Tilt Uol em 29/08/2021
Carlos Cesar Bof Bufon mexe com eletrônica desde os 9 anos de idade. Ainda pequeno, gostava de frequentar as assistências técnicas de Linhares (ES) para mexer nas placas de circuitos de TV e descobrir como elas funcionavam. Na juventude, a curiosidade insaciável chamou a atenção de um professor no curso técnico de eletrônica, que cravou: “seu viés é muito mais de saber o porquê das coisas do que o para quê”. De aprendiz de eletricista, ele virou pesquisador.
Doutor em física pela Universidade de Düsseldorf, na Alemanha, Bufon hoje usa o que aprendeu a vida inteira sobre eletrônica no mundo nanoscópico dos materiais bidimensionais —aqueles que, como o grafeno, possuem características contraditórias, podendo ser resistentes como o aço e leves como algodão, por exemplo. Trocou as placas de cobre e silício pelos tecidos moles do corpo humano.
É dele a autoria de um recente trabalho do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais), em Campinas (SP), que dá as instruções para a fabricação de um nanotransistor orgânico capaz de detectar qualquer substância em meio líquido.
É possível adaptar essa tecnologia para fazê-la encontrar sinais de dopamina — relacionada a doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson — no sangue de uma pessoa.
Funciona assim: o médico retira uma amostra de sangue do paciente e aplica a essa amostra uma solução contendo os nanotransistores. Logo em seguida, usando um nanoscópio, verifica-se o que aconteceu com o diminuto sensor. Se ele “acendeu” — isto é, detectou a dopamina que foi treinado para detectar — é um sinal precoce de Alzheimer.
“Ele detecta uma molécula específica relacionada a essa doença, mas o diagnóstico é algo muito mais amplo”, explica Bufon. Ou seja, o processo ainda necessita de um parecer médico e outros testes. “É muita pretensão nossa falar que é a ferramenta de diagnóstico, ela dá o suporte [para tal].”
Aplicação
Bufon trabalha com nanomateriais desde o início dos anos 2000, quando investigou as características básicas de filmes de polipirrol, um material de origem vegetal capaz de conduzir eletricidade.
Essa película funciona como biossensor, que pode ser usado para coletar informações sobre o corpo humano. O cientista estuda como combiná-la com outros nanomaterias ou materiais maiores.
Em 2020, ele publicou um estudo que descreve o uso desses biossensores para o diagnóstico de diversas doenças, como câncer de mama, sem uso de reagentes ou anticorpos caros e com resultados quase instantâneos. Ou seja, mais barato e com a mesma eficiência do método que usamos hoje.
Eletrodos de grafeno em contato com uma pequena gota de sangue poderiam detectar em menos de 15 minutos a presença de uma substância específica numa amostra. E depois enviar, via cabo, essa informação para um celular.
Para o pesquisador, seus 20 anos de pesquisa não serão resumidos em uma ou duas descobertas. É como se fosse uma maratona, diz. “Todo mundo larga, aquele ‘bololô’ de gente. Com o passar do tempo, algumas tecnologias vão se distanciando uma das outras. No final tem um campeão para uma área específica.”
Para cada problema nós temos uma São Silvestre. Mas temos que ter as condições físicas para disputá-la: infraestrutura, capital humano, recursos. Problema para resolver é o que não falta, tem mais problema do que solução. Precisamos das condições para correr.”
Como anda a ciência brasileira
As condições disponíveis hoje, com cortes drásticos de investimentos em ciência e tecnologia, não são das melhores, mas Bufon se diz um “otimista ingênuo”. “Faço o que dá para fazer e sou feliz com aquilo. Não posso falar pelos meus colegas que passam por situações bem complexas, mas eu sou privilegiado.”
O privilégio tem a ver com o sonho do momento, que é manter a mesma pesquisa que faz, mas com mais colegas de laboratório.
Com a experiência de quem já conduziu pesquisas no exterior e na iniciativa privada, ele defende que o Brasil só vai decolar se tiver mais “capital humano” trabalhando em pesquisas de nicho.
“Esta é uma carreira, dependendo das escolhas que faz, meio solitária”, diz.
Um corre uma parte, outro pega o bastão e corre outra. Tendo mais pessoas, você vê essa complementaridade. Aqui no Brasil falta quem pegue esse bastão.”
O Brasil perdeu os “bondes” da microeletrônica na década de 1980 e da nanoeletrônica no início dos anos 2000, mas pode correr atrás do prejuízo se a gestão pública for capaz de aproveitar um novo bonde: o das startups especializadas em internet das coisas.
“Quando nossos jovens estão na universidade hoje e se perguntam ‘o que vai ser de mim?’, é isso aí [startups] o que vai ser deles. Eles vão criar os próprios empregos.”
Este texto faz parte da série “Made In Brazil“, que descreve o trabalho de 12 cientistas brasileiros que brilham criando supermateriais (e já falou sobre os cientistas que estão revolucionando o combate ao coronavírus). Estudando partículas de um milionésimo de milímetro, eles se debruçam para achar respostas capazes de revolucionar o futuro da humanidade. Leia mais aqui.