Folha de S. Paulo, 7 de novembro de 2017
Eu sabia que ia ficar embaraçado. Mas não sei dizer não a jovens pesquisadores. Principalmente se são brilhantes. Recebi-o, portanto.
Faz pouco mais que um mês. Seu problema era o mesmo que vem afligindo centenas, se não milhares, de outros jovens pesquisadores. Sabem que são promissores, sabem que chegou a sua vez.
Mas também sabem que o período em que consolidam suas posições no cenário científico internacional é curto. Que, se não o aproveitarem, serão para sempre condenados à vala comum dos inconsequentes. Têm pressa. Se não houver mudanças, não sobrevivem como pesquisadores.
Por outro lado, se o Brasil os perde, seja porque migraram, seja porque desistiram, o prejuízo é imenso, irrecuperável, pois a ciência progride a passos largos, não espera por retardatários. Perder uma geração enquanto o resto do mundo progride, e principalmente agora que o Brasil começava a se recompor quanto à produção de conhecimento, é indesculpável.
O meu jovem interlocutor tem uma proposta de uma prestigiosa universidade no exterior. O que posso dizer? Poderia eu, em nome de uma certa lealdade ao Brasil, dizer o que espero desse pasticho que detém o poder sobre os destinos do país em Brasília?
O que esperar quando o governo federal reduz o orçamento de ciência e tecnologia a um terço de seu valor anterior? E os congressistas ainda mordiscam o pouco que restou para emendas que beneficiam seus redutos eleitorais. E é bom lembrar que nenhum outro ministério, além do da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, teve corte de verba semelhante.
Será que os economistas da Fazenda e do Planejamento são contra a ciência e a tecnologia? Que não acreditam em sua inequívoca importância para o desenvolvimento nacional? Como pode o jovem cientista escolher a sua pátria sabendo que não terá aqui apoio para suas pesquisas e perecerá em sua luta pela própria sobrevivência intelectual? Por que persistir se seu trabalho não é reconhecido em seu próprio país?
Este governo está demolindo o entusiasmo do jovem pesquisador brasileiro. E, com isso, comprometendo o futuro do país, pois não percebe que, sem pesquisas, não há progresso científico e tecnológico. E sem este não há inovação e competitividade, seja na indústria, seja em serviços, seja na agricultura.
Não percebem os dirigentes do país que estão aniquilando a juventude criadora do Brasil ao sufocar a atividade científica no Brasil.
Pois bem, o que digo para meu jovem interlocutor? Desista do Brasil? Vá se realizar em ambiente mais propício. Não seja tão patriota a ponto de comprometer o seu futuro. É isso que devo ensinar aos jovens promissores cientistas brasileiros? Devo-lhes dizer que o Brasil não vale a pena? Ou que se limite intelectualmente, e fique neste país que não o valoriza? Digam-me, é isso que devo fazer?
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, físico, é professor emérito da Unicamp, membro do Conselho Editorial da Folha e presidente do Conselho de Administração do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais)
Repercussão: GS Notícias