioenergia (GBio) do Instituto de Energia e Ambiente (IEE), da Universidade de São Paulo (USP), desenvolvem um projeto para estimar o potencial de produção de hidrogênio por diferentes rotas pelo setor sucroalcooleiro. Os pesquisadores vão analisar os dados das quase 400 usinas produtoras de etanol no país.
“O hidrogênio verde é essencial para todas as rotas de produção de SAF”, pondera a analista de relações internacionais Laís Forti Thomaz, professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) e integrante do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão de assessoramento da Presidência da República.
“As duas rotas das quais podemos aproveitar mais pela abundância de matérias-primas são a ATJ, em relação ao etanol, e a Hefa, que usa soja, óleo de cozinha reutilizável ou gordura bovina. Já temos uma cadeia do biodiesel muito forte que pode ajudar na produção das matérias-primas”, sustenta Thomaz, destacando que o ideal é que não se aposte em apenas uma via. “O melhor é promover o desenvolvimento de todas as rotas.”
Três perguntas sobre o combustível sustentável
1. De que é feito o SAF?
Combustível líquido alternativo ao de origem fóssil, ele é produzido a partir de resíduos agrícolas e florestais, oleaginosas, resíduos sólidos urbanos, óleo de cozinha usado, entre outros insumos. Também pode ser sintetizado a partir de um processo de captura de dióxido carbono (CO2) na atmosfera. Misturado ao querosene de petróleo ou puro, dispensa modificações nas aeronaves atuais e na infraestrutura de abastecimento.
2. Qual é sua principal vantagem?
Como a estrutura química do SAF é igual à do querosene de aviação, ele também libera CO2 quando queimado. Analisando seu ciclo de vida, porém, gera uma emissão menor de gases de efeito estufa (GEE). Dependendo da rota tecnológica e da matéria-prima empregada, pode reduzir em até 80% as emissões de GEE.
3. Quais as vias tecnológicas para sua produção?
Oito rotas já foram homologadas pela Sociedade Americana de Testes e Materiais e aprovadas pela ANP. As principais são:
— Hefa (Hydro-processing of Esteres and Fatty Acids): rota mais madura, foi certificada em 2011. A produção se dá pelo hidroprocessamento de ésteres e ácidos graxos. Utiliza como matérias-primas óleos vegetais (soja, palma, macaúba, babaçu, algodão, mamona, girassol, entre outros), óleo de cozinha usado e gordura animal, como sebo bovino. Demanda grande quantidade de hidrogênio no processo de produção.
— ATJ (Alcohol-to-Jet): certificada em 2016, emprega amidos, açúcares e biomassa celulósica. O etanol de cana-de-açúcar ou de milho pode ser matéria-prima. Também há elevado consumo de hidrogênio.
— FT (Fischer-Tropsch): Certificada em 2009, usa biomassa proveniente de resíduos urbanos e agrícolas e florestais (cana, eucalipto e outros). Durante o processo, a matéria-prima é gaseificada, transformada em monóxido de carbono e hidrogênio (gás de síntese), que depois é convertido no biocombustível.
FONTES Projeto de Lei nº 4.586/2023; estudo “Análise econômica de diferentes rotas de produção de combustíveis sustentáveis de aviação” (ProQR); Darlan Santos/Anac; Iata.
Projetos
1. Novos mecanismos de P450: Uma estratégia enzimática para a produção de hidrocarbonetos renováveis (nº 19/08855-1); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora Leticia Maria Zanphorlin (CNPEM); Investimento R$ 168.949,39.
2. Produção de biodiesel e hidrocarbonetos renováveis via rota enzimática: Da obtenção da enzima à avaliação econômica do processo integrado (nº 18/04897-9); Modalidade Bolsa de Pós-doutorado; Pesquisador Antonio Maria Francisco Luiz Jose Bonomi (CNPEM); Beneficiária Letícia Leandro Rade; Investimento R$ 560.516,67.
3. SYMBioref: Biorrefinaria de Cana Energia Simbiótica (nº 23/01072-7); Modalidade Programa Bioen; Pesquisador Adriano Pinto Mariano (Unicamp); Investimento R$ 230.544,71.
4. Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) (no 20/15230-5), Modalidade Centros de Pesquisa em Engenharia (CPE); Pesquisador Julio Romano Meneghini (USP); Investimento R$ 17.261.689,15.
5. Projeto BioValue – Valorização da cadeia produtiva descentralizada de biomassa visando à produção de biocombustíveis avançados: Desenvolvimento e avaliação de rotas termoquímicas integradas à produção de biomassa e a rotas bioquímicas (nº 16/50403-2); Modalidade Programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite); Pesquisador Antonio Maria Francisco Luiz Jose Bonomi (CNPEM); Investimento R$ 1.262.596,21.
Artigos científicos
RADE, L. et al. Dimer-assisted mechanism of (un)saturated fatty acid decarboxylation for alkene production. PNAS. v. 120, n. 22. 2023.
CHAGAS, M.F. et al. From enzyme to cell-factory: Economic and environmental assessment of biobased pathways to unlock the potential of long-haul transportation biofuels. Chemical Engineering Journal. v. 469. 2023.
PETRIELLI, G.P. et al. Integrating carbon footprint to spatialized modeling: The mitigation potential of sugarcane ethanol production in the Brazilian Center-South. Resources, Conservation and Recycling. v. 189. 2023.