19/03/2010 – Revista Época On Line
Fábio Gandour
Ao falar em tecnologia, principalmente quando o substantivo vem acompanhado do adjetivo “alta”, é inevitável a associação com dois outros aspectos: educação e instrumentação Já está por aí mais um daqueles livros que muita gente cita, mas pouca gente lê, escrito a partir das conclusões do Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia em 2001, e de mais um bando de estudiosos dos países em desenvolvimento.
Isto só já seria suficiente para garantir um sucesso editorial, mas… tem mais: um alerta para o Brasil, afirmando que agricultura e exploração de recursos naturais transformados em commodities não serão as melhores bases para a sustentação do desenvolvimento econômico do país. Mais ainda: dizem os autores desse estudo que alta tecnologia seria uma opção melhor e – que metáfora feliz – que “o Brasil precisa de mais Embraers”, numa alusão ao sucesso do fabricante brasileiro de aviões.
A mim, como tecnólogo, só resta concordar. Mas também como brasileiro, com aquela fé inabalável de que o tal “deitado eternamente em berço esplêndido” virou história e agora só retornaremos ao berço para poder descansar após um longo dia de trabalho, sei que “outras Embraers” não vão nascer de uma hora pra outra. Mesmo assim, há que se perseguir o sonho da metáfora! Ao falar em tecnologia, principalmente quando o substantivo vem acompanhado do adjetivo “alta”, é inevitável a associação com dois outros aspectos: educação e instrumentação. Em se tratando de alta tecnologia, a educação é algo que vai até o doutorado ou um pouco além.
Se essa pós-graduação for obtida fora do Brasil, confere ao seu proprietário um respeitado título de PhD. Esse título pode até garantir a autoridade, mas não garante o conhecimento. Em instrumentação, a menção à alta tecnologia evoca a imagem de instrumentos sofisticados, caros e só existentes em poucos laboratórios do mundo. O que garante a imagem de sofisticação sem garantir a boa utilização. Não há que se discutir muito quanto à necessidade de pós-graduados e de instrumentos adequados para a criação de uma massa crítica bem equipada de operários em alta tecnologia. Mas em tecnologia em geral – alta, baixa ou mais ou menos – há outra necessidade mais simples, corriqueira até, e que, de fato, ainda não foi suprida totalmente. Nem mesmo parcialmente. Me refiro ao que, em inglês, é conhecido como Technical Writing e que a tradução para o português é, na minha opinião, tão literal quanto imperfeita: “Redação Técnica”. E já que vamos mexer nesse vespeiro, melhor começar ajustando essa tradução.
O que se conhece por Technical Writing é uma disciplina escolar que, em certos países desenvolvidos e com reconhecida tradição em produzir e usar alta tecnologia, começa a ser ensinada muito cedo. Nos Estados Unidos, essa matéria é parte do currículo do Ensino Médio, lá conhecido como High School. E, de fato, a matéria não ensina apenas a escrever coisas técnicas.
Ela ensina expressão técnica, oral e escrita. Ao adquirir conhecimentos para se comunicar adequadamente no campo técnico, o aluno vai aprender a escrever o relatório que descreve aquele experimento bem simples, do grão de feijão germinando no algodãozinho molhado. O mesmo processo para aquisição desses conhecimentos também ensina o que deve ser observado e, principalmente, como deve ser observado.
Algo como aprender a levar conhecimento para fora, mas também a trazer conhecimento para dentro de si. Coisa bem séria. Tão séria que se você fizer uma busca com as palavras Technical Writing em qualquer internet da vida, vai levar um susto com o resultado! Tem sites, blogs, cursos, empresas e livros, muitos livros, tudo dedicado ao assunto. Nos países onde existem, os cursos de “Expressão Técnica Oral e Escrita” fazem a alegria dos professores.
Das Ciências à Matemática, da Filosofia à Geografia e da Religião à Educação Física. Ao atravessar a ponte que ensina como observar um fenômeno e como descrevê-lo para que a descrição seja razoavelmente comprendida por outra pessoa, o aluno adquire a habilidade verbal e escrita de comunicar o que entendeu no feijãozinho brotando, no teorema de Pitágoras e na diferença entre sunitas e xiitas. E para que serve tudo isso? Se alguém imaginou que “Redação Técnica”, a qual acabei de batizar com o novo título de “Expressão Técnica Oral e Escrita”, serve para escrever manuais que ensinam os impacientes usuários a pilotar um novo celular, vale dizer que não é nada disso. E se alguém acha que os conhecimentos para uma boa expressão técnica virão naturalmente por meio do estudo da língua-mãe, português no caso, melhor também dizer que essa não é uma aposta ganhadora. A expressão técnica, oral e escrita, tem requerimentos próprios.
De precisão, de síntese, de clareza e, é claro, de sintaxe. Assim, a descrição técnica da asa de um avião que fosse feita por um Machado de Assis teria poesia e estilo, mas não seria suficiente para que outra pessoa entendesse o seu funcionamento. Sim, precisamos de mais “Embraers”. Mais do que nunca, precisamos de mais “Petrobráses”, mais “Laboratórios de Luzes Síncroton” e até, quem sabe, de mais doutores.
Mas também precisamos de um monte de gente mais operacional, que saiba expressar com eficácia, de forma oral e escrita, o resultado das análises sísmicas na região do pré-sal, o que é a luz síncroton e o que se pode fazer com ela. É o país e suas empresas que precisam de sua mesma gente, apenas equipada com mais essa ferramenta simples do conhecimento universal. Sem essa gente com boa capacidade de “Expressão Técnica Oral e Escrita”, o caminho para um equilíbrio entre a economia baseada em agricultura e exploração de recursos naturais transformados em commodities e a alta tecnologia fica um pouco mais difícil. Pensando bem, até a utilização racional e adequada de recursos naturais, dos quais o país é tão abundante, será mais facilmente conseguida com uma força de trabalho técnica bem preparada. “Para ser entendido em tecnologia” pode ser entendido de duas formas.
Uma diz respeito ao entendimento da comunicação, e aí entendido é um verbo. E a outra, se refere ao indivíduo experiente no assunto e aí, entendido é um adjetivo. De uma forma ou de outra, fica aqui o resumo: é hora de ensinarmos os nossos jovens a ter uma boa expressão técnica oral e escrita. E caso a tal “Teoria dos Seis Graus de Separação” seja mesmo verdadeira, de repente o primo de um vizinho do amigo do irmão de uma futura autoridade em Educação tome conhecimento disso tudo, se interesse pra valer e algo de novo apareça por aí. Afinal, basta só que um conte para o outro. Mas para ter sucesso nessa cadeia de comunicação separada por seis pessoas é essencial que todos os seus elos tenham uma boa expressão técnica oral e escrita. Será que rola? Sei não.