Folha de S. Paulo, em 15/04/2013
O biólogo Márcio Dias, 35, abre um sorriso ao mostrar as placas contendo amostras da bactéria do gênero Streptomyces que ele acaba de tirar de uma geladeira do seu laboratório no LNBio (Laboratório Nacional de Biociências), em Campinas. “Essas aqui são verdadeiras fábricas de antibióticos”.
Os Streptomyces são uma família de bactérias de solo responsáveis por vários antibióticos importantes como a estreptomicina, a vancomicina, a eritromicina, a gentamicina e a neomicina.
Dias, que recebeu financiamento da Fapesp (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo) para sua pesquisa, trabalha com duas técnicas: a produção de um novo antibiótico a partir de outro, que é naturalmente secretado por cepas do gêneroStreptomyces, e o desenho de fármacos dirigidos para uma doença específica, por meio do “cultivo” de pequenas moléculas, chamadas fragmentos.
TÉCNICAS
Antibióticos são moléculas com a capacidade de matar ou diminuir a taxa de crescimento de micro-organismos como bactérias e parasitas.
“Na biotecnologia aplicada ao desenvolvimento de antibióticos, o objetivo é fazer modificações no antibiótico naturalmente secretado pela bactéria por meio da manipulação de enzimas da sua biossíntese, ou seja, das enzimas que estão relacionadas à formação deste antibiótico”, explica Dias.
Enzimas são catalisadores biológicos, responsáveis, nesse caso, por acelerar as reações químicas que produzem o antibiótico dentro da bactéria.
De uma determinada cepa de Streptomyces, extrai-se o genoma total da bactéria, e por meio de uma técnica conhecida como PCR, isolam-se os genes relacionados às enzimas que se quer estudar.
Para entender o funcionamento dessas enzimas, utiliza-se uma técnica chamada cristalografia por raio-X, que permite conhecer a forma dessas enzimas e a posição que cada átomo ocupa nessa estrutura. A partir disso, os pesquisadores podem fazer modificações na enzima, buscando modificar a sua especificidade, o que permite que diferentes grupos químicos, como açúcares, possam ser adicionados ao núcleo central do antibiótico, alterando as suas propriedades.
Os pesquisadores buscam com esse processo gerar fármacos mais eficientes, com menos efeitos colaterais, e que consigam contornar a resistência de doenças.
Já no desenho de drogas baseado em fragmentos, os cientistas buscam atacar uma doença específica, no caso da pesquisa de Dias, a tuberculose, causada pela bactéria M. Tuberculosis. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, houve 8.7 milhões de novos casos de tuberculose em todo mundo em 2011, concentrados principalmente nos países em desenvolvimento.
A técnica baseia-se na modificação de fragmentos (pequenas moléculas), geralmente de fármacos já existentes, para a geração de novos antibióticos.
O alvo é novamente as enzimas, mas, nesse caso, as do patógeno.
“Na minha pesquisa, eu trabalho com a síntese de folato, uma molécula fundamental para a sobrevivência da bactéria, que apresenta enzimas bem estabelecidas como alvo”, disse Dias.
Essas enzimas são então comparadas com uma biblioteca de fragmentos, e são selecionadas as moléculas que possuem afinidade com essas enzimas.
O ponto aqui é entender como essas pequenas moléculas interagem com a enzima do patógeno, e buscar acrescentar a elas modificações que aumentem essa interação, ou afinidade. Utilizando a cristalografia de raio-x, é possível conhecer a estrutura atômica do complexo fragmento-enzima.
“Com base nessa estrutura, sabemos como “crescer” esse fragmento, por meio de síntese orgânica, aumentando sua afinidade pela enzima do patógeno”, disse Dias.
Segundo o pesquisador do LNBio, os compostos desenvolvidos por ambas as técnicas podem então entrar no grande funil para a geração de novos medicamentos, que inclui testes em animais e em humanos, em um processo que demora 10 a 15 anos em média.
Repercussão: Biblioteca Virtual FAPESP, InterJornal,