27/04/2009 –Jornal da Ciência
Obra de Arnaldo Antunes é escrita em fio com 1 milésimo da largura de um cabelo. Trabalho surgiu da ideia de artista plástico em parceria com físicos da Unicamp e do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas
Um fio mil vezes mais fino do que um cabelo. Nele, uma única palavra: “Infinitozinho”, tirada de um poema-escultura do compositor Arnaldo Antunes.
Da união entre dois institutos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e o LNLS (Laboratório Nacional de Luz Síncrotron) surgiu esse que os pesquisadores acreditam ser o primeiro “nanopoema” brasileiro. Ou o primeiro poema grafado com tecnologia especial numa estrutura na escala de nanômetros. Um nanômetro vale 10-9 metro, igual a um milionésimo de milímetro.
O experimento foi realizado em março no Centro de Nanociência e Nanotecnologia César Lattes do LNLS a partir de uma ideia do poeta e músico Juli Manzi, nome artístico do doutorando do Instituto de Artes da Unicamp Giuliano Tosin, que, desde 2006, desenvolve pesquisa para a tese “Transcriações: reinventando poemas em meios eletrônicos”.
“Em uma conversa com meu irmão Giancarlo Tosin, físico do LNLS, fizemos uma avaliação das tecnologias recentes que estariam ao alcance para uma transcriação poética. O critério era de que a tecnologia deveria veicular conteúdo verbal de forma perceptível. A nanotecnologia parecia ser a que melhor se encaixava em nosso propósito”, explica Manzi.
Em seguida, ele procurou o professor Daniel Ugarte, do Instituto de Física. Ambos definiram que a melhor alternativa era realizar furos em um nanofio de fosfeto de índio, um material semicondutor, com um feixe de elétrons gerado no microscópio eletrônico de transmissão em varredura inaugurado neste ano no LNLS. O aparelho foi financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
Luiz Henrique Tizei, doutorando no Instituto de Física, realizou o procedimento de escrita no nanofio desenvolvido pelas pesquisadoras Thalita Chiaramonte e Mônica Cotta.
A palavra-poema foi escrita de trás para diante, a partir da extremidade livre do nanofio, com o microscópio modelo JEOL2100F-URP. As medidas são da ordem de 35 nanômetros por 440 nanômetros – um milésimo de um fio de cabelo.
Elétrons escultores
“Tudo consiste em escavar o nanofio com um feixe de elétrons. Poderíamos dizer que fomos esculpindo furos no nanofio. Tudo levou cerca de cinco horas”, explica o físico Tizei.
“Quando o Giuliano falou que o poema consistia em uma palavra, ficou bem mais fácil”, brinca Ugarte, que pesquisa a nanotecnolgia há 20 anos.
Juli Manzi diz crer que o resultado seja inédito no Brasil. “Experiências similares com poesia já foram realizadas em outros países, como na Universidade de Cardiff, no Reino Unido, em 2007. As imagens do “nanopoema” serão expostas inicialmente em banners impressos, como um poema-cartaz”, conta.
“Vi o trabalho [o poema de Arnaldo Antunes] na 2ª Bienal de Artes Visuais do Mercosul, em Porto Alegre, em 1999. Há a semelhança entre o conteúdo do poema e o novo ambiente gerado para a transcriação, pelas relações entre o diminutivo e o muito pequeno. As propriedades semânticas pareciam caber perfeitamente no contexto da nanoescritura.”
(José Alberto Bombig)
Físico propôs nanografia em 1959 nos EUA
Escrever em superfícies muito pequenas é um sonho antigo dos tecnólogos. De fato, foi esse desejo que levou à fundação da nanotecnologia. Aconteceu em 29 de dezembro de 1959, no Instituto de Tecnologia da Califórnia, num evento que, de certa forma, envolveu o Brasil.
Naquele dia, um auditório cheio assistia a uma palestra do genial físico americano Richard Feynman (1918-1988), com um título provocador: “There’s plenty of room at the bottom” (há lugar de sobra lá embaixo).
Na sua conferência, Feynman propunha a exploração de um novo campo da física, “o problema de manipular e controlar as coisas numa escala pequena”.
O exemplo que ele deu da primeira aplicação prática do domínio desse problema ecoa diretamente no experimento feito pela Unicamp.
Feynman afirmou que era possível copiar os 24 volumes da Enciclopédia Britannica na cabeça de um alfinete. Foi além: propôs que, uma vez que a tecnologia para fazer isso estivesse disponível, seria possível copiar todos os volumes da Biblioteca do Congresso dos EUA, da biblioteca do Museu Britânico e da Biblioteca Nacional da França no espaço de 24 milhões de cabeças de alfinete – três metros quadrados.
Ele afirmou que se a biblioteca da “Universidade do Brasil” pegasse fogo, “nós poderemos mandar-lhes uma cópia de todos os livros da nossa biblioteca (…) num envelope não mais pesado que uma carta comum.”
Mas, apesar dos avanços, ainda não há enciclopédias copiadas na cabeça de um alfinete. Continua havendo espaço de sobra lá embaixo.
(Folha de S. Paulo, 27/4)