Nature Communications destaca pesquisa brasileira sobre como patógenos combatem sistema de defesa de plantas
Pesquisadores brasileiros publicaram na revista científica Nature Communications um artigo sobre descobertas do funcionamento do metabolismo de compostos relacionados à lignina, presente nas paredes celulares vegetais e um dos principais sistemas de defesa das plantas. Desenvolvido durante cinco anos no Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), o projeto tem como propósito o aumento da produção de bioquímicos e outros produtos a partir de biomassas, mas também poderá auxiliar no combate a doenças que afetam a agricultura, em especial a cultura de cítricos.
A aprovação da Nature Communications atesta a relevância da pesquisa para o desenvolvimento de biofábricas microbianas mais eficientes e robustas capazes de transformar biomassas vegetais em biocombustíveis, bioquímicos e biomateriais, como etanol, bioplásticos e outros produtos.
O estudo liderado pela pesquisadora Priscila Oliveira de Giuseppe foi publicado no artigo “Resolving the metabolism of monolignols and other lignin-related aromatic compounds in Xanthomonas citri“. Segundo ela, o objetivo da pesquisa era preencher lacunas de conhecimento, focando em microrganismos pouco estudados para entender todas as etapas enzimáticas necessárias para transformar os blocos de construção da lignina em produtos químicos que tenham aplicações no nosso dia-a-dia.
“Enquanto muitos estudos se concentravam em bactérias de solo, havia uma lacuna no conhecimento sobre patógenos (organismos como bactérias, vírus e fungos que causam doenças em outros seres vivos) de plantas, o que levou a equipe a se concentrar nesse aspecto da pesquisa”, explica a pesquisadora do CNPEM.
A pesquisa não só avança na compreensão fundamental do metabolismo de compostos aromáticos, mas também abre novas possibilidades para aplicações biotecnológicas. “Queríamos explorar o desconhecido e entender como a bactéria Xanthomonas citri supera o desafio da toxicidade dos compostos de lignina e os transforma em outras moléculas de interesse industrial, um tema pouco abordado na época,” explicou.
O estudo foca na compreensão de como a Xanthomonas citri, um patógeno de plantas, processa três principais precursores da lignina, os álcoois p-cumarílico, coniferílico e sinapílico, e revela como essa bactéria se protege do efeito tóxico de alguns produtos da degradação dessas moléculas. Esses compostos desempenham um papel vital nas defesas das plantas contra patógenos, e também têm potencial como fonte renovável de carbono para a produção de produtos químicos de base biológica.
Além da contribuição para a ciência fundamental, a descoberta de uma nova via metabólica para o processamento de componentes da lignina abre perspectivas promissoras para o desenvolvimento de novas estratégias de manejo de doenças e produção sustentável de químicos.
Estudo pode contribuir para combater pragas na produção de laranja
O grupo estudou uma bactéria que causa o cancro cítrico, conhecido por ter impacto na produtividade especialmente na cultura de laranja, muito suscetível à praga. Como a descoberta aconteceu a partir de uma bactéria que causa a doença em plantas, as implicações do trabalho também se estendem para o setor agrícola, tanto no desenvolvimento de plantas mais resistentes a patógenos quanto em tratamentos para combate a pragas causadas por bactérias do gênero Xanthomonas.
Neste ano, a produção de laranja no cinturão citrícola de São Paulo e Minas Gerais deve ter uma queda de 24%, conforme estimativa do Fundecitrus, causada por doenças e pela seca. O Brasil, maior produtor mundial de laranja segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), é responsável por 21,5% da produção global, com São Paulo concentrando 77,2% da produção nacional. O Brasil responde por 79% do suco de laranja comercializado globalmente, segundo a CitrusBR (Associação Nacional de Exportadores de Suco).
O desenvolvimento da pesquisa pode ter aplicações ainda mais amplas na área agrícola, já que o gênero Xanthomonas engloba várias espécies que infectam diferentes outras plantas além da laranja, como morango, banana, feijão, cana-de-açúcar, repolho e muitas outras.
A equipe de pesquisadores que participou desse estudo é formada, além de Priscila, por Damaris B. Martim, Anna J. V. C. Brilhante, Augusto R. Lima, Douglas A. A. Paixão, Joaquim Martins-Junior, Fernanda M. Kashiwagi, Lucia D. Wolf, Mariany da Silva Costa, Fabrícia F. de Menezes, Rafaela Prata, Matheus C. Gazolla, Juliana A. Aricetti, Gabriela F. Persinoti e George J. M. Rocha.
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