12/09/2009 – Jornal Tribuna do Planalto
No Estado, a nanotecnologia tem maior destaque na esfera acadêmica; quem ainda não acordou para a grande corrida tecnológica do mundo atual foi a indústria goiana
Em pouco tempo a expressão “seu mundo é muito pequeno” poderá deixar de ser insulto, ou,
no mínimo, terá um equivalente positivo. A nanociência e a nanotecnologia (que trabalham numa escala 1 milhão de vezes menor do que a do milímetro) estão cada vez mais próximas da realidade cotidiana.
Esses elementos já são fatores consumados no mundo da pesquisa e da aplicação industrial, principalmente nos países desenvolvidos, como Estados Unidos, mas também em nações em desenvolvimento como Brasil, África do Sul e China. Este último concorre em nível de primeiro escalão.
Em Goiás, a nanotecnologia tem maior destaque na esfera acadêmica, que pode ser comprovada nas pesquisas realizadas pela Universidade Federal de Goiás (UFG), cujos pesquisadores figuram entre os mais avançados do país no estudo de nanopartículas magnéticas. Quem ainda não acordou para a grande corrida tecnológica do mundo atual foi a indústria goiana.
Mesmo assim, há projetos sendo realizados em parcerias entre a universidade e algumas empresas, entre elas a Scitech, com sede em Goiânia, que disparado é a que mais investe em nanotecnologia no Estado. Tanto é que foi a vencedora nacional do Prêmio Finep de Inovação 2008 e recebeu um financiamento de R$ 6 milhões, para serem investidos em projetos de nanotecnologia na área médico-hospitalar.
De acordo com o presidente do Conselho Temático de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação da Federação das Indústrias do Estado de Goiás, Ivan da Glória Teixeira, a nanotecnologia é a bola da vez. “A tendência é que tudo se reduza ainda mais de tamanho. E todos os setores industriais estão nessa corrida, como a indústria farmacêutica, a eletrônica, a cosmética, entre vários outros setores que estão buscando a nanoaplicabilidade”, diz.
Segundo Teixeira, a Fieg tem uma visão bastante aberta neste sentido, mas as indústrias goianas ainda precisam abrir mais os olhos para enxergar esse novo mundo tão cheio de novidades. “A nanotecnologia é um dos campos mais preciosos da inovação industrial, e por isso estamos lutando para que as empresas passem a ter essa visão nanotecnológica também”, comenta.
Sua empresa, a Genix Indústria Farmacêutica, com sede no Distrito Agroindustrial de Anápolis, é outra que faz parte do mini universo que investe nessa área em Goiás. A Genix desenvolve projetos em parceria com o Farmotec, laboratório da Faculdade de Farmácia da UFG, que tem várias pesquisas em nanotecnologia.
Universo particular
Desde o começo dos anos 2000, o debate em torno da nanociência vem esquentando no mundo inteiro. No Brasil, várias reportagens em revistas de circulação nacional foram publicadas desde então. Mas a natureza do assunto se remete pelo menos ao final da década de 50 do século passado, quando o físico Richard Feynman (Nobel de Física de 1965) publicou um artigo científico anunciando as maravilhas de um mundo que surgia.
Nesse artigo, intitulado “There’s plenty of room at the bottom” (algo como “há várias salas lá embaixo”), Feynman dizia que uma nova ciência estava nascendo com os avanços da física, da química, da biologia e de outras áreas, a partir das quais se poderiam fabricar materiais numa escala atômica (utilizando o tamanho do átomo como medida).
Com essas novas aplicações, dizia Feynman, seriam elaborados materiais tão infinitamente pequenos que os então 24 volumes da Enciclopédia Britânica (hoje são 32 volumes) poderiam ser reduzidos, sem perda de conteúdo, até caberem na cabeça de um alfinete. Desde essa época, o que se vê é um investimento cada vez maior em pesquisas que tragam para a vida cotidiana os resultados dos laboratórios.
A palavra ‘nanotecnologia’ nasceu no final da década de 1980, quando já se utilizava a escala nanométrica, ou seja, o uso do nanômetro, um medidor cuja escala é 1 bilhão de vezes menor do que a do metro e 1 milhão de vezes menor do que a do milímetro.
Para se ter uma ideia, um átomo é em média só dez vezes menor que um nano (palavra que quer dizer ‘anão’, em grego), que é contado até 999. A partir daí entra-se na escala do micro, que é a unidade de medida utilizada em larga escala pela indústria atual. A microeletrônica, por exemplo, permitiu a criação de computadores potentes e cada vez menores, como o uso de vídeos de alta resolução em celulares.
