Por Tilt UOL, em 11/07/2020
Sem tempo, irmão
- Acelerador de partículas brasileiro Sirius revela imagens do primeiro experimento
- Proteína importante para ciclo de vida do coronavírus foi analisada na máquina
- Pesquisa pode revelar a posição de cada um dos átomos que compõem a proteína
- Estudo ajuda a entender ação do vírus e buscar moléculas que sirvam como remédio
O acelerador de partículas brasileiro Sirius revelou detalhes do coronavírus no primeiro experimento da máquina em uma das primeiras linhas de luz em funcionamento no local. O estudo foi feito em cristais de proteínas do Sars-Cov-2 e os resultados foram compartilhados em primeira mão para Tilt.
O Sirius está situado em Campinas (SP), dentro do campus do Cnpem (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais). Ele é um dos maiores projetos da história da ciência brasileira e, quando ficar pronto, estará entre os aceleradores mais avançados do mundo. O equipamento gera a luz síncrotron, um tipo de radiação eletromagnética capaz de revelar a microestrutura de materiais orgânicos e inorgânicos.
“Em dezembro foram feitos os primeiros testes com o uso de luz síncrotron, para demonstrar a funcionalidade do acelerador e sua capacidade de gerar esta luz. As imagens foram obtidas em uma estação experimental adaptada do antigo acelerador, o UVX. Agora estamos realizando os primeiros experimentos, em uma configuração mais próxima da definitiva”, explicou ao Tilt Antonio José Roque da Silva, diretor-geral do Cnpem.
O que foi visto no coronavírus
Nas análises, os pesquisadores do Cnpem, que funciona como entidade ligada ao MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações), observaram cristais de uma proteína do coronavírus imprescindível para o ciclo de vida do Sars-CoV-2. Com o Sirius, foi possível observar detalhes da estrutura dessa molécula.
“A estrutura já era conhecida por trabalhos realizados em outros locais do mundo. Isso permite que possamos checar a qualidade dos resultados obtidos no Sirius. Agora, novos experimentos entram em curso e resultados inéditos estão próximos de serem processados, mas exigem um pouco mais de tempo para processamento, dentro do rigor científico. Se tudo correr bem, logo os primeiros resultados diferenciados devem ser publicados e compartilhados na força-tarefa que envolve pesquisadores de todo o mundo”, afirma Roque.
A proteína analisada é chamada de 3CL e foi produzida e cristalizada dentro do LNBio (Laboratório Nacional de Biociências), que faz parte do Cnpem. Ela é atuante no processo de replicação do vírus dentro do organismo durante a infecção.
“Essa molécula, em formato que lembra um coração, é uma das principais proteases do vírus. Essas proteases são alvos conhecidos para o desenvolvimento de medicamentos, já que, ao inibir essas proteínas, é possível interferir na proliferação do vírus. Inclusive, as primeiras drogas para HIV foram desenvolvidas mirando proteases do vírus e as drogas com essa ação estão presentes nos coquetéis utilizados para HIV até hoje”, explica Daniela Trivella, pesquisadora do Cnpem.
Na imagem, que é uma reconstrução computacional obtida da interação da luz com a proteína, a parte verde e a parte roxa são os dois monômeros (pequenas moléculas) que compõem os dímeros (molécula composta por duas unidades similares ou monômeros unidos) funcionais da proteína 3CL.
“Com a obtenção de dados, vamos aprofundar os estudos em biologia molecular e estrutural que integram nossa força-tarefa contra o Sars-CoV-2. Temos vários grupos de pesquisadores mobilizados para investigar os mecanismos moleculares relacionados à atividade dessa proteína, buscar inibidores de sua atividade, estudar outras proteínas virais, gerar conhecimentos que podem apoiar o desenvolvimento de medicamentos contra a doença”, aponta Kleber Franchini, diretor do LNBio.
O primeiro experimento no acelerador envolve um minucioso processo de testes com milhares de parâmetros avaliados para garantir uma geração precisa de dados. Antes de usar o coronavírus, testes foram feitos com proteínas já bem conhecidas, como a lisozima, uma molécula presente na lágrima e saliva humana.
“Reproduzimos as medidas esperadas para essas amostras-padrão e, então, ao verificarmos a boa performance da máquina, seguimos para a coleta de dados de experimentos reais, com cristais de proteínas do Sars-CoV-2”, explica Ana Carolina Zeri, que coordena a primeira estação de pesquisa a entrar em operação.
Este experimento com a proteína 3CL pode ajudar pesquisadores a entender mais sobre o vírus e suas ações no organismo humano, além de permitir descobrir como seria sua interação com moléculas que possam vir a ser usadas como remédios para o combate à doença.
Abertura a pesquisadores
Após o primeiro experimento, o Sirius já irá abrir o equipamento para a comunidade científica brasileira a partir da próxima semana. Pesquisadores dedicados a estudar os detalhes moleculares relacionados à doença poderão submeter propostas de pesquisa para esta linha de luz.
As propostas são analisadas por especialistas do LNLS (Laboratório Nacional de Luz Síncrotron) antes de serem aceitas. Essa fase vem antes do imaginado pelos responsáveis do laboratório e ocorre em caráter excepcional por causa da doença. Os projetos aprovados começarão já em agosto.
“Consideramos que a máquina está em fase de comissionamento científico, realizando experimentos ainda em condições que impõem algumas limitações. Entretanto, em resposta à crise causada pela covid-19, optamos por disponibilizar antecipadamente essa ferramenta aos pesquisadores que já têm familiaridade com experimentos de cristalografia de proteínas”, explica o diretor do LNLS, Harry Westfahl Jr.
Por conta da pandemia, o Sirius deu atenção maior à construção de linhas de pesquisa que podem auxiliar cientistas a entender mais sobre o coronavírus. Para a primeira fase do projeto, estão previstas a inauguração de 13 linhas de pesquisa.
Além da Manacá, os pesquisadores correm para inaugurar a linha de luz Cateretê, voltada a técnicas de espalhamento coerente de raios-X, em que será possível produzir imagens celulares tridimensionais de alta resolução.
“A expectativa é de que em pouco mais de um mês possamos ter os primeiros experimentos na linha de luz Cateretê. Ela poderá produzir imagens celulares com resolução sem precedentes, permitindo observar os processos biológicos que acontecem em uma única célula, como a invasão por um vírus, por exemplo”, conta Roque.
O Sirius ainda espera inaugurar mais quatro novas estações de pesquisa até o final deste ano.