G1, 28 de julho de 2017
A última reportagem da série sobre o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron mostra por qual motivo o Sirius, o novo acelerador de partículas do Brasil, é aguardado com ansiedade por cientistas de todo o mundo
O orçamento para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações neste ano teve um corte de 40%, afetando os principais projetos científicos brasileiros. A verba para as obras do Sirius, o novo acelerador de partículas do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron construído em Campinas e que pode revolucionar a pesquisa brasileira e internacional (orçado em R$ 1,5 bilhão), entretanto, foi mantida. Nele, uma pesquisa que atualmente é feita em 10 horas nos equipamentos mais avançados do mundo poderá ser concluída em 10 segundos.
O Sirius foi preservado porque já estava em fase adiantada de execução e, segundo o ministro de Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab, pela seriedade do Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM), que desenvolve o projeto. Além disso, o equipamento é aguardado com expectativa pela comunidade científica internacional (veja no final deste texto os números do Sirius e suas principais linhas de pesquisa). A paralisação das obras neste momento causaria estragos na imagem do país no exterior.
Em visita ao CNPEM no dia 7 de julho, o ministro Gilberto Kassab disse que esse foi o único grande projeto em todos os ministérios que teve suas verbas preservadas. Mas desde o ano passado, com o afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff, o setor de ciência vive incertezas. Muitos projetos foram cortados, o programa Ciência sem Fronteiras para graduação acabou e cientistas começaram a deixar o Brasil.
O diretor do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron ( LNLS), Antonio José Roque da Silva, trabalha contra a crise econômica que atinge o país e as contas governamentais. A verba para as obras do acelerador foram preservadas, mas custos operacionais do centro tiveram cortes de 40%. Para manter as atividades, o LNLS interrompeu quatro das 18 linhas do LNLS para economizar.
Cronograma expandido
Para garantir o cronograma, Silva negociou com a construtora da gigantesca obra, de 68 mil m² em um terreno de 150 mil m², a ampliação da divisão de construção de sete para 13 fases. Isso permitiu que as obras não parassem, pois cada montante liberado permitia que uma nova fase fosse concluída.
O diretor do LNLS, Antonio José Roque da Silva, mudou cronograma para manter obras (Foto: Divulgação/CNPEM)
Com isso, foi mantido o prazo de junho de 2018 para o início de suas atividades. Primeiro serão abertas cinco linhas de luz e posteriormente outras oito, todas elas com nomes de árvores, pássaros ou animais. A capacidade total de funcionamento é de 40 linhas de luz.
O Sirius e o MAX-IV, construído na Suécia, serão os únicos do mundo da 4ª geração de luz síncrotron. Ele foi projetado para ter o maior brilho do mundo entre as fontes com sua faixa de energia. Isso permitirá muito mais precisão, rapidez e capacidade de analisar diferentes materiais, o que está gerando expectativas entre cientistas.
Ele explica algumas diferenças entre as duas luzes. No UVX, o raio X consegue penetrar 1 mm em um material como o ferro, enquanto no Sirius essa penetração pode chegar a dois centímetros.
E a rapidez do Sirius também é muito maior que os melhores equipamentos do mundo. Atualmente, uma tomografia de célula em 3D demora 10 horas para ser feita nos equipamento de última geração. No Sirius, o mesmo procedimento vai durar 10 segundos.
A análise de células de plantas e animais feita em 75 minutos vai durar um segundo no Sirius com o dobro da resolução. Pesquisas que antes precisam ser feitas no exterior, a partir do ano que vem poderão ser feitas no Brasil. Mais do que isso, muitos pesquisadores do mundo inteiro devem procurar o Sirius para viabilizar suas pesquisas.
Equipamentos
Para chegar nesse nível de qualidade, os pesquisadores do CNPEM precisaram desenvolver equipamentos que não existiam no mesmo padrão em nenhum outro laboratório. O monocromador, por exemplo, já chama curiosidade de pesquisadores de diversos países.
Esse aparelho faz a separação da linha de luz depois que ela sai do acelerador em diferentes faixas, sendo que cada uma é utilizada para uma finalidade distinta de pesquisa. O monocromador do Sirius quebrou o recorde mundial de estabilidade e foi desenvolvido em parceria com uma empresa holandesa.
De todo equipamento utilizado no Sirius, cerca de 85% são de fabricação nacional. As parcerias com empresas nacionais permitiu o desenvolvimento de tecnologia. A Weg, especializada na fabricação de motores, investiu para desenvolver os ímãs que serão usados no equipamento sem utilizar usinagem, o que o torna muito mais barato e não altera o material utilizado.
Linhas de pesquisa
Essas qualidade da luz do novo acelerador permitirão pesquisadores desenvolverem tecnologias em áreas consideradas estratégicas no CNPEM.
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Maquete virtual do Sirius (Foto: Divulgação/ LNLS)
Na área de saúde, uma delas é o estudo do cérebro humano, o que permitirá desenvolver tratamentos e medicamentos para doenças como Alzheimer, Parkinson e outras doenças degenerativas. Também poderá melhorar o diagnóstico por imagens, a eficácia de medicamentos e decifrar estruturas virais para desenvolvimento de vacinas.
Na área de energia, um dos pontos altos deverá ser o desenvolvimento de baterias com maior duração, menor custo, menores e mais seguras. Isso permitirá uma revolução na área energética, com o aproveitamento de diferentes fontes de geração de energia. Também poderá auxiliar no melhor aproveitamento de biomassas para geração de energia.
Na agricultura, o grande desafio será descobrir com exatidão o funcionamento do solo, os mecanismos de absorção das plantas e melhor aproveitamento de insumos e de controle de pragas. Isso será essencial para aumentar a oferta de alimentos e garantir segurança alimentar para a população mundial.
Na exploração de óleo e gás, o estudo de rochas e do movimento e absorção do petróleo pode baratear os custos e aumentar a produção em áreas como o pré-sal.
Números
Os números do Sirius são tão impressionantes quanto seu prédio, que parece um gigantesco estádio de futebol com arquitetura futurista. Confira alguns:
- 68 mil: metros quadrados é a área construída do Sirius.
- 600 mil: vezes os elétrons percorrem os 500 metros do acelerador a cada segundo, durante horas, sem que oscilem mais que um décimo do seu tamanho.
- 40: linhas de luz poderão funcionar no acelerador, seis das quais são consideradas longas, com comprimentos variando de 100 a 150 metros. Até 2020 estão previstos o funcionamento de 13 delas.
- 1,5: micrômetros tem cada feixe de elétrons em alguns trechos do acelerador, quatro vezes menor que uma célula vermelha do sangue.
- 620: pessoas, entre funcionários e visitantes, poderão circular no novo prédio.
- 1 bilhão: de vezes superior será o brilho da luz do Sirius em relação ao que hoje está disponível aos pesquisadores.
- 518,4: metros é medida exata do anel de armazenamento do acelerador.
- 1,5: bilhão de reais é o valor estimado do projeto.