Mas com a nanotecnologia, esta capacidade de desenvolver objetos úteis e bem pequenos, com estruturas invisíveis a olho nu, é mil vezes maior do que os fabricados a partir da escala micrométrica. A nanociência é, portanto, o estudo da propriedade de qualquer material na escala nanométrica. E a nanotecnologia é a aplicação dessas estruturas. Há também a nanobiotecnologia, que é outra aplicação.
Atualmente, algumas áreas industriais já vêm fazendo grande uso dessa revolucionária inovação do saber científico. Os setores mais avançados em nanotecnologia são a indústria farmacêutica, a cosmética, a informática e a eletrônica.
Hoje, por exemplo, já podem ser encontrados no mercado objetos fabricados com o uso da nanotecnologia, como meias e camisas, usando nanopartículas de prata para evitar o acúmulo de bactérias responsáveis pelo odor forte do suor ou do chulé. O taco de golfe é outro material que já é fabricado com nanotubos de carbono, mais leve e com uma resistência incomparável. Além de haver vários produtos de cosméticos que também já usam esse mesmo recurso.
Goiás em alto nível acadêmico
A indústria médica também vem fazendo uso da nanotecnologia para diminuir tempo e melhorar a aplicabilidade dos fármacos. Nesse quesito, Goiás tem vários pesquisadores, que atuam dentro da UFG e estão no pelotão de elite dessa nanomaratona. Não se trata apenas de ação isolada. A nanociência exige cooperação setorial.
Em função disso, além dos projetos isolados em nanotecnologia nos institutos de Química, Física, Ciências Biológicas e na Faculdade de Farmácia, há também aqueles que envolvem todos num mesmo trabalho. Neste sentido, há o projeto que visa o estudo de doenças cardiovasculares (como o uso de stents, por exemplo) no Instituto de Química, junto com a Faculdade de Farmácia.
Há também o estudo do processo de interação e toxicidade do Instituto de Ciências Biológicas e a pesquisa sobre liberação controlada de fármaco, da Faculdade de Farmácia. Todos esses projetos contam com a colaboração do Instituto de Física e todos estão dentro do trabalho com nanopartícula magnética.
De acordo com o coordenador do grupo de pesquisas em nanopartículas magnéticas do Instituto de Física da UFG, doutor Andris Figueiroa Bakuzis, esses estudos têm uma importância fundamental para o desenvolvimento científico e industrial.
Ele cita um exemplo de como tudo isso pode ser aplicado, que é o projeto de desenvolvimento de nanocarreadores magnéticos mais eficientes. Trata-se de um desses grandes projetos que envolvem outros institutos, mas que atualmente é tocado no laboratório de Física.
Segundo Bakuzis, o objetivo é construir um sistema que possa servir como excelente agente de contraste (aquilo que permite a identificação exata do foco da doença, como os pontos de ramificação do câncer, por exemplo). Além disso, o nanocarreador terá a capacidade de levar o fármaco específico até o local exato. (veja abaixo)
Ou seja, a nanoestrutura faz uma expedição pela área do corpo investigada e identifica o foco da doença. Depois leva a dose certa para ser aplicada no ponto específico, sem desperdício de medicamento e com absoluta precisão. Esse tipo de procedimento pode inclusive curar um câncer sem precisar fazer quimioterapia, por exemplo, porque a metástase (ramificação da célula cancerígena) seria identificada com muita antecedência e atacada nos alvos nanometricamente precisos.
Sobre esse trabalho foi publicado um artigo na revista inglesa Nanotechnology, que acabou despertando o interesse da comunidade científica internacional, sendo posteriormente publicado no site mais respeitado da área, o Nanotechweb.org.
“O uso da nanotecnologia só não foi 100% realizado na UFG porque utilizamos um microscópio do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas. Mas a universidade já está providenciando um aparelho desses também”, diz Bakuzis.
Para se ter uma visualização melhor da importância dos estudos nessa área na UFG, o Instituto de Física tem de 20 a 30 projetos em nanotecnologia, com cerca de R$ 2 milhões investidos em equipamentos. Só na parte coordenada pelo doutor Bakuzis são dez projetos.
Já na Faculdade de Farmácia da UFG, existem cerca de 12 projetos em nanotecnologia, sete dos quais são feitos em parcerias com empresas. De acordo com a coordenadora do laboratório Farmatec, ligado à Faculdade de Farmácia, doutora Eliane Martins, há quatro empresas parceiras.
