Revista Fapesp, 09/2016
Diversidade de temas e integração com outras áreas marcam as pesquisas de um dos primeiros institutos da universidade
César Lattes (1924-2005) já era um cientista famoso em 1967, quando começou a trabalhar como professor do Instituto de Física, uma das primeiras unidades da universidade nascente. Convidado pelo também físico Marcello Damy de Souza Santos, expoente da ciência brasileira convocado por Zeferino Vaz para implantar o instituto, Lattes logo viu que as instalações não seriam como na Universidade de São Paulo (USP), onde trabalhava. Como os prédios do campus novo ainda não estavam prontos, ele e outros recém-contratados instalaram seus laboratórios nos porões do então chamado Ginásio Industrial Bento Quirino, no centro de Campinas, onde hoje funciona o Colégio Técnico de Campinas (Cotuca), que é parte da Unicamp. Ali o físico – que em 1947 havia participado da descoberta do méson pi, partícula importante para a compreensão do mundo subatômico – observou e estudou fenômenos altamente energéticos relacionados à interação entre raios cósmicos e a matéria, as bolas de fogo, que havia começado a estudar na USP. As equipes se sucederam e o instituto hoje ocupa 12 prédios nocampus da universidade.
“O que fazemos hoje está tão na fronteira do conhecimento quanto o que Lattes fazia na época dele”, diz Carola Dobrigkeit Chinellato, professora do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW), assim chamado em homenagem ao cientista ítalo-ucraniano que ajudou a organizar a física no Brasil. Carola é hoje a representante do Brasil no conselho que preside a Colaboração Pierre Auger, responsável pela operação do Observatório Pierre Auger de Raios Cósmicos. Da Unicamp participam também Anderson Fauth, Ernesto Kemp e José Augusto Chinellato.
Ainda que com um objetivo similar – estudar a origem e a natureza dos raios cósmicos, as partículas mais energéticas do universo –, a dimensão espacial do experimento e as escalas de energia são muito maiores do que na época de Lattes. Reunindo hoje cerca de 500 pesquisadores de 16 países, o Observatório Pierre Auger começou a ser construído em 1998 em uma área de 3 mil quilômetros quadrados no município de Malargüe, Argentina, e a registrar informações sobre raios cósmicos em 2004. Em 2015 o acordo internacional responsável pelo financiamento do trabalho foi renovado e estendido por mais 10 anos, permitindo a modernização dos equipamentos. Os experimentos medem os chuveiros gigantes de partículas relativísticas, resultantes da colisão dos raios cósmicos, que chegam do espaço, com a atmosfera terrestre. Jun Takahashi e outros pesquisadores da Unicamp participam também de experimentos no Cern, o acelerador de partículas de Genebra, Suíça.
Quem circular pelo IFGW encontrará com relativa facilidade estudos que evoluem e se renovam. Em 2001, os especialistas em supercondutores – materiais capazes de transmitir corrente elétrica com zero de resistência – testavam um tipo de grafite sintetizado a temperaturas próximas a 3.000º Celsius, que havia se mostrado promissor. Esse trabalho levou à identificação de propriedades elétricas de outro composto cristalino de carbono, o grafeno, descritas em 2015 na Nature Communications, com a participação do pesquisador do IFGW Yakov Kopelevich.
Além disso, emergiram duas novas famílias de supercondutores, uma à base do elemento químico cério e outra à base de ferro. Buscam-se materiais capazes de funcionar a temperatura ambiente, já que hoje os supercondutores são mantidos em hélio líquido, a quase 270º Celsius negativos. “Quando conseguirmos compostos que funcionem em nitrogênio líquido, a 196º C negativos, até os exames de ressonância magnética, feitos em aparelhos que usam hélio líquido, ficarão mais baratos”, explica Pascoal Pagliuso, que coordena pesquisas nesse campo. Marcelo Knobel, Kleber Pirota e Fanny Berón igualmente trabalham em novos materiais no laboratório de magnetismo e baixas temperaturas.
Carlos Lenz César, com sua equipe, começou a usar a óptica para analisar sistemas biológicos, a chamada biofotônica, há mais de 20 anos. Fez pinças ópticas – delicados feixes de laser que manipulam o interior das células – e hoje trabalha com aparelhos e métodos que lhe permitem examinar a interação de proteínas em células cardíacas, como em estudo publicado em 2014 na Nature Communications em conjunto com equipes da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), próximo à Unicamp. “Agora podemos ver as reações em uma única molécula dentro de uma célula viva”, conta o pesquisador.
Os especialistas do IFGW vão além da física. Entre as muitas linhas de pesquisa do instituto, pode ser mencionado o grupo coordenado por Marcus Aguiar, que, explorando a evolução dos seres vivos por meio de modelos computacionais, encontrou um padrão estatístico que reproduz o processo de formação de espécies, a chamada especiação. Outro grupo, de José Joaquim Lunazzi, tem investigado os espelhos construídos em pedra polida pelos povos da América do Sul há 3 mil anos.
Fibras Ópticas e computadores
Há muitas histórias de pioneirismo. Na década de 1980, o laboratório de pesquisas fotovoltaicas, coordenado por Francisco Marques, foi o primeiro da América Latina a fabricar células solares de silício monocristalino e policristalino totalmente nacionais a partir do silício metalúrgico. Nas décadas de 1990 e 2000, Íris Torriani ganhou reconhecimento internacional em sua área, a cristalografia. Em dezembro de 2001, Edison Zacarias da Silva, da Unicamp, com dois físicos da USP, Antônio José Roque da Silva e Adalberto Fazzio, apresentaram uma proposta teórica para explicar as possibilidades de rompimento de nanofios de ouro, um provável componente dos semicondutores das próximas gerações de computadores. O trabalho ganhou a capa da Physical Review Letters e foi complementado pelos estudos experimentais de Sérgio Legoas, Douglas Galvão e Daniel Ugarte, em colaboração com colegas do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS).
Conceitos e materiais que vão reger as máquinas das próximas décadas tomam forma e suas propriedades são conhecidas e ajustadas, passo a passo, por diferentes equipes do IFGW. Amir Caldeira, Sílvio Vitiello, Marcos César de Oliveira e outros pesquisadores trabalham com computação quântica e spintrônica, duas abordagens possíveis para ampliar o desempenho e a velocidade de computadores. Outras, como as de Hugo Fragnito e de Carlos Henrique de Brito Cruz, criam versões mais rápidas e eficientes de equipamentos a laser e fibras ópticas (ver reportagem). Na física médica, Alessandra Tomal, Mario Bernal e Gabriela Castellano, com suas equipes, trabalham no aprimoramento de tomógrafos e outros aparelhos, em conjunto com os especialistas da FCM.
Os resultados se devem em boa parte a uma particularidade do instituto, segundo seu atual diretor, Newton Frateschi: dois terços dos professores são da área de física experimental, que demanda altos investimentos em laboratórios e equipamentos, e um terço da teórica, enquanto em instituições similares os dois campos compartilham proporções mais próximas. Segundo ele, não são, porém, mundos estanques, porque um grupo precisa do outro para avançar.
A cada quatro anos, o instituto faz um planejamento estratégico de contratação de professores, que define as prioridades a serem perseguidas e implantadas. O mais recente determinou a criação de um grupo de pesquisa em cosmologia observacional. “Ainda não estamos nessa área”, diz Frateschi, “e queremos começar”. Não é um espaço inteiramente inexplorado, porque desde a década de 1990 Marcelo Guzzo, Orlando Peres e Pedro de Holanda, com suas equipes, examinam as propriedades e transformações dos neutrinos, partículas elementares que se formam no espaço e a todo momento chegam à Terra. O senso de ousadia e empreendedorismo que marcou a construção do instituto continua forte, quase 50 anos depois.