Folha de S.Paulo, 20/03/2016
Reinaldo Chaves
O Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais está em busca de micro, pequenas e médias empresas dispostas a serem suas parceiras no projeto Sirius, um acelerador de partículas de R$ 1,3 bilhão, em Campinas (SP).
O caso não é isolado. Grandes centros de pesquisa costumam se aliar a negócios de pequeno porte em projetos que envolvem a chamada tecnologia ‘fora da prateleira’: aquela que ainda não existe, é muito cara para ser simplesmente comprada ou precisa de muitas adaptações.
Uma das selecionadas para o Sirius foi a Equatorial Sistemas, fornecedora de produtos para as áreas aeroespacial e de defesa. A empresa foi encarregada de criar máquinas como monitores fluorescentes de feixes de elétrons, bloqueador de fótons e detectores de raios-X.
“Os cientistas do Sirius fornecem apoio técnico importante que nos permite desenvolver produtos para o mercado”, diz Cesar Ghizoni, 70, presidente da empresa.
Quando o projeto em Campinas for finalizado, ele pretende oferecer a tecnologia desenvolvida para outros laboratórios no mundo.
No caso do Sirius, os negócios são selecionados e financiados pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos).
“Você trabalha para criar possíveis fornecedores, treina pessoas e as qualifica, desenvolve a tecnologia dentro do país, acaba sendo um benefício para toda a sociedade”, diz José Roque da Silva, diretor do laboratório responsável pelo Sirius.
MÃO DE OBRA
As parcerias com centros de pesquisa também ajudam as pequenas empresas ao suprirem a necessidade de mão de obra qualificada, dispendiosa e escassa no mercado.
A Brasil Ozônio demorou cerca de oito anos para amadurecer sua tecnologia para o mercado e nesse caminho precisou muito do suporte de pesquisadores externos.
Seu presidente-executivo, Samy Menasce, 66, se instalou em 2005 no Cietec (incubadora de negócios ligada à USP) para ter acesso a consultores e pesquisadores da universidade.
“É uma integração vantajosa até para obter mais facilmente as certificações científicas dos projetos”, afirma.
A empresa cria máquinas tendo como base o gás ozônio, uma das substâncias com mais potência germicida e oxidante da natureza. As aplicações são variadas, como esterilização de material cirúrgico, tratamento de água e substituição de agrotóxicos.
Em parceria com Universidade do Extremo Sul Catarinense, a Fundação Patria (ligada à Marinha) e a Indústrias Nucleares do Brasil, Menasce desenvolveu um projeto para limpar 2,5 milhões de metros cúbicos de água contaminada em minas de urânio em Caldas (MG) e 45 milhões de toneladas de solo.
LABORATÓRIO
Utilizar um laboratório de alta tecnologia é de extrema importância para quem cria tecnologias ‘fora da prateleira’, como a Femto Ciências Aplicadas, com sede no Parque Tecnológico de São José dos Campos (SP).
A empresa faz projetos conceituais em engenharia para os mais diversos setores produtivos que utilizam escoamento de fluidos.
A companhia já trabalhou com cientistas dos Centros de Desenvolvimento Tecnológico da Novelis, nos Estados Unidos, e da ZMag, no Japão. Com isso, a Femto teve acesso a laboratórios de tecnologia avançada.
“Normalmente estas instalações demandam recursos muito altos para as pequenas empresas, cujo uso dos equipamentos será limitado”, diz o diretor científico Nehemias Lima Lacerda, 61.
A Femto atua em áreas que vão de saúde a aeronáutica. Para Lacerda, essa diversificação é importante para minimizar os riscos da concentração em poucos compradores.
REDUÇÃO DE RISCOS
Pesquisas científicas demandam anos de estudos, testes e investimentos, com altos riscos e custos. Para diluir esse prejuízo, o caminho encontrado pelas empresas foi estabelecer parcerias.
“Um grande centro de pesquisa pode se associar com uma grande empresa. Só que isso pode ser difícil, já que as corporações preferem evitar riscos”, diz Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fapesp (agencia paulista de fomento à pesquisa).
Segundo ele, a solução encontrada foi investir em pequenos empreendedores, que necessitam de mais apoio e aceitam melhor os riscos.
Quatro editais, no valor de R$ 15 milhões cada, serão abertos este ano no Estado de São Paulo para selecionar empresas de pequeno porte.
“Estrategicamente, as empresas que mais devem ser apoiadas são as dos vários setores da engenharia, de equipamentos e máquinas, e as áreas de ciências da vida, como agricultura e saúde”, diz.
Para a pequena empresa, a parceria é vantajosa porque os centros de pesquisa facilitam o acesso a linhas de financiamento melhores. Também possuem compradores já estabelecidos em seus projetos e oferecem mentorias com profissionais capacitados.
A Brasil Ozônio (que fabrica equipamentos de geração de ozônio) se instalou no Cietec, uma incubadora localizada na USP, conta seu presidente-executivo, Samy Menasce. Ele afirma que a parceria permitiu a ele ter acesso a cerca de R$ 15 milhões em financiamentos em órgãos de fomento.
POUCAS OPÇÕES
Embora a associação seja frutífera, há poucos parceiros no mercado –tanto do lado dos centros de pesquisa quanto das empresas.
“Nesse assunto, o Brasil ainda tem ilhas que, isoladas, tentam ser centros de excelência. Elas concentram-se em grandes capitais e ainda não existem na quantidade que o país precisa”, diz Sérgio Risola, diretor do Cietec.
Do lado do negócios, ainda são poucos os empreendedores que se arriscam na área de tecnologia avançada, e poucos os cientistas que viram empresários.
“Temos uma visão bacharelesca na ciência, não voltada para a prática. É preciso que a academia e os centros de pesquisa sejam mais interessados em colocar a mão na massa”, diz Marco Antonio Raupp, diretor geral do Parque Tecnológico São José dos Campos e ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação.
O novo Marco Legal da Ciência, lançado dia 11 de janeiro, pode melhorar essa relação, diz o ex-ministro.
Um dos pontos do projeto, proposto pela Embrapii (Associação Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), prevê a facilitação do acesso de pequenas empresas a laboratórios e equipamentos de universidades e institutos públicos.
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CRITÉRIOS ADOTADOS POR INSTITUIÇÕES DE FOMENTO
Projeto de pesquisa
Precisa estar formatado de acordo com as regras do centro de pesquisa e ser organizado em itens como resumo, objetivos, cronograma, potencial comercial, descrição da equipe, bibliografia e orçamento
Qualificação da equipe
A formação acadêmica e a experiência profissional da equipe de funcionários da empresa precisam ter relação com os objetivos do projeto
Inovação
Projetos de pesquisa e desenvolvimento de ciência aplicada também devem buscar inovações, como de processos e materiais
Correlação internacional
A empresa precisa ter conhecimentos sobre pesquisas e protocolos internacionais para que seu projeto se relacione com iniciativas mais recentes
Atividade acadêmica
É muito valorizado o empreendedor que participa de congressos científicos e produz artigos acadêmicos e outras publicações
Familiaridade com testes
Entre as experiências profissionais mais valorizadas estão aquelas bem-sucedidas depois de vários testes científicos. Isso demonstra o uso de métodos e a superação de fracassos
OPORTUNIDADES DE FINANCIAMENTO
Fapesp
www.fapesp.br/chamadas
Finep
www.finep.gov.br/chamadas-publicas?situacao=aberta
Tecnova
www.finep.gov.br/apoio-e-financiamento-externa/programas-e-linhas/descentralizacao/tecnova
Repercussão: SMSPE; Investe SP