Folha de S. Paulo, em 12/05/2011
Um serviço de “delivery” crucial para a ciência brasileira deve começar a funcionar no mês que vem em Campinas, interior paulista: uma fábrica de camundongos transgênicos.
Pela primeira vez, o país terá um centro de produção e distribuição de cobaias geneticamente alteradas para uso em pesquisas biomédicas.
Esses animais, cuja invenção rendeu o Prêmio Nobel de Medicina em 2007, são usados por biólogos num sem-número de aplicações: desde a identificação de genes que influenciam doenças humanas até o teste de possíveis novos remédios.
O Brasil, porém, está atrasado nessa tecnologia.
Que o diga a bióloga santista Ivy Aneas, 36. Ela trocou o Instituto do Coração, em São Paulo, pela Universidade de Chicago, EUA, pois sua área de estudos -a identificação, usando cobaias, de genes relacionados à hipertensão- era impossível de perseguir no Brasil.
“Como eu iria fazer no Brasil um projeto que depende de transgênicos?”, questiona.
“A nova geração de pesquisadores já foi treinada nessa deficiência. A pesquisa nacional se resignou”, afirma José Xavier Neto, ex-colega de Aneas no Incor. Ele será o coordenador do futuro Laboratório de Modificação do Genoma, nome provisório da nova instituição.
O novo centro ficará hospedado no LNBio (Laboratório Nacional de Biociências), que funciona no campus do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, mantido pelo MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia) em Campinas.
O objetivo do projeto, orçado em R$ 2 milhões, é produzir linhagens transgênicas de camundongos de acordo com a demanda para todo o país.
Um cientista da Paraíba, por exemplo, que queira investigar os efeitos do desligamento de um determinado gene, poderá mandar para Campinas um pedaço de DNA capaz de “nocautear” o gene de interesse.
No novo laboratório, esse trecho de DNA recombinante será injetado em embriões de camundongo, que darão origem às linhagens geneticamente modificadas (os “nocautes”).
Questão de escala
O conhecimento para produzir roedores nocautes já existe no Brasil. Vários animais do tipo são feitos “no varejo”, em instituições como o Incor, a Unifesp e o Instituto de Biofísica do Rio de Janeiro.
“O que ainda não conseguimos fazer foi montar estruturas de produção regular desses animais”, afirma Xavier Neto.
Há dois gargalos no momento para que isso aconteça: primeiro, é difícil encontrar animais saudáveis em quantidade no Brasil. A produção de um único nocaute envolve uma centena de embriões, gerados a partir de três ou quatro fêmeas.
Para atender à demanda da comunidade nacional, calcula Xavier, seria preciso executar quatro vezes isso por semana.
Depois, é necessário treinar técnicos e ter equipamentos como microscópios especiais e microinjetores (para injetar o DNA nas células).
Isso tudo torna a produção cara: US$ 2.000 por nocaute, em média, o que torna a produção em escala difícil fora de um laboratório nacional, que deverá fornecê-los de graça.
Entrave jurídico
“A estrutura que eles têm é fundamental para que outros grupos possam ter acesso a essa técnica”, disse à Folha o presidente do CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento), Carlos Aragão.
Tanto o CNPq quanto o MCT se dispuseram a financiar a iniciativa, que deve ter ainda recursos do Ministério da Saúde. Segundo Xavier, experimentos começam em junho mesmo sem o recurso, com equipamentos cedidos pelo Incor e pelo Instituto de Biofísica.
O destino do laboratório, porém, está nas mãos do Supremo Tribunal Federal.
A corte deve julgar brevemente a constitucionalidade do modelo de gestão do LNBio, o das organizações sociais -fundações privadas que gerenciam vários centros de ciência em convênio com o MCT.
Segundo Aragão, o CNPq considera que a gestão pelas organizações sociais facilita a aplicação da verba. Caso o Supremo julgue o modelo inconstitucional, diz, “teremos de ser criativos” e encontrar um novo modelo de gestão. “Mas continuaremos apoiando o LNBio.”
(Folha de SP, 12/5)
(Claudio Ângelo)