Aposta
A informação da doutora Eliane fecha o grupo de indústrias que investem nessa área em Goiás, somando-se à Scitech, que tem parceria com o Instituto de Física no desenvolvimento de uma endoprótese de aorta.
Segundo ela, a nanotecnologia é uma aposta que as empresas goianas precisam começar a fazer logo, para não perder de vista os grandes competidores desta corrida que está começando. “É um investimento para um futuro muito próximo. E precisamos despertar o interesse do setor privado, que ainda não se sente seguro para investir”, diz.
Os empresários interessados podem procurar a própria Fieg, um instituto de tecnologia ou a própria universidade e propor parceria. Para quem acha que investir em nanotecnologia é atirar no que não vê, existe uma estimativa segundo a qual até 2015 os produtos feitos com essa nova indústria terão um mercado movimentando cerca de US$ 1 trilhão.
No caso do Brasil, segundo o doutor Bakuzis, junto às áreas médico-hospitalar e cosmética, o país pode sair ganhando se investir em pesquisas no setor agroindustrial. Afinal de contas, o agronegócio é o forte da economia nacional e, principalmente, de Goiás. Aliás, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) já faz um acompanhamento nessa área.
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O nanocarreador é uma espécie de máquina tão pequena que deixa o conceito de ‘micro’ no chinelo. Tem basicamente duas funções. Uma delas é a de fazer uma expedição até o sítio específico (área do corpo a ser analisada).
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Outra função do nanocarreador seria a de levar o fármaco até o sítio específico, após a identificação do patógeno, para fazer a devida aplicação, com intervalo de tempo e dose nanometricamente exata.
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Sítio específico. Neste caso, tecido do cérebro onde poderia ser identificado o início de uma metástase.
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Uma metástase no cérebro (pontinhos infinitamente pequenos ramificados em determinada região do cérebro ) poderia ser identificada com o uso de nanocarreadores numa expedição pelo tecido cerebral, por exemplo.
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O cenário nacional
Se Goiás tem poucas empresas interessadas em investir em nanotecnologia, ou não sabem como fazê-lo, o Brasil não faz feio frente à comunidade científica internacional. É um dos países em desenvolvimento que mais investem em nanociência, principalmente dentro de instituições como a Universidade de São Paulo, a Universidade Estadual de Campinas, as federais de Pernambuco e Minas Gerais e o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro).
Em 2005, por exemplo, o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) liberou uma verba de R$ 71 milhões para ser investida no Programa Nacional de Desenvolvimento da Nanociência e Nanotecnologia, lançado naquele ano. Outra grande iniciativa do MCT foi a inauguração do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) em 1997, em Campinas, São Paulo.
Hoje, o LNSL é o mais sofisticado do País na realização de experimentos nas áreas de Física, Química, Engenharia dos Materiais, Meio Ambiente e Ciências da Vida, principalmente nos estudos ligados à nanociência. São investidos R$ 30 milhões anuais só para a manutenção do espaço e sua estrutura.
Além disso, foram destinados cerca de R$ 3 milhões para os dez grupos de pesquisa de todo o País que utilizam o laboratório, num período de quatro anos, para a manutenção de bolsas de mestrado e doutorado, entre outras atividades.
De acordo com o físico Vinícius do Lago Pimentel, que trabalha na área de microscopia de tunelamento e força atômica do LNLS, no ano passado, cerca de 700 pesquisadores do Brasil e de alguns países, como Portugal, usaram o laboratório para complementar suas pesquisas.
Segundo Pimentel, o LNLS é um laboratório multiusuário, ou seja, qualquer pesquisador, vinculado a uma instituição, pode usar sua estrutura, desde que o projeto seja relevante. “As pessoas submetem o projeto à apreciação do laboratório, que só não aceita se não houver possibilidade de uso dos equipamentos aqui”, diz.
A luz síncrotron é produzida numa lâmpada que emite luz de diferentes cores, por elétrons altamente energéticos que circulam em uma espécie de anel de armazenamento. Só 14 países do mundo dominam essa tecnologia. Desses, 13 construíram seus laboratórios. No hemisfério sul, só o Brasil sabe construir uma máquina dessas.
Os investimentos brasileiros na nanociência e na nanotecnologia são importantes porque ainda é uma corrida aberta. O Brasil, se continuar investindo, tem chances de se manter competitivo até mesmo com as grandes potências. A importância do LNLS nesse novo cenário é a prova disso.