03/2009 – Revista Pesquisa Fapesp
Projeto financiado pela FAPESP ajuda a desvendar o comportamento de nanoestruturas
Interessado em desvendar como a natureza funciona em seu nível mais íntimo – a escala dos átomos, os blocos formadores da matéria –, o físico argentino Daniel Ugarte teve de fazer mais do que planejar seus experimentos. Precisou aprender a montar e a ajustar os microscópios superpotentes que utiliza e até mesmo a projetar os edifícios do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) que abrigam esses aparelhos, sensíveis a sutis vibrações no solo causadas pela passagem dos carros na rua. Em pouco mais de 15 anos no Brasil, Ugarte publicou uma série de descobertas fundamentais para a compreensão de como a matéria se comporta nessa escala tão reduzida e para o desenvolvimento da eletrônica do futuro. O mais recente desses achados, descrito em janeiro na Nature Nanotechnology, é a identificação de uma estrutura atômica totalmente inesperada: um tubo quadrado com menos de 0,5 nanômetro (milionésimos de milímetro) de espessura, a menor estrutura tridimensional oca formada pela prata, o mesmo material usado na confecção de joias e moedas há milhares de anos.
A descoberta de que a prata naturalmente assume esse formato é mais um caso de sucesso do mais completo laboratório de microscopia eletrônica do país, que Ugarte começou a montar em 1998 no LNLS. Hoje integrado ao Centro de Nanociência e Nanotecnologia Cesar Lattes – construído com R$ 6 milhões da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e inaugurado em março de 2008 –, o Laboratório de Microscopia Eletrônica (LME) tem seis salas de alto desempenho, que ocupam 600 metros quadrados, e cinco poderosos microscópios adquiridos a um custo de R$ 8 milhões financiados pela FAPESP.
São três microscópios eletrônicos de transmissão, destinados a analisar o arranjo atômico dos materiais em diferentes níveis de resolução, e dois microscópios eletrônicos de varredura, que produzem imagens tridimensionais. De todos, o mais poderoso é o microscópio de transmissão analítica, comprado em 2005 e em fase final de instalação, capaz de identificar os elementos químicos componentes do material estudado. Em dez anos de atividade, completados neste mês, o laboratório recebeu cerca de 400 pesquisadores de diferentes instituições, ali treinados para usar esses microscópios e fazer as medições de que necessitavam, e gerou centenas de artigos científicos.
No experimento que revelou o novo formato de nanotubo, Ugarte e o físico peruano Maureen Lagos, aluno de doutorado de Ugarte na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), colocaram uma finíssima lâmina de prata, com dezenas de átomos de espessura e milhares de largura, em um miscroscópio de transmissão de alta resolução. Esse microscópio gera imagens ampliadas milhões de vezes, o suficiente para discernir os átomos. Em seguida, os físicos bombardearam a folha de prata com feixes de elétrons (partículas de carga elétrica negativa), expulsando milhares de átomos e deixando-a como um queijo suíço. Ao esburacar a folha, eles esculpiram bastões ultramicroscópicos que, ao ficar com oito átomos de espessura, começavam a se alongar espontaneamente até romper, como um chiclete puxado pelas extremidades.