Folha de São Paulo em 11/06/2021
Assim como os bebês, os remédios passam por um longo período de gestação até ficarem prontos para o mundo. Mas, no caso dos remédios, é um pouco mais demorado: o processo leva dez ou até 20 anos, e não 40 semanas. Mas por quê?
“Não é sempre que um projeto que começamos chega ao final”, conta Daniela Trivella, especialista no desenvolvimento de novos medicamentos e que comanda a pesquisa científica no Laboratório Nacional de Biociências do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais), em Campinas.
“Para quem está tentando descobrir um novo medicamento pode ser frustrante, muitos candidatos falham e ficam pelo caminho. São muitas etapas até tudo dar certo.”
Uma vez abertas, essas portinholas do nosso organismo podem fazer com que a doença diminua sua intensidade ou até mesmo deixe de existir —igual àquela dor de cabeça que some depois da dipirona. No caso, a dipirona seria a chave capaz de nos fazer melhorar.
Mas e para as doenças para as quais ainda não existem “chaves”? O trabalho dos cientistas é justamente identificar essas chaves na natureza, ou construí-las.
É possível que aquele chá da vovó, que trata dor de barriga, tenha uma substância que abre uma dessas fechaduras do nosso corpo. Neste caso, um cientista poderia mergulhar nesse chá e, entre as centenas de compostos que estão ali dentro, buscar quem seriam os responsáveis por fazer a dor de barriga melhorar.
E se não tem chá para servir de ponto de partida? Também é possível construir as tais chaves do zero, com reações químicas. Os químicos são os cientistas que constroem moléculas. Moléculas são formadas por pedacinhos ainda menores chamados átomos, que podem se ligar uns aos outros, obedecendo regras.
Na prática, é como se os químicos brincassem de Lego para construir uma chave que seja boa na hora de abrir uma dessas portinhas.
Uma das ferramentas disponíveis no CNPEM, onde Daniela trabalha, é o Sirius, uma máquina gigantesca, do tamanho de um estádio de futebol, que permite, por exemplo, enxergar exatamente como são essas tais fechaduras. Assim, podem ser criadas moléculas que se encaixem melhor nela. Ou seja: chaves melhores.
Mas essas portinhas podem muito bem estar escondidas, dentro de algum órgão, como por exemplo os pulmões. Se você toma um remédio, como ele sabe para onde tem que ir?
Primeiramente ele tem que resistir ao poder destruidor da acidez do estômago, ser capaz de ser absorvido, cair na corrente sanguínea, não ser destruído pelo fígado, e somente aí chegar no destino (e em várias outras partes do corpo que não necessariamente precisavam desse socorro).
Para vencer cada uma dessas etapas, as moléculas precisam ganhar certos “poderes” que as ajudarão na jornada. Os mentores dessa aventura são os químicos, que concedem tais habilidades.
Também é possível pedir ajuda ao computador. Mas, na hora de entender se o remédio está dando certo ou não, é importante contar com a ajuda de biólogos e outros profissionais, como farmacêuticos e biomédicos.
Como ver se essas tais portinhas estão abrindo ou não? Que quantidade de remédio podemos tomar para tratar uma doença sem que nos faça mal? E se eu tomar dois remédios diferentes, eles se ajudam ou atrapalham um ao outro? São tantas perguntas…
Apenas depois de respondê-las é que o remédio é testado em pessoas. E aí é preciso ter, além de paciência (já que a pesquisa pode demorar muitos anos), muito dinheiro.
Geralmente, é preciso que os testes sejam feitos em centenas ou milhares de pessoas —e todas elas têm que ser acompanhadas bem de pertinho para saber se tudo está funcionando.
Depois disso, o remédio pode ir para a farmácia. Mas isso somente se a Anvisa, uma agência do governo federal, verificar se tudo aconteceu como planejado e, principalmente, se o remédio é seguro para a população e eficaz contra a doença em questão.
“Parece um caminho certo, mas às vezes chegamos num beco sem saída”, diz Daniela.
Mas a aventura vale a pena: “O mais legal de trabalhar nessa área é que todo dia você aprende uma coisa inesperada. Sempre tem algo na química ou na biologia que você não sabia”, diz a bióloga.
Daniela conta que o grande segredo para ser bom nessa área é a motivação. “O que faz ter sucesso é ir atrás das respostas por conta própria. Tem que correr atrás da informação e depois juntar as peças. O cientista, com seu esforço, pode conseguir.”