Correio Popular em 09/12/2017
Apesar dos cortes de 42% nas verbas do Governo Federal para o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação, as obras do Sirius, o novo acelerador de partículas do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), continuam andando dentro do prazo em Campinas. No dia 30 de novembro foi finalizado o piso especial onde será colocado o equipamento, a cobertura metálica está totalmente instalada e diversos vidros da entrada principal colocados. A expectativa de que o primeiro feixe de luz síncrotron comece a circular no novo laboratório no segundo semestre de 2018 está mantida.
No dia 13 de janeiro de 2015 a primeira estaca foi colocada por um operário no terreno preparado para receber o Sirius junto ao campus do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais), no Pólo II de Alta Tecnologia de Campinas. Menos de três anos depois, o gigantesco prédio de aspectos futuristas já toma forma final. Cerca de 800 operários tocam a obra, cuja verba escapou dos cortes de 40% no Ministério da Ciência por ter sido incluído no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
O PAC, que foi substituído no governo Temer pelo “Agora, é Avançar”, teve menos cortes por reunir investimentos considerados estratégicos para o País. Entretanto, com a incerteza para receber o dinheiro da União, a direção do LNLS dividiu o projeto em diversas etapas, tocando cada uma delas assim que o dinheiro era liberado.
O engenheiro coordenador das obras civis do Sirius, Oscar Vigna, diz que o piso especial, chamado de “piso crítico”, passou pelos testes de estabilidade térmica e mecânica, essenciais para o funcionamento do acelerador. A qualidade e estabilidade do piso são tão importantes, que essa é considerada uma das mais importantes partes do equipamento.
Para conseguir que a dilatação do piso não passe de ¼ de milímetro por ano e variação de temperatura de no máximo 0,1 grau, foi desenvolvido um concreto especial em uma usina instalada no próprio canteiro de obras. Ele teve na sua mistura fibras plásticas para evitar fissuras e aditivos para baixar a retração. Para chegar a essa qualidade, os custos desse tipo de concreto ficam de três a quatro vezes maior.
Na construção, todo o teto e os equipamentos de maior peso instalados nele ou ligados à estrutura têm molas e amortecedores. O objetivo é que eles não transmitam nenhuma vibração à estrutura que se reflita no piso e afete o funcionamento do acelerador.
Para garantir o isolamento térmico no laboratório, o teto recebeu uma camada de 200 milímetros de lã de vidro. Junto às paredes externas do prédio, que tem um formato circular como o de um estádio de futebol, funcionarão salas de trabalho dos pesquisadores e de operação do laboratório, com temperatura controlada por ar-condicionado.
Nas paredes voltadas para a parte interna, onde há um grande círculo aberto ao ar livre, há também espaços isolando o equipamento da parte exterior e que também receberão ar refrigerado. “Tudo isso criará um colchão térmico em volta do equipamento, garantindo que ele estará isolado da variação de temperatura externa”, diz Oscar.
Para a construção da obra, foram utilizados somente no piso e na parte interior do prédio 5 mil caminhões de concreto. Além da estabilidade térmica e mecânica, o piso é extremamente regular. Medindo qualquer ponto dele não há diferença maior que 20 milímetros entre o ponto mais baixo e o mais alto.
Enquanto as obras civis caminham para o seu período final no interior do prédio, na parte externa já começam a ser preparados o gramado e a pavimentação dos acessos. O objetivo é que tudo esteja pronto e limpo quando os equipamentos começarem a chegar para a instalação, evitando a entrada de terra e poeira junto dos aparelhos.
O canhão que emitirá os elétrons está sendo feito na China e chegará em breve para a instalação. Os ímãs que garantem o desvio dos feixes de luz para que eles circulem pelo acelerador, fabricados pela brasileira WEG, já estão prontos no campus do CNPEM para serem utilizados. O laboratório terá cerca de 85% de tecnologia nacional.
Verbas
O diretor do LNLS, Antônio José Roque da Silva (foto), diz que dos R$ 325,9 milhões previstos para o Sirius neste ano, faltam ser liberados R$ 51 milhões, que devem estar disponíveis em breve. Na próxima semana, o governo federal e os ministérios também avaliarão o que foi empenhado durante todo o ano nas diferentes obras e projetos governamentais e de estatais.
As sobras orçamentárias, depois de calculadas, serão redistribuídas entre os projetos considerados prioritários. A expectativa é que o Sirius consiga uma suplementação de verba para continuar as obras dentro do prazo.
As sobras orçamentárias, depois de calculadas, serão redistribuídas entre os projetos considerados prioritários. A expectativa é que o Sirius consiga uma suplementação de verba para continuar as obras dentro do prazo.
“O ideal seria uma suplementação de verba de R$ 180 milhões ainda neste ano, mas só saberemos o que vamos conseguir nas próximas semanas”, diz Roque. Para 2018, serão necessários mais R$ 280 milhões para colocar o acelerador em funcionamento.
O valor total do projeto Sirius é de R$ 1,8 bilhão, que deve ter essa primeira fase terminada somente em 2020. Após o primeiro feixe começar a circular, ainda haverá um período de seis meses para calibragem do equipamento e todos os testes necessários. Por isso, somente no início de 2019 os cientistas começarão a fazer as pesquisas no equipamento.
Roque está otimista por conta do empenho do Ministério de Ciência em conseguir verbas para terminar a obra. Em julho, quando o ministro Gilberto Kassab esteve no LNLS, ele disse que o Sirius é uma das poucas obras federais que não sofreriam cortes neste ano. Nesta semana, na ‘Voz do Brasil’, o ministro voltou a reafirmar no segundo semestre de 2018 o acelerador estará funcionando.
Tamanho
O novo acelerador ganhou o nome de Sirius por ser a estrela mais brilhante do universo. Ele e o MAX-IV, construído na Suécia, serão os únicos do mundo da 4ª geração de luz síncrotron. Ele foi projetado para ter o maior brilho do mundo entre as fontes com sua faixa de energia.
Entretanto, não será o maior em tamanho por ter uma função e energia diferente de outros. Por exemplo, o Grande Colisor de Hádrons, acelerador de 27 quilômetros existente na Europa, foi projetado para fazer a colisão de elétrons, uma função totalmente distinta dos laboratórios de luz sincrotron como o Sirius.
O laboratório brasileiro terá quase 518,4 metros de circunferência, enquanto alguns na Europa, nos Estados Unidos e no Japão chegam a ter um quilômetro. “O Sirius tem uma energia de 3 GeV (gigaelétron-volt), enquanto esses outros têm 6 GeV. Uma das diferenças das duas energias é a capacidade da luz penetrar mais em objetos duros durante a análise de materiais”, explica Roque.
Apesar disso, o Sirius será o mais moderno e um dos mais precisos e rápidos do mundo. Atualmente, uma tomografia de célula em 3D demora 10 horas para ser feita nos equipamentos de última geração. No Sirius, o mesmo procedimento vai durar 10 segundos. A análise de células de plantas e animais feita em 75 minutos vai durar um segundo no Sirius com o dobro da resolução.
O novo equipamento permitirá desenvolver pesquisas inovadoras em diversas áreas. Na saúde, o estudo do cérebro humano poderá descobrir tratamentos e medicamentos para doenças como Alzheimer, Parkinson e outras degenerativas.
Na área de energia, um dos pontos altos deverá ser o desenvolvimento de baterias com maior duração, menor custo, menores e mais seguras. Também há perspectivas de inovações para a agricultura e exploração de petróleo e gás, entre outras áreas.