Estudo, publicado com destaque ACS Applied Materials & Interfaces, transforma metodologia clássica em rota altamente seletiva e escalável, capaz de ajustar diferentes propriedades dos materiais sintetizados, tais como, ópticas, eletrônicas, catalíticas entre outras de acordo com a aplicação desejada
Uma pesquisa desenvolvida por cientistas do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), organização social vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), foi publicada com destaque de capa na revista ACS Applied Materials & Interfaces. O estudo apresenta uma abordagem inédita para fabricar materiais à base de óxidos metálicos com propriedades ajustáveis desde a etapa de síntese, o que representa um avanço estratégico para tecnologias como produção de hidrogênio verde, catálise heterogênea, sensores e dispositivos eletrônicos baseados em óxidos. (Leia o artigo completo aqui.)
A equipe liderada pelo pesquisador do Laboratório Nacional de Nanotecnologia do CNPEM (LNNano/CNPEM), Flavio Leandro Souza, reformulou o tradicional processo de solução precursora polimérica (PPS), amplamente utilizado na síntese de óxidos metálicos, transformando-o em uma rota mais eficiente, seletiva e escalável. A abordagem desenvolvida permite incorporar diferentes elementos químicos em uma única solução, direcionando cada dopante para locais específicos dentro da nanoestrutura.
Neste estudo, os pesquisadores escolheram, como prova de conceito, produzir óxido de ferro na fase hematita. A escolha se deve tanto à abundância desse minério no país quanto ao seu potencial de aplicação em áreas que vão da medicina à energia.
Desempenho aprimorado da hematita
O trabalho concentrou-se no uso da hematita como um dos componentes de células fotoeletroquímicas — dispositivos que, quando iluminados pela luz solar e em contato com água, promovem reações que quebram a molécula de H₂O, gerando hidrogênio (H₂) e oxigênio (O₂).
“A hematita é um material promissor, mas seu desempenho ainda esbarra em limitações estruturais e eletrônicas bem conhecidas. A rota que desenvolvemos permite atuar exatamente nesses gargalos, ajustando propriedades essenciais como mobilidade eletrônica, porosidade, tamanho dos grãos e espessura dos filmes. Esses fatores têm impacto direto no desempenho fotoeletroquímico da hematita”, afirma Souza.
O estudo também mostra que duas formas de dopagem, a intrínseca e a extrínseca, podem ser utilizadas de maneira complementar no mesmo material. A dopagem intrínseca, por exemplo, pode modificar a estrutura eletrônica dentro dos grãos, enquanto a dopagem extrínseca pode reduzir a energia das barreiras eletrônicas nas interfaces, além de impedir o crescimento excessivo dos cristais e manter sua escala nanométrica.
“Quando aplicadas juntas, essas estratégias permitem otimizar simultaneamente o transporte eletrônico em diferentes escalas, o que é incomum em óxidos metálicos. Essa combinação amplia de forma significativa o desempenho e a funcionalidade dos materiais produzidos”, explica Souza.
Para validar o método, foram selecionados dopantes considerados desafiadores pela literatura científica para aplicação como fotoânodo em células fotoeletroquímicas, entre eles alumínio e zircônio. O processo desenvolvido no CNPEM permitiu que esses elementos apresentassem um desempenho muito superior ao usualmente obtido para a hematita pura. Como resultado, foi possível produzir um fotoânodo de hematita com eficiência de conversão energia solar-química até oito vezes maior.
Souza destaca que a escolha desses dopantes foi estratégica: a intenção era demonstrar a robustez da nova rota utilizando elementos que historicamente apresentavam desempenho limitado. Mesmo assim, os resultados obtidos superaram em mais de três vezes o melhor valor já reportado na literatura para esses mesmos dopantes.
Versatilidade em outros óxidos: Além dos experimentos realizados com a hematita, a equipe também sintetizou outros materiais, como CuO e CeO₂, tanto em sua forma pura quanto modificados com diversos dopantes. Esses óxidos, amplamente empregados em múltiplas aplicações tecnológicas, foram utilizados para demonstrar experimentalmente a versatilidade e a eficácia da abordagem proposta.
Escalonamento e transferência tecnológica
Além dos avanços conceituais, o método também demonstrou robustez, reprodutibilidade e estabilidade quando aplicado de forma controlada e em condições reais, em escala ampliada. Em estudo anterior, publicado na revista ACS Energy Letters, a mesma abordagem foi utilizada para produzir mais de cem eletrodos fotoanodos de hematita de grande área, todos apresentando desempenho reprodutível ao serem integrados a fotoreatores modulares completos, operados com luz solar. O desempenho consistente desses dispositivos evidenciou o potencial industrial da rota, que simplifica etapas tradicionais e permite a fabricação de materiais complexos em menos de 24 horas.
O novo método resultou em patente nacional e internacional, com proteção estendida para Europa e Estados Unidos. Além das aplicações voltadas à produção de hidrogênio renovável e catálise, a metodologia também pode ser relacionada a produção de revestimentos anticorrosivos, dispositivos optoeletrônicos, embalagens funcionais, sensores e componentes de armazenamento de energia. O trabalho desenvolvido está alinhado às metas do Centro de Engenharia Molecular de Materiais (CeMol), coordenado pelo CNPEM no âmbito do programa CEPID/FAPESP. “O estudo representa um exemplo concreto do propósito do centro, que busca desenvolver metodologias capazes de criar materiais sob demanda com propriedades ajustáveis para necessidades científicas e industriais. O nosso artigo demonstra a maturidade de uma rota que oferece uma forma racional e eficiente de projetar materiais funcionais”, finaliza o pesquisador.
A pesquisa foi conduzida por uma equipe multidisciplinar do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano/CNPEM), em colaboração com o Instituto de Química da Universidade de Campinas (Unicamp) e o Centro de Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do ABC (UFABC).
Sobre o CNPEM
O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) abriga um ambiente científico de fronteira, multiusuário e multidisciplinar, com ações em diferentes frentes do Sistema Nacional de CT&I. Organização Social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o CNPEM é impulsionado por pesquisas que impactam as áreas de saúde, energia, materiais renováveis e sustentabilidade. Responsável pelo Sirius, maior equipamento científico já construído no País. O CNPEM hoje desenvolve o projeto Orion, complexo laboratorial para pesquisas avançadas em patógenos. Equipes altamente especializadas em ciência e engenharia, infraestruturas sofisticadas abertas à comunidade científica, linhas estratégicas de investigação, projetos inovadores com o setor produtivo e formação de pesquisadores e estudantes compõem os pilares da atuação deste centro único no País, capaz de atuar como ponte entre conhecimento e inovação. As atividades de pesquisa e desenvolvimento do CNPEM são realizadas por seus Laboratórios Nacionais de: Luz Síncrotron (LNLS), Biociências (LNBio), Nanotecnologia (LNNano) e Biorrenováveis (LNBR), além de sua unidade de Tecnologia (DAT) e da Ilum Escola de Ciência, curso de bacharelado em Ciência e Tecnologia, com apoio do Ministério da Educação (MEC).






