Jornal da Ciência, em 23/09/2011
Na última década, estes materiais históricos passaram a ter suas estruturas reveladas em escala micro e nanométrica, auxiliando diversas áreas a entender o passado e a aprender a conservar estas relíquias. No Congresso Internacional de Óptica de Raios X e Microanálise (ICXOM21, sigla em inglês), realizado no início do mês, em Campinas, três pesquisas importantes mostraram como o uso da Luz Síncrotron pode contribuir para o conhecimento nas áreas das Artes, História e Paleontologia. O Congresso foi organizado pelo Laboratório Nacional de Luz Síncrotron.
A cientista Marine Cotte, PhD em compostos químicos utilizados na Antiguidade, explica que o caráter não invasivo da radiação Síncrotron, associado à sensibilidade química desta tecnologia, permite análises profundas de materiais complexos, cheios de camadas, como são as obras de arte. Por meio de técnicas como a Espectroscopia de Absorção de Raios X (XAS, sigla em inglês), é possível obter informações sobre estado químico e composições locais dos objetos analisados, além de rastrear elementos químicos nocivos para as obras.
O uso desta técnica pode revelar duas “histórias”. A primeira remonta à época em que a obra de arte foi produzida. É possível, por exemplo, observar as diferentes camadas da pintura e identificar todas as substâncias que compõem os pigmentos das tintas utilizados. Com isso, pode-se entender melhor – ou, até mesmo, resgatar – técnicas utilizadas por artistas antigos, preservando a herança de uma cultura. A segunda
história é atual e diz respeito ao avanço nas formas de restauro e conservação dessas peças de arte: conhecendo a composição química das pigmentações é possível evitar reações indesejadas ou identificar aquelas que mantêm a obra conservada.
Nesta mesma perspectiva, o professor PhD em Química Analítica, Koen Janssen, focou parte de seu trabalho na análise da degradação da cor amarela nas pinturas do artista holandês Vincent van Gogh. Utilizando a radiação Síncrotron, Janssen pôde observar em escala nano a formação de óxido de cromo ao redor das pigmentações originais, o que denotavam um envelhecimento da pintura.
Para o pesquisador, a utilização do Síncrotron permite análises em nível micro e nano, e pode levar a distintas conclusões.
Em escala nanométrica, pode ser útil para restauradores identificarem os elementos químicos que surgiram junto às pinturas e porque eles se misturaram ao pigmento original. Em nível micro, por sua vez, é possível observar as camadas escondidas pela tinta, salientando o traço do pintor. Historiadores podem utilizar este tipo de análise para comparar a evolução das técnicas de pintura e comprovar a originalidade das obras.
Paleontologia – Outra vertente de pesquisa com Luz Síncrotron pode contribuir para montar um quebra-cabeça com muitas peças ainda ausentes, como na paleontologia, em que as informações estão espalhadas em espécimes isoladas. Para a pesquisadora Isabelle Kruta, do Museu de História Natural da Universidade de Yale (EUA), o uso de imagens 3D vem sendo uma ótima solução para a área. Recentemente, um artigo seu publicado na revista Science mostrou a reconstituição digital da mandíbula de um fóssil de molusco da espécie Baculites. Este molde em 3D só foi possível com o uso de técnicas de tomografia com radiação Síncrotron em fósseis da concha e vestígios de dentes desta espécie. Numa destas amostras, os pesquisadores encontraram restos de plânctons incrustados, o que mostrava que o animal morreu durante sua última refeição.
Para Kruta, este tipo de análise ajuda os cientistas a encontrar vestígios e substâncias que não são visíveis a olho nu. Isto pode resultar em descobertas sobre a relação entre organismos,
importante para o estudo da Ecologia.
(Ascom LNLS)